Os Presidentes de Moçambique e África do Sul, Filipe Nyusi e Cyril Ramaphosa, respectivamente, participaram hoje na cerimónia que marcou a passagem dos 35 anos da morte do primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, após a queda do seu avião presidencial nas montanhas de Mbuzini, na África do Sul.
Juntaram-se à cerimónia os familiares das 35 vítimas mortais, incluindo o Presidente, mas também de alguns sobreviventes ao acidente, cuja causa é imputada ao regime do Apartheid que, com recurso a um aparelho VOR, terá desviado o aparelho para o território sul-africano, confundindo os pilotos que pensavam que estavam a fazer aproximação ao Aeroporto Internacional de Maputo, embatendo repentinamente nas montanhas do outro lado da fronteira.
No entanto, há outra narrativa que aponta para erro humano para o acidente. Por isso, o representante das 34 vítimas mortais, que acompanhavam o então Chefe do Estado, pediu, na sua mensagem, a verdade sobre o que aconteceu na noite do dia 19 de Outubro de 1986. Na voz de Alberto Cangela Júnior, filho de uma das vítimas, os familiares disseram ainda que, durante anos, foram mantidos propositadamente, e alguns dos órfãos e viúvas passaram, ao longo dos 35 anos, diversos tipos de privações, incluindo educação e oportunidade, para ter condições mínimas de sobrevivência. Por isso, pediram à África do Sul para se reactivar a Comissão de Inquérito para que se chegue à verdade que os poderá ajudar a ficar confortados.
Quem desta vez não reclamou da falta de esclarecimento da morte do seu marido foi Graça Machel. Na cerimónia de ontem, a mestre de cerimónia, a ministra da Cultura e Turismo, Edelvina Materula, chegou a chamar por Samora Machel Júnior para falar em nome da sua família, mas, na hora, foi a viúva que se levantou e esclareceu que, por acordo familiar, ficou convencionado que seria ela a falar, porque havia algumas coisas a dizer que só ela e o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, podiam falar naquela sala. Tais coisas, referiu-se àquilo que considera terem sido as principais causas do assassinato do seu marido.
Graça Machel diz que a morte do marido surge da criação da chamada Linha da Frente, que reunia Chefes de Estado independentes e líderes dos movimentos que ainda lutavam pela independência dos países da África Austral, nomeadamente e, sobretudo, Samora Machel, Seretse Ian Khama, Julius Nyerere, Kenneth Khaúnda, Robert Mugabe, Oliver Thambo, San Nujuma. Este “clube” deu lugar à Conferência da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADCC, na sigla em inglês) e que deu lugar à actual SADC. O espírito dessa organização defendia que nenhum país da região devia considerar-se livre enquanto qualquer um dos países da região estivesse sob subjugação de qualquer tipo e que juntos deviam lutar para combater os males que apoquentam os seus respectivos povos.
Foi essa linha que levou Moçambique, liderado por Samora Machel, a combater os regimes do Apartheid na África do Sul e na Namíbia, o minoritário de Ian Smith na então Rodésia do Sul, hoje Zimbábwè, bem como o apoio à Tanzânia a repelir a invasão do ditador ugandês Idi Amin Dada.
Graça Machel desafiou os actuais jovens da África Austral a usarem da educação que têm, do acesso à tecnologia e outras capacidades para recriarem a sua nova Linha da Frente contra os males que apoquentam os respectivos povos, nomeadamente a pobreza extrema, a fome, doenças, entre outras situações que atrasam o desenvolvimento dos países da região. Desafiou-os a esforçar-se, para que os recursos existentes em cada um dos países possam servir os respectivos povos e não sejam exportados como matéria-prima e retornarem à região manufacturados e a preços elevados, o que só desenvolve as outras nações.
Por último, a viúva de Samora Machel pediu aos Presidentes de Moçambique e da África do Sul para melhorarem o monumento em memória às vítimas de Mbuzini, para que seja um espaço de estudo, de conferência e da transmissão da história da Linha da Frente e da SADCC, e para que os estudiosos e os jovens tenham uma fonte de informação credível do que representaram esses movimentos, cuja inspiração levou a que acontecesse o acidente de aviação que tirou a vida a Samora Machel e seus acompanhantes.
A esta proposta os dois presidentes presentes concordaram e prometeram trabalhar em conjunto para tornar o sonho de Graça Machel real.
O Presidente da África do Sul, que interrompeu a campanha eleitoral para as Autárquicas naquele país vizinho, para atender aquela cerimónia, secundou as palavras de Graça Machel de que é preciso resgatar os valores e o legado de Samora Machel que ajudaram o seu país a livrar-se do regime segregacionista do Apartheid, que igualmente permitiram transformar a região da África Austral numa comunidade de países, que buscam pela sua integração económica e política.
Disse que a SADC precisa de novos líderes que tenham a visão de Samora Machel, que coloquem os interesses dos seus povos acima dos seus, que buscam a solução dos problemas dos seus países e que procuram sempre transformar os seus recursos e produtos agrícolas localmente e em benefício dos seus cidadãos.
Os valores de democracia, liberdade e justiça devem vincar-se na região à par da paz e segurança, tal como Samora Machel se debateu em vida. Recorreu a estas palavras para deixar claro que o seu país e a SADC, como um bloco, não vão permitir qualquer tipo de agressão a qualquer dos países e que os insurgentes que protagonizam ataques terroristas no norte de Cabo Delgado podem aguardar pela força da região que será sempre implacável a qualquer acto que atente contra a paz, ordem, segurança e a vida dos povos.
O Presidente Filipe Nyusi, por seu lado, recorreu às palavras proferidas por Samora Machel, 38 dias antes da sua morte, quando regressava de uma reunião em Malawi, com os outros Chefes de Estado da região, onde o tema central foi a luta contra o Apartheid, tendo falado do sonho de ver a África do Sul livre do regime segregacionista, para demonstrar a grande visão daquele líder revolucionário de que nenhum país da região devia resolver os seus problemas sozinho. Pelo que os problemas de um eram de todos e como um bloco se deviam procurar as respectivas soluções. Mas também demonstrou a visão internacionalista e solidária de Samora Machel quando aceitou acolher os refugiados do Chile, da Argentina e do Timor Leste em Moçambique.
Filipe Nyusi comprometeu-se em continuar a trabalhar afincadamente, para resolver os principais problemas que enfermam os moçambicanos e construir um país onde as ideias são valorizadas independentemente da cor partidária que as expõe e um lugar onde todos têm espaço para contribuir para o seu desenvolvimento.