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INAE apreende mais de 600 máquinas de jogos de azar e cerca de 900 mil meticais

Foto: Valor Economico

Tendem a proliferar-se nos bairros periféricos das cidades de Maputo, Beira e Quelimane máquinas de jogos de fortuna ou azar, popularmente chamadas por Xindondi. Há relatos de crianças que furtam dinheiro dos pais para fazer apostas e, por conta disso, a Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE) já apreendeu nessas urbes mais de 600 máquinas e perto de 900 mil meticais.

Trata-se de máquinas que movimentam altas somas de dinheiro, todos os dias e em poucas horas. Os jogos de azar, vulgo Xindondi, estão espalhados em todos os locais. Nas ruas da cidade de Maputo, principalmente nos bairros periféricos, nas barracas, estabelecimentos comerciais, mercados e nos quintais das residências há um mundo que ilude, vicia e destrói as pessoas. A maioria dos frequentadores são menores de 18 anos, com repercussões negativas, como atraso e falta às aulas e desvio de dinheiro nas suas respectivas famílias.

“Xindondinha não é para quem diz que sabe. Xindondinha não há quem sabe. Xindondinha é tudo sorte”, disse um adolescente que já tentou a sorte e perdeu.

No jogo de azar, têm sorte aqueles que ganham com azar dos outros jogadores. Um jogo cujas consequências as crianças ainda não despertaram para ver. Aliás, não são só as crianças que precisam de entender, os adultos também.

Nas imagens amadoras a que “O País” teve acesso, os jogadores explicam como se joga Xindondinha. “Escolhe melancia, pisa o botão start… perdeu! Parou na maça”, explicou outro adolescente enquanto o amigo jogava.

Ou seja, depois de jogar a moeda na máquina, o jogador escolhe um ícone, que pode ser uma fruta, animal, um carro, entre outros. Cada um desses ícones tem um valor. Depois de escolher, o jogador pressiona no botão start e a roleta gira. Os atletas escolheram a melancia, mas a máquina do azar apontou a maça.

Os que se acham espertos têm outra forma de jogar. Para dar sorte, ao mesmo tempo, uma jovem mãe lançou muitas moedas na máquina e escolheu diferentes ícones e, assim, ganhou muitas moedas. Mas, não parou por aí. A vontade da jogadora de ganhar mais dinheiro foi activa. Voltou a jogar e, para seu espanto, perdeu. Perdeu uma, duas, três e mais vezes… Diz o ditado “a sorte não bate duas vezes na mesma porta”… ela ganhara uma oportunidade, mas depois caiu nas mãos do azar. É aí que se justifica o nome do jogo – azar!

A colocação dessas máquinas de jogos de azar, em locais inapropriados, coloca em risco a vida social e a saúde mental das crianças e adolescentes que, sem dinheiro, se vêem obrigados a furtar e/ou a desviar moedas para alimentar o vício de jogar.

“Aquilo não tinha que ter aqui, porque é mais ou menos batota e muitas crianças estão sempre ali a jogar. Às vezes, roubam dinheiro de casa e acabam no jogo”, afirmou Moisés Bila que também já teve uma máquina de jogo no estabelecimento onde trabalhava.

Outro cidadão, Marcelino Victor, também ouvido pelo “O País”, explicou que Xindondinha é um jogo de batota e acrescentou que as crianças furtam dinheiro dos pais quando lhes são mandadas para comprar algo. “E, por tudo, perdem o dinheiro e chegam a casa sem nada”.

Félix Arten, adolescente residente num dos bairros periféricos da capital do país, afirmou que a actividade tem acontecido muito nas barracas. “Os agentes da Polícia têm intervindo nesses assuntos, algumas vezes levam os Xindondinhas, porque as pessoas estavam a jogar no oculto. Aquilo abate a mentalidade das crianças”.

Segundo os nossos entrevistados, as máquinas de jogos de fortuna ou azar são dos chineses. “Eles vêm deixar as máquinas e pedem ao responsável do estabelecimento para controlar as máquinas. Os chineses só vão recolher o dinheiro que está nas máquinas”, conta o adolescente em anonimato.

Por sua vez, Moisés Bila diz que “quando tens um estabelecimento, eles vêm e depois te dão algum subsídio. Eu já tive no meu estabelecimento, vinham crianças para jogar”.

Segundo Bila, depois de duas ou mais semanas, os chineses vão aos locais onde as máquinas estão alocadas e retiram os valores. O proprietário do local recebe uma percentagem por tomar conta da máquina.

“As entidades, que lidam com estas matérias e a sociedade precisam de despertar”, este é um alerta de quem investigou e decidiu denunciar o caso, Dias Balate, ex-director da Polícia de Investigação Criminal (PIC)

“Venho alertar para todos nós trabalharmos nisto. É uma situação muito grave. As crianças já não vão à escola, não estudam, qualquer centavo que vêem em casa levam para jogar, porque estão altamente viciadas”, alerta Dias Balate.

Se o fenómeno não for travado a tempo, pode comprometer o futuro dos menores. “É uma situação grave que deve ser parada pelas instituições de tutela, o mais rápido possível. Está a dar cabo das crianças”, acrescentou o ex-director da PIC.

Xindondinha tem chamado atenção de psicólogos e de grupos de defesa contra jogos de azar, devido ao aumento do número de crianças viciadas que desviam moedas das suas famílias ou abandonam a escola para jogar.

Mas, afinal, como compreender o vício que certas pessoas sentem por esses jogos, tornando-se incapazes de se desligar deles? “Os jogos de azar são altamente viciantes. Eles fazem com que a pessoa possa tornar-se viciada e existe nos manuais da classificação das doenças mentais o jogo patológico, que é uma patologia que caracteriza o vício em jogos, o vício em jogos de azar. Logo, ele é caracterizado pelo facto de a pessoa não conseguir controlar os seus impulsos quando se trata em jogar. A pessoa acaba por apostar no que tem e no que não tem. Pode cometer alguns delitos, roubar, fazer dívidas para satisfazer esse vício e jogar”, esclareceu a psicóloga Cândida Muvale, acrescentando que, “por as crianças não terem poder financeiro, acabam por roubar os seus pais, roubam utensílios de casa para vender e alimentar o vício de jogos ou podem meter-se em dívidas com amigos e colegas”.

A psicóloga apela para a atenção e vigilância redobradas dos pais dos menores vítimas das máquinas do azar.

“O adolescente não tem noção que está viciado no jogo e ele deve parar de jogar. Por essa razão, é importante que os pais, familiares e amigos estejam atentos a estas práticas. E, muitas vezes, a criança joga e ninguém de casa sabe que ele joga”, afirmou Cândida Muvale.

A INAE, que tem vindo a desencadear as operações de apreensão de máquinas de fortuna ou azar, junto à Inspecção-Geral de Jogos, Polícia da República de Moçambique e Polícia do Conselho Municipal, também lamenta o envolvimento de crianças nesses jogos e apela à sociedade, principalmente aos pais e encarregados, para denunciarem a existência do material em locais impróprios.

Segundo Leonor Mabutana, em representação da Inspecção Nacional das Actividades Económicas, “não há nesses lugares mecanismos de controlo de acesso de menores de 18 anos, principalmente crianças, que são os maiores jogadores”.

Mabutana lamenta ainda a falta de colaboração dos supostos atendentes das máquinas. Na hora da verdade, “eles pulam dizendo que não fazem daquela máquina, não sabem quem é exactamente o dono. Há relatos que há um cidadão de nacionalidade chinesa que distribui as máquinas pelos bairros. Das vezes que chegamos a encontrar uma e outra pessoa que se disse dono, alegou ter adquirido esta máquina neste cidadão chinês. Não obstante, ninguém aceita indicar alegando que o cidadão não deixa contacto, endereço, não sabe exactamente onde se situa. Não sei se seria uma cobertura”.

“Ao abrigo do artigo 3 e alínea o) do artigo 10, aprovada pela Lei número 1/2010, de 10 de Fevereiro, no território da República de Moçambique, as máquinas automáticas do jogo só podem ser exploradas e praticadas em casinos ou em salas de máquinas especialmente autorizadas e apetrechadas para ao feito”, lê-se no relatório da INAE sobre Recolha de Maquinetas denominadas Xindondi de 2020 a 2021.

Para o efeito, a INAE apreendeu, de 2020 a Julho do presente de 2021, 661 máquinas de jogo de azar em todo o país, e nelas foram encontrados 880.475,00 meticais, que foram revertidos a favor do Estado. As máquinas estão maioritariamente espalhadas na cidade e província de Maputo, Sofala e Zambézia.

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