Uma jovem sequestrada escapou do cativeiro após estar fora do convívio familiar durante um dia. A vítima conta que, após conseguir escapar, levou a polícia para o local, mas nada foi feito. As autoridades continuam a investigar. A jovem vive em KaTembe, onde ocorreu o crime.
São relatos de quem viveu dias nas mãos de um grupo de sequestradores na cidade de Maputo. Matilde é nome fictício que passamos a atribuir à jovem residente no bairro Nkasane, no distrito municipal KaTembe, sequestrada há dias, na avenida Guerra Popular, no centro da cidade.
A vítima conta que pretendia chegar, pela primeira vez, ao bairro Intaka. Em busca de um transporte, chegou primeiro uma “boleia paga”. Já ao longo da viagem, Matilde descobriu que não era a única vítima que havia caído nas mãos de malfeitores.
“Eu pretendia chegar ao bairro de Intaka, saindo da baixa da cidade. Uma vez que não consegui uma chapa directo, apanhei uma boleia de um senhor que disse que ia até Boquisso. Subi juntamente com uma moça que disse que me iria mostrar. Entrámos no carro e seguimos em direcção a Mavalane. De repente, a moça que já estava no carro começou a reclamar alegando que a direcção que levávamos não era a certa. Ela começou a reclamar, mas o carro não parou, ele (o condutor) negou. Nós começámos a gritar e um deles, aquele que estava atrás, tirou arma e disse que tínhamos de fechar as bocas”, relata a jovem em prantos.
Após ficar clara a intenção dos sequestradores, Matilde conta que perdeu a consciência e só acordou no interior de uma residência, onde os malfeitores obrigaram os jovens a mandarem mensagens aos familiares para enviarem valores de resgate. A família de Matilde não teve disponibilidade imediata dos valores e a jovem conta que viu algumas jovens a serem soltas à medida que os familiares enviavam os 45 mil Meticais ou metade do valor.
Matilde relata, ainda, que “as famílias de duas moças mandaram metade do valor e foram soltas e, naquela noite, só ouvimos os senhores a dizerem que tinham de sair, porque haviam encontrado mais duas moças e tinham de sair para ir buscá-las. Então, entraram no carro junto com eles, aquelas duas que já haviam mandado o valor. Taparam-lhes com um pano preto e, do nada, caíram. Quanto a mim, a minha família disse que continuava à procura dos valores”.
A mãe de Matilde só recebeu a informação após algumas horas. Segundo ela, a família tratou de participar o caso à polícia local, que prometeu dar seguimento, mas Matilde viria a escapar das mãos dos malfeitores, graças à sua esperteza no momento em que teve oportunidade de sair para um ATM, a fim de tirar dinheiro para pagar pelo seu resgate.
“Consegui mentir para eles dizendo que o dinheiro que pretendiam estava comigo, no cartão, e que só eu devia levantar no ATM. Quando saímos de lá, um deles disse-me que devia agir como se fosse sua namorada. Durante a caminhada, consegui despistá-lo e correr e pedir socorro”, conta a jovem.
Matilde é um dos vários casos que têm vindo a ganhar espaço no distrito de KaTembe e não só, e a população questiona a ausência de quem deve garantir ordem e segurança.
“Temos vizinhos que foram raptados, crianças, tantos adultos… recentemente, um senhor foi vítima deste grupo, foi raptado e, quando a família disse que não tinha valores, eles tiraram-lhe a vida. Aqui, em KaTembe, estamos numa situação muito chata e caótica. Precisamos da polícia, que eles nos apoiem. Esses bandidos andam com pistolas. Quem são eles até conseguirem pistolas?”, questiona a tia da vítima.
Para o criminalista Paulo Sousa, o actual fenómeno que faz vítimas crianças e jovens e com valores insignificantes para o resgate, pode ser fruto da ausência dos elementos de segurança.
Segundo Sousa, “esta classe, mais mínima, mais razoável, entendeu a insegurança, entendeu essa fragilidade. Portanto, por haver essa exposição da vítima, aproveitam-se. Dentro da teoria da propriedade social, integram-se estes factores: a exposição da vítima, a ausência de políticas efectivas de reacção à segurança, que se sente que eles estão embalados, aspecto relativo à ausência de postos de trabalho ou desemprego na camada juvenil”.
Outro aspecto levantado pelo criminalista tem a ver com o facto de a polícia não estar a conseguir contrapor as acções dos criminosos, ao mesmo tempo que afirma que a polícia deve tomar posição e procurar antecipar-se perante as acções dos criminosos, não o contrário do que vem acontecendo.
Após escapulir das mãos dos malfeitores, Matilde dirigiu-se à décima oitava esquadra, onde se prontificou a mostrar o local em que foi mantida em cativeiro. A polícia conheceu o local, mas até agora diz continuar com as investigações.