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Luís Bernardo Honwana (1): o berço, a família e a personalidade

Luís Bernardo Honwana completa, hoje, 80 anos de idade. O escritor nasceu a 12 de Novembro de 1942, no Hospital de Chamanculo, subúrbio da capital moçambicana. A seguir, partilhamos o primeiro de vários artigos que se complementam sobre o percurso de vida em homenagem a um intelectual comprometido com as artes e com a cultura moçambicanas.

 

Ao fim de um ano de namoro, Nely Nyaka e Raul Bernardo Honwana casaram-se. A primeira cerimónia matrimonial realizou-se a 2 de Maio de 1940, no Registo Civil, e, a segunda, dois dias depois, na Igreja Wesleyana. Já o copo de água aconteceu no Centro Associativo dos Negros, hoje Ntsindya, no Bairro Xipamanine, na Cidade de Maputo.

Confirmado o laço matrimonial, os recém-casados foram viver juntos em Moamba (actualmente, um dos distritos de Maputo), onde Raul Bernardo Honwana trabalhava como intérprete na Administração. Nessa altura, Nely Nyaka tinha 19 anos de idade e o esposo 34. Dessa união, resultaram oito filhos, educados para serem mulheres e homens lúcidos. Um desses filhos que cedo compreendeu a lição dos pais foi Ginho, ou seja, Luís Bernardo, que nasceu dois anos depois de se terem casado.
Forte, Ginho/Luís Bernardo nasceu com quatro quilos, num dia bastante chuvoso. O parto aconteceu às duas de 12 de Novembro de 1942, no Hospital do Chamanculo, então subúrbio de Lourenço Marques. Nessa altura, Moçambique ainda era uma colónia portuguesa. Por isso, a liberdade representava o desejo dos moçambicanos que não se podia expressar de forma explícita. Ainda assim, em Moamba, onde os pais viveram juntos durante 27 anos, o menino Luís, à semelhança de todos os seus irmãos , foi ensinado pelos pais a investir na escola. Consequentemente, desde a tenra idade, sempre gostou dos livros.
A língua materna de Ginho foi o ronga. No entanto, à medida que foi crescendo, aprendeu também o português. A uma certa altura, antes de iniciar a escola, os pais passaram a falar com ele e com os irmãos nas duas línguas. Recuando no tempo, Nely Nyaka lembra-se de que, nos anos 40 do século passado, algumas pessoas próximas a criticavam por ensinar e comunicar-se com os filhos em ronga. No entanto, para Nely Nyaka e para Raul Bernardo Honwana, apesar de ser um quadro da administração colonial, não fazia sentido não ensinar aos filhos a língua local, coincidentemente, a língua materna do casal. Nely Nyaka nasceu em Catembe e Raul Bernardo Honwana em Marracuene, nos dois casos, na capital moçambicana. Portanto, o casal sempre foi apologista da preservação da cultura ronga a que pertenciam e nem o facto de serem “assimilados” impediu-lhes de pensar assim. Até porque, se os filhos não soubessem falar o ronga, não teriam como se comunicar com os avôs, que não sabiam falar português.
Em Moamba, Luís Bernardo estudou na Escola Aires de Ornelas até à quarta classe. Depois, porque naquela região de Lourenço Marques não havia nenhuma escola com nível secundário, os pais matricularam-no na então Liceu Salazar (hoje Josina Machel), na cidade de Lourenço Marques. Para chegar a tempo às aulas que iniciavam às 7h, tomava um comboio às 5h30 todos os dias. A seguir às lições, só voltava a casa à noite, no comboio das 18h. Na infância de Ginho, esse foi um período duro, mas necessário.
Por compreender que a rotina dos filhos, que se encontravam sempre entre os melhores alunos, era difícil e que poderia comprometer o aproveitamento escolar, o casal Nely Nyaka e Raul Bernardo Honwana decidiu coloca-los a viver na periferia de Lourenço Marques, na casa do irmão mais velho, Mário, que já era casado. Algum tempo depois, Mário foi, porém, transferido para trabalhar em Chinde, Zambézia. Aí, os filhos em idade escolar foram distribuídos pelas casas de familiares. Do ponto de vista logístico, o cenário era complexo. Como solução, o casal Honwana resolveu comprar um terreno perto do Mercado Xipamanine. Ali construíram uma casa de madeira e zinco, pois a administração colonial impedia a construção de casas de alvenaria nos subúrbios lourenço-marquinos.
No Xipamanine, o terreno foi adquirido em 1962 e, de seguida, a casa de madeira e zinco, tipo 4 e com divisões internas a unitex, foi construída por Matos, irmão de Amaral Matos. No ano seguinte, a família mudou-se para essa casa em virtude de Raul Bernardo Honwana ter sido transferido para a Administração do Concelho de Lourenço Marques.
Ginho teve em quem inspirar-se. O pai, além de intérprete na administração colonial, era um grande leitor e acompanhava, já nos anos 40, 50 e 60, a política internacional, trocava livros com amigos e era assinante de revistas. Pela sua inteligência, Raul Bernardo Honwana era muito respeitado, quer no trabalho, quer noutros sectores sociais. Aliás, naquele contexto discriminatório dos meados do séc. XX, muitos portugueses analfabetos batiam a porta dos Honwana, à noite, para pedir que Raul Bernardo lesse-lhes cartas e/ou escrevesse aos seus familiares em Portugal.
Já a mãe, considerando os 10 filhos que tinham (os dois mais velhos enteados de Nely Nyaka), ajudava a equilibrar as contas da casa com uma machamba e costura. Como boa dona de casa, a Nely Nyaka cabia cuidar do marido e dos filhos.

A propósito de filhos, no seu livro de memórias, intitulado Mahanhela – a vida na periferia da grande cidade, editado pela Marimbique, em 2018, Nely Nyaka faz um retrato sobre cada um. Referindo-se a Ginho, lembra que, quando criança, era um menino teimoso e que dificilmente mudava de ideias. Com o tempo, entretanto, tornou-se um rapaz e um homem calmo, sereno e muito atencioso. Por exemplo, era ele que, muitas vezes, embalava a irmã mais nova, a Gó, a qual, ainda bebé, chorava que se fartava.
Além disso, quando em Maio de 1962 Raul Bernardo Honwana foi preso pela PIDE, sem qualquer acusação, Ginho, apesar de ter apenas 20 anos de idade, soube procurar pelo pai, contactar amigos e, finalmente, conseguir a informação de quando o pai seria liberto, poupando a mãe de ter de percorrer distâncias à procura dele.
Portanto, foi com base nos ensinamentos dos pais e das lições apreendidas na escola que Ginho construiu-se como intelectual incontornável da sociedade moçambicana. Em breve, tornar-se-ia uma referência internacional e o seu nome de registo, Luís Bernardo Honwana, ficaria bem timbrando na memória de muitos povos.

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