O tratamento do cancro em Moçambique têm evoluído significativamente ao longo dos anos, com a introdução de novas tecnologias, assim como formas de tratamento mais eficazes e com melhor qualidade para os pacientes, asseguram as autoridades de saúde, segundo as quais os cancros da mama e do colo do útero são os mais frequentes nas mulheres.
Alberto Gudo Morais, director do Serviço de Radioterapia do HCM, disse que a instalação daquela unidade “é um passo muito gigantesco para um país como o nosso, com poucos recursos” para lidar com a enfermidade “e que vive de um serviço totalmente público, cujas receitas dependem do Governo”.
Segundo ele, o serviço permitiu que pacientes deixassem de se deslocar para fora do país à procura do tratamento. Na África do Sul, por exemplo, chegavam a gastar entre 150 e 200 mil rands.
A Radioterapia trouxe esperança para Rosalina Machava, de 50 anos, proveniente do distrito de Manjacaze, província de Gaza. Foi-lhe diagnosticado cancro do colo do útero em 2018 e receitadas 25 sessões de radioterapia, tendo já cumprido 15.
“Entro na máquina todos os dias, de segunda a sexta-feira. A hemorragia já havia parado, desde o tratamento de quimioterapia, mas agora que estou a fazer radioterapia há vezes” novamente ocorre.
Sobre os efeitos da radioterapia, Rosalina diz que “Não dói, não sinto nada, mas enfraquece os membros inferiores e superiores e causa tonturas”.
“Por dia, são tratados nestes serviços 11 pacientes e cada sessão chega a durar quinze minutos, tempo que permite tratar o doente tranquilamente. Os tratamentos são fraccionados, para evitar efeitos colaterais significativos. Geralmente, temos tratamento de uma ou duas semanas e o máximo é de seis a sete semanas”, explicou o radiologista Alberto Gudo Morais.
Desde a entrada em funcionamento, em Agosto último, o serviço de Radioterapia já tratou com sucesso quatro pessoas.
No país, estima-se que pelo menos 25 500 pessoas sofram de diferentes tipos de cancro. Destas, 5.3% têm cancro da mama e 17% padecem do cancro do colo do útero.
CANCRO DO COLO DO ÚTERO
O cancro do colo do útero é um tipo de tumor maligno que ocorre na parte inferior do útero, causado por uma infecção do Vírus Papiloma Humano (VPH), que está ligado a relações sexuais desprotegidas, sendo o que mais mata em Moçambique. No ano passado, foram diagnosticados aproximadamente 4 900 novos casos, que resultaram em 3 000 óbitos.
A vida de Esmeralda António, de 41 anos, mudou desde 2012, após notar o aparecimento de um corrimento estranho. “Estava com muito corrimento e não via período menstrual. Perguntava-me o que era aquilo. Quando ia ao posto de saúde, receitavam-me medicamentos, mas não passava”, contou Esmeralda António, que andou de hospital em hospital até descobrir que estava acometida pelo cancro do colo do útero, após ser submetida a exames no Hospital Geral José Macamo, sendo que a doença já “estava num estado avançado”.
CANCRO DA MAMA
Outro cancro que preocupa as entidades de saúde – e não só – é o da mama, o segundo mais frequente. Em média, são registados mais de mil casos por ano.
O cancro da mama é um tumor maligno que se desenvolve na mama, como consequência de alterações genéticas num conjunto de células da mama, que passam a dividir-se de forma descontrolada.
Fátima Armando, nome fictício de uma mulher de 34 anos entrevistada pelo “O País”, entrou nas estatísticas dos casos do cancro da mama ao descobrir, em 2017, um nódulo num dos seios. “Um dia, em casa, deu-me a vontade de apalpar a mama e percebi que tinha algo estranho. A partir daí, fui-me apalpando. Levei dois meses a tentar perceber do que se tratava e se evoluía ou não. Depois de três meses, decide ir ao hospital”, contou.
“Fiz duas cirurgias, uma em 2017 e outra em 2018. Na segunda, descobri que aquele nódulo que retiraram era um cancro maligno”, desabafou a mulher.
Mais do que fazer um auto-exame, é importante, para o caso do cancro da mama, um diagnóstico preciso, através do exame de mamografia. “Este é o exame de eleição para detectar lesões na primeira fase, no estágio inicial. com este aparelho, é possível ver pequenas micro-classificações, que são os primeiros sinais do cancro da mama”, explicou a médica radiologista Kátia Domingos, que recomenda às mulheres com mais de 40 anos a fazerem o exame de mamografia uma vez por ano.
A porta de entrada para os casos de cancro é o Serviço de Oncologia do HCM, onde mais de 50 pessoas são atendidas por dia. Em média, são feitos 30 internamentos, dos quais 25 são mulheres com cancro do colo do útero e da mama.
“Nós chegamos a receber, por ano, volta de 300 casos novos do cancro do colo do útero e no cancro da mama andamos à volta de 200 casos novos”, disse Kátia Domingos.
É a partir daquela enfermaria que a equipa de médicos decide, depois de avaliar todos os pormenores, que tratamento o doente com cancro da mama deve seguir.
“Os novos casos do cancro da mama são discutidos por um grupo multidisciplinar de médicos, é daí que saí a decisão do tipo de tratamento que a paciente deve seguir. Há umas que beneficiam de quimioterapia, depois têm indicação para fazer cirurgia, depois radioterapia e até às vezes necessitam de um tratamento hormonal”, explicou Satish Tulsidas, director do Serviço de Oncologia.
Na Oncologia, existem os serviços ambulatórios – o chamado hospital dia –, onde as mulheres fazem a quimioterapia. O tratamento ajuda a combater as células cancerígenas.
O medicamento usado na terapia não afecta só as células com cancro, mas também outras do “nosso organismo, por exemplo, as células do sangue”, por isso, “os efeitos colaterais” de que os pacientes se queixam, explicou o director do Serviço de Oncologia.
Ao “O País”, uma mulher disse, em anonimato: “todo o cabelo caiu, fiquei escura, sentia enjoos, tinha vómitos, falta de apetite, fraqueza e perdi peso”.
Para minimizar a desistência por parte das pacientes, estas são submetidas a um psicólogo. “Há doentes que desistem por não aguentarem com o tratamento, mas nós temos aqui uma equipa de psicólogos que tem apoiado bastante, muitos não olham bem o tratamento como a quimioterapia, mas nós temos muitos casos de sucesso com este tratamento”, concluiu o médico oncologista.
Na enfermaria de Cirurgia II do HCM, seis mulheres com cancro da mama foram submetidas, recentemente, à operação. Uma delas é Hanifa Inocência, de 40 anos de idade. “Descobri que tinha um tumor na mama direita. Fiz tratamento na Oncologia, oito sessões de quimioterapia e parecia que a doença tinha desaparecido. Mas tive que fazer cirurgia e retiraram-me o seio”, relatou, angustiada, Hanifa, mãe de três filhos.
Mensalmente, são operadas na maior unidade hospitalar do país entre oito e 10 mulheres com cancro da mama, provenientes de todo o país. A maior parte das doentes chega com o tumor num estágio avançado e lhes é retirado o seio afectado, de acordo o cirurgião geral, Jotamo Comé.
“Esta estratégia de prevenção que o Ministério da Saúde está a adoptar, de campanhas, está a ajudar muito. As mulheres percebam cedo da doença e vêm cedo ao hospital”, disse Jotamo Comé, avançando que neste momento é possível fazer cirurgias mais conservadoras, sem necessidade de remover o seio doente, “sobretudo porque já temos a radioterapia, que é quase um companheiro da cirurgia. A operação retira o caroço e a radioterapia queima”, concluiu o cirurgião.
Apesar dos progressos que o país regista no tratamento de cancro, a prevenção continua a ser o caminho mais recomendável. Por isso, mundialmente, o mês de Outubro é dedicado a um movimento de consciencialização sobre a importância do rastreio e diagnóstico precoce, designado Outubro Rosa.