O País – A verdade como notícia

Jornalistas queixam-se de liberdades coartadas no exercício da profissão

Jornalistas e organizações não-governamentais consideram que continuam tentativas de cortar a liberdade de imprensa em Moçambique. Estes defendem que essas acções põem em causa o Estado de Direito Democrático e colocam em causa a paz.

Hoje, o país e o mundo pararam para celebrar a liberdade de imprensa, condição indispensável para o exercício da actividade. Falando numa conferência realizada para celebrar o dia, o Presidente do Conselho Superior da Comunicação Social defendeu que, no país, prevalecem condicionalismos para o exercício da profissão.

“Preocupa-nos a prevalência de relatos de tratamento inapropriado de jornalistas no exercício das suas funções, produzindo como consequência a percepção da presença da coartação ou de coartação efectiva da liberdade de imprensa”, disse Rogério Sitoe, para quem essas práticas põem em causa o processo de democratização do país. “A liberdade de imprensa é fundamental para garantir outras liberdades na consolidação do Estado de Direito Democrático. Essa liberdade não deve permitir a regressão e violação de outros direitos atribuídos à pessoa, como o direito à honra, o respeito à vida privada e imagem, como se tem constatado na imprensa televisiva”, deplorou.

MISA ALERTA PARA REGULAMENTAÇÃO TÓXICA DA INTERNET

Uma vez que as celebrações decorrem sob o lema: “Jornalismo sob cerco digital”, Fernando Gonçalves alertou ao legislador sobre o perigo de se limitar o exercício da actividade. “Como em tudo que nos é valioso, há sempre o perigo da internet ser usada como uma pedra de arremesso contra nós próprios, se a regulação para o seu uso não estiver assente em princípios democráticos que coloquem, no centro das atenções, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.”

Por seu turno, o representante da UNESCO em Moçambique lamentou que mais de 400 jornalistas tenham morrido nos últimos cinco anos, no mundo, por estarem a desempenhar as suas funções. Lamentou ainda que as mulheres jornalistas estejam cada vez mais vulneráveis. “A situação de ódio contra os jornalistas têm vindo a aumentar, afectando, em particular as mulheres jornalistas, a nossa investigação mostra que mais de sete em cada 10 mulheres repórteres inquiridas foram vítimas de violência on-line”, lamentou Paul Gomes.

Já o representante da Embaixada do Reino dos Países Baixos lamentou a impunidade existente contra os que fazem mal aos jornalistas, tomando como exemplo o caso Carlos Cardoso. “É lamentável ver que os responsáveis por este crime bárbaro ainda não foram encontrados. Infelizmente, este evento marcou o início de uma era tenebrosa para a liberdade de imprensa em Moçambique. Fico triste que, décadas depois do meu regresso a este país, que a impunidade continue a impedir o trabalho desta classe”, referiu Maarten Rush.

GOVERNO DEFENDE COMBATE ÀS NOTÍCIAS FALSAS

Em representação do Primeiro-Ministro, Daniel Nivagara, disse que o Governo está interessado em garantir a liberdade do exercício da profissão e defendeu maior rigor dos seus profissionais. “Em Moçambique, a liberdade de imprensa é um direito constitucionalmente consagrado, havendo, por conseguinte, a necessidade de ser defendida, através da organização dos profissionais que operam no sector da comunicação social e empreendendo acções concretas para desmascarar e reduzir o fenómeno das designadas ‘fake news’, que descredibiliza o trabalho do jornalista e anula o esforço geral para a edificação de uma sociedade cada vez mais informada. Os homens da comunicação precisam de se distanciar das práticas nocivas de um jornalismo sensacionalista e que atenta contra os valores de patriotismo e de justiça social.”

Nivagara disse, ainda, que o Executivo defende a criação de um pacote legislativo que vá de encontro às aspirações da classe.

“São exemplos os esforços ora em curso de preparação da Proposta de Lei de Protecção de Dados, da Proposta de Lei de Crimes Cibernéticos e da Proposta de Lei de Direitos Digitais. Para além destes instrumentos legais, o Governo, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), e do Ministério de Transportes e Comunicações (MTC), está a trabalhar na preparação de instrumentos de regulamentação da Lei de Transacções Electrónicas e da Lei de Telecomunicações, viradas para a melhoria do ambiente de segurança cibernética e de protecção de dados no nosso país. Constituem exemplos a proposta do Regulamento do Conselho Nacional de Segurança Cibernética, o Regulamento de Segurança Cibernética, o Decreto de Criação do Comité de Governação da Internet, o Regulamento de Comércio Electrónico, o Regulamento de Registo e Licenciamento de Provedores de Serviços Digitais, o Regulamento de Construção e Operação de Centros de Dados em Moçambique e, o Regulamento de Desenvolvimento, Contratação e Operação de Plataformas de Computação em Nuvem em Moçambique”.

“NÃO É NOSSO DEVER GUARDAR SEGREDO DE ESTADO”, DIZEM JORNALISTAS SOBRE NOVA PROPOSTA DE LEI DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Está no Parlamento moçambicano o pacote legislativo que deverá guiar o funcionamento das empresas de comunicação social e a actividade do jornalista no país. Sucede que o proponente, neste caso o Governo, incorporou, na visão da classe, elementos que colocam em causa as liberdades do exercício da actividade no país e uma delas é que o jornalista tem como dever proteger o segredo de Estado e de Justiça.

“Não é papel do jornalista guardar o segredo de Estado, o jornalista nem sabe o que é isso. Há entidades e profissionais que têm a missão de lidar com essas matérias. A nós como jornalistas cabe receber, processar e divulgar informações de utilidade pública e não controlar o que é ou não é a liberdade de imprensa”, defendeu o jornalista e investigador Lázaro Mabunda

Outro aspecto contestado pela classe é que a proposta de lei limita em 20 por cento a participação do capital estrangeiro em empresas de media no país. Outrossim, proíbe a acreditação, no país, de mais de dois correspondentes por órgãos de informação estrangeiros.

“O proponente submeteu uma proposta lesiva à Constituição da República. A proposta em vários capítulos fere o exercício dessa profissão. Nos capítulos dois e três, por exemplo, propõe um regulador que pretende ressuscitar o Ministério da Informação, cuja característica marcante foi a censura. Que a revisão que o Parlamento está a fazer olhe para as nossas propostas, porque a nossa ideia é que a revisão da Lei de Imprensa não deve ser regressiva. O que quer dizer que o que ganhamos não pode ser cortado”, defendeu Ernesto Nhanale.

Já Isac Chande, Provedor de Justiça, entende que o jornalista tem vindo a ganhar o seu espaço, principalmente na cobertura do terrorismo em Cabo Delgado.

“Sentimos que têm havido progressos na cobertura da situação em Cabo Delgado. Tenho acompanhado que há uma maior abertura das instituições do Estado para informar os moçambicanos. Naturalmente, no início, houve mais dificuldades em ter acesso sobre o que estava a acontecer naquele ponto do país”, referiu.

Na ocasião, os jornalistas queixaram-se ainda das excessivas taxas que o Governo tem vindo a fixar para o registo e funcionamento das empresas de media, o que, no seu entender, pode contribuir para retrair o desenvolvimento do sector no país.

Lembre-se que o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi proclamado em Dezembro de 1993 pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas.

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos