O esquema de contrabando em Tete está tão sofisticado que a madeira de espécie “nkula” é cortada ilegalmente e através das guias de recolha de madeira abandonada, emitida pelo Governo, é transportada e exportada como se fosse legal.
Tudo bateu certo quando as nossas suspeitas nos levaram a voltar aos distritos de Macanga e Mágoè, sete meses depois de termos estado no local pela primeira vez. O cenário que encontramos é de saque da madeira preciosa conhecida localmente por “Nkula”, que curiosamente ainda não foi autorizada a sua exploração comercial.
Em Macanga, o circuito sofisticou-se. Os estaleiros onde funcionava o negócio ilegal foram abandonados, depois da denúncia que fizemos na reportagem publicada neste jornal em Abril. Entretanto, os seus operactivos posicionaram-se mais para o interior, continuando a fomentar o corte ilegal de Nkula, longe das autoridades da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e sem a intervenção da Polícia e das Alfândegas de Moçambique.
Se existe o conceito de “lavagem de dinheiro”, que se admita a expressão “lavagem de madeira” – exactamente o que está a acontecer na província de Tete. Os estaleiros, de cidadãos chineses, instalam-se nas comunidades e aliciam a população a cortar nkula, depois vendem a 300 meticais, o máximo, cada toro. Para exportar, os chineses usam a guia para a recolha de madeira abandonada, emitida pelos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia, agora geridos pelo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural.
Com este esquema, a madeira cortada e comprada ilegalmente sai do país como se fosse legal.
Durante a nossa investigação, escalamos um estaleiro pertencente a um cidadão chinês conhecido por Chen. Encontramos mais de cinco camiões com contentores de grande capacidade a serem carregados, sem a presença das Alfandegas, PRM e fiscais de Florestas e Fauna Bravia para fiscalizarem o processo, como determina a lei. “Este nkula sai aqui em Tete, mas em vários distritos. Outros levam lá em Macanga, outros em Chiúta”, confirmou um dos trabalhadores que falou em anonimato, e garantiu que “este nkula é fresco. Como estão a ver, ali estão a descascar”. O gerente, moçambicano, que também não quis ser identificado, confirmou tratar-se de madeira cortada e comprada pelos donos do estaleiro. “É mesmo aquilo que ele acaba de informar”, referia-se ao nosso primeiro entrevistado, e acrescentou “a população traz, deixa aqui e vai receber o dinheiro na cidade de Tete”.
É na cidade onde está posicionado o dono do estaleiro em causa. Depois de um telefonema, conseguimos falar com ele que aceitou um encontro, só que na condição de não dar entrevista.
Na conversa, jurou inocência: nós somos negociantes e vamos onde há negócio. Já te respondi – estou a ouvir de ti que essa madeira não se corta.
Ao longo da estrada de terra-batida que liga a zona de Chidzolomondo, onde ficam as zonas de corte, e a estrada principal, que vai até ao cruzamento da Zâmbia, encontramos dezenas de camiões estacionados. Eram 13 horas da tarde. Na investigação, soubemos que os mesmos evitam circular durante o dia até ao Porto da Beira e preferencialmente fazem-se à estrada de noite, onde com os contentores selados, facilmente passam dos postos de controlo.
Através de um alto dirigente da Direcção Provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural em Tete, soubemos que as empresas autorizadas no início do ano a recolherem a madeira abandonada não conseguiram tirar todo o volume no prazo inicialmente determinado e foi-lhes dado mais tempo para continuarem a transportar o produto. Entretanto, na realidade não se trata de recolha de madeira abandonada, mas sim cortada, vendida e comprada.
Nkula é nome local da madeira conhecida cientificamente por Pterocarpos tinctorius. As árvores crescem até 20 metros de altura e o seu diâmetro raramente ultrapassa 50 centímetros. Ocorre em poucos países no mundo, sendo Congo, Tanzânia, Moçambique, Malawi, Zâmbia e Angola. Tem a particularidade de ser muito dura e há suspeitas de que a mesma é usada na indústria do armamento para o fabrico de componentes como coronhas de madeira.
No ano passado, o Governo classificou o nkula como sendo madeira preciosa, à semelhança de pau-preto e outra. Não se tendo feito ainda o inventário florestal para determinar o seu grau de ocorrência no nosso país, ainda não está a ser licenciada para uma exploração comercial. No entanto, enquanto isso não acontece, avultados volumes saem através do esquema de contrabando.
Desabafo de um Polícia resignado
No posto administrativo de Chidzolomondo, no distrito da Macanga, onde há mais movimento de camiões que transportam nkula, cruzamos um posto policial com dois ou três polícias afectos. Na conversa que mantivemos com um deles em off the record, foi possível notar a resignação das autoridades, perante o problema. Acompanha o diálogo entre o repórter e o agente da polícia.
– Este nkula é cortado ilegalmente ou não?
– É assim, o documento que existe é de recolha. Então, a população que usa machado pode tirar para o consumo, não para venda.
– Mas o que acontece…
– O que acontece é outra coisa.
– Aliás, lá atrás encontramos muitos camiões a carregarem. Esses camiões vão passar daqui?
– Sim, sim!
– E vocês como autoridades, qual é o vosso papel?
– É de velar.
– Mas sendo uma exploração ilegal, porque é comércio que está a acontecer lá atrás. Qual é o vosso papel?
– O que posso dizer é que tudo que vem empacotado já tem o seu documento.
– Esse documento é legal?
– Sim.
– Como é legal para uma actividade que é ilegal?
– A única coisa que te vou responder é que a única coisa que sei que existe é documento de recolha e empacotamento. Para corte não existe. Nós não sabemos como é que chega até àquele ponto.