O País – A verdade como notícia

JOSINA MACHEL : A ÓPERA E O LEGADO

Havia uma pré-estreia a contemplar no centro cultural universitário da UEM, pelas 18h do dia 19 de Setembro. Estava tudo orquestrado a rigor, a sala repleta de convidados, as luzes em jogo de mistério, afugentando a escuridão em alguns cantos e permitindo ela passear noutros, a sala em dó de suspense, era como se Josina Machel fosse reencarnar de novo em Lourenço Marques.

A banda coral milimetricamente posicionada na sala, os intrumentos cochichavam entre si, igualmente ansiosos perguntavam se: Quando começarão estes músicos a tocar nos?

Já passavam 11 minutos das 18h, os espectadores quase ruiam as unhas em público.

O evento encetou com um breve briefing da directora da ECA, a respeito dos cursos e trabalhos artísticos da própria ECA como Academia.

Seguiu se a sua explanação sobre o conceito da ópera, como um projecto de pesquisa e homenagem a Josina Machel, com a pretensão de promover a liberdade,  a memória cultural, a resistência, e valorizar  o papel da mulher na memória histórica de Moçambique, no contexto dos 50 anos de independência.

A opera Josina Machel contou com cerca de 250 participantes, dentre músicos, docentes, estudantes e jovens vulneráveis. A Obra combina música, teatro, e trechos da história de Moçambique, atribui se a autoria da ópera a Feliciano de Castro. Composta por 3 actos, ao público estava reservado contemplar apenas o acto 1 da ópera, no contexto de pré estreia que possuia exactamente  6 cenas. 

O espectáculo artístico finalmente iniciou, Josina foi apresentada numa encenação com mulheres do antigo destacamento feminino, magrinha, airosa e com os cabelos naturais que Deus embelezou antes de a dar. Esta cena simulava conversas quotidianas, com intenção de revelar a personalidade atenta e corajosa de Josina no meio do destacamento feminino.   

Seguiu se o grupo coral acompanhado da banda, que produziu um som de caracter revolucionário, cujo um dos trechos era “eu quero vencer a miséria”, este trecho representava o anseio do povo na era colonial, o desejo de abandonar a indigência, a ignorância, para finalmente ter dignidade. O público aplaudiu de mãos cheias.

Seguiu se uma performance de timbila e mbira, explorando a diversidade sonora e a potencialidade de cada instrumento, o público participou da actuação com a banda, usando o seu intrumento favorito, os aplausos.

A encenação da ópera socorreu se dum trecho histórico em que um soldado da Pide quase prendeu estudantes devido a prática de poesia, porém um governador livrou os estudantes da Pide. Este trecho remete nos a privação da liberdade de expressão a que o povo Moçambicano foi submetido durante o periodo colonial. 

No enlevo da encenação um grupo de estudantes num acampamento recebe os colegas de Lourenço Marques, num encontro de carácter político, cultural e social, estes estudantes manifestam juntos diversas artes. Iniciam com uma conferência do antigo núcleo dos estudantes secundários, Africanos de Moçambique (NESAM), representada por actores jovens, a cena visava contar a história sobre o prelúdio do movimento frente de Libertação de Moçambique e as primeiras fugas do país para Tanzânia com o objetivo de lutar por Moçambique. Esta cena despertou o sentimento nacionalista, a memória histórica de como começou a luta pela liberdade. 

Seguiu se um trilha sonora intitulada “Me dê um sonho”, Me dê um sonho foi uma composição solada por uma guitarra, acompanhada por violino e trompete, o arranjo era nostalgico, nacionalista e intenso, teletransportava nos para um periodo em que o nosso maior sonho era ver o nosso pais livre, nesse periodo cantava se para lembrar se de quem eramos e de onde queriamos chegar, afinal para ter esperança no futuro um povo precisa apenas de um sonho.

Um dos momentos solenes da ópera foi a declamação poética de Josina com o poema “Obrigado” ao som do violino entre seus colegas estudantes.

Josina entrou irrevente, o suspense da bateria acompanhava a sua irreverência, o choro do violino era revolucionário denotava um ponto de inflexão qualquer, enquanto Josina recitava :

– Obrigado… obrigado…. obrigado, obrigado! obrigado! Na plateia o público descodificava a mensagem, os primeiros obrigados suaves, misteriosos, depois tornaram se amargos, dolorosos, os últimos sabiam a revolta, portanto revoltosos.

– Obrigado, por séculos e séculos e séculos e séculos de exploração….”. O violino chorava como se fosse a voz dos nossos ancestrais revoltados, como se depois pudesse mudar toda a história da escravidão.

Cada linha do poema revelava os traços intelectuais de Josina Machel: O seu pensamento critico, a sua coragem. sua irreverência, a sua revolta com a situação colonial.

Houve um pequeno problema técnico com o microfone da Josina, que oscilou durante a sua declamação, ocultando trechos importantes do poema. Sendo Josina a figura de destaque, no próximo espectáculo da estreia, a produção deve estar mais sensível ao microfone da Josina, contudo a sua performance não foi abalada, manteve se firme e forte até ao fim.  

A Marrabenta foi chamada a ópera no número seguinte, e recebida com exuberância, uma das canções populares foi Elisa gomara saia, ai pôde se contemplar a beleza da nossa cultura, indumentária, a maravilha da nossa música, que realmente fascinou o público. A beleza do cabelo negro feminino foi exaltada pelas actrizes durante os passos da Marrabenta. 

A última ópera do espectáculo foi sobre Moçambique com o coro “lutaremos sem cessar”, a bateria testemunhava o compasso de soldados em marcha para a luta, as vozes tinham um tom abnegado, obstinado pelo sonho de um novo Moçambique, enquanto os coros enunciavam: “Lutaremos sem cessar”, os actores encenaram a construção de Moçambique, uns na carpintaria, outros cozinhando, outros lavando, outros marchando, mas todos construindo Moçambique, este trecho exaltou o amor pela pátria.

Talvez fosse oportuno para o público, poder apreciar a trilha sonora da ópera em formato de CD ou mesmo digital, para que ópera seja melhor capitalizada e imortalizada, a produção poderá ponderar.   

A Ópera Josina Machel, resgata um legado de valores pátrioticos, da personalidade de Josina: A coragem, irreverência e sacrificio pela pátria, também promove a valorização da figura e papel de Josina Machel, como mulher moçambicana que contribuiu para a luta pela independência.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos