O Governo poderá usar todo o dinheiro que vai ser arrecadado dos projectos de petróleo e gás, neste ano. Os dois mil milhões, que deveriam ir à poupança no Fundo Soberano, vão financiar projectos do próprio Executivo, entre os quais livros escolares, vacinação de crianças e compra de sementes.
De acordo com o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado 2025, o Governo espera arrecadar, neste ano, uma receita de cerca de cinco mil milhões de Meticais proveniente dos projectos de petróleo e gás.
Deste valor, 40 por cento deve ser canalizado ao Fundo Soberano e 60 para o Orçamento do Estado.
Os 40 por cento, o correspondente a mais de dois mil milhões de Meticais, é destinado à poupança “para as futuras gerações, através da colecta de receitas provenientes da exploração de petróleo e gás natural e as resultantes dos respectivos investimentos”, tal como estabelece a alínea B, do artigo 3, da Lei 1/2024, que cria o Fundo Soberano.
Porém, não é bem assim como as coisas estão a ser projectadas.
Além de receber os 60 por cento das receitas de petróleo e gás no Orçamento do Estado, o Governo vai, também, usar os 40 por cento para projectos sociais que devia ser ele a financiar, deixando, assim, o Fundo sem fundos.
Ao todo, são 15 projectos, que o Executivo prevê financiar com o dinheiro do Fundo que iria à poupança e estão avaliados em mais de três mil milhões de Meticais.
São parte deles: Produzir, distribuir e plantar 6 674 660 mudas de cajueiros, absorvendo o montante de 90,0 milhões de Meticais; Manter a 95% ou mais a cobertura de crianças menores de 1 ano completamente vacinadas, no montante de 416,4 milhões de MT; Adquirir e distribuir 15.080.550 livros escolares para todas as escolas primárias, no valor de 779,5 milhões de MT; Expandir e reabilitar infraestruturas de abastecimento de água, no valor de 679,0 milhões de MT;
E todos esses projectos não maximizam os retornos do Fundo, tal como prevê o artigo 4 da Lei 13/2024 do Regulamento que cria o Fundo Soberano de Moçambique.
“A gestão do FSM deve ser conduzida com prudência, assegurando que todas as decisões de investimento sejam tomadas com cuidado e diligência, para proteger o capital do fundo, maximizar os retornos e garantir a sua sustentabilidade ao longo do tempo”
Fátima Mimbire, que coordenou o movimento cívico sobre o Fundo Soberano, diz que o Governo está a ser imprudente ao gastar o que deveria ir à poupança.
“Que fique claro. Ter poupança não significa guardar dinheiro só por guardar. É dizer que está a guardar dinheiro de forma prudencial porque há de haver momentos bastante críticos como, por exemplo, momentos como a COVID, que nós vimos acontecer ou acontecer uma grande calamidade do norte a sul e nós precisarmos de dinheiro para investir e não ficar a estender a mão a pedir esmola”, chamou à atenção, Fátima Mimbire, ex coordenadora do Movimento Cívico do Fundo Soberano.
A activista social estranha, ainda, que o Executivo recorra ao Fundo Soberano para financiar projectos sociais que deveriam ser suportados pelo Orçamento do Estado.
“É interessante que aquilo que o Governo se compromete a financiar com o Fundo Soberano tenha a ver com alocação de carteiras escolares, livros, construção de algumas salas de aula e vacinação. A pergunta que nos colocamos é se dentro do sector da Educação, não há provisões, recursos disponíveis para financiar os seus projectos? Isto levanta questões sobre afinal o orçamento que vai para o sector da educação e saúde, vai para pagar o quê se o Governo não tem dinheiro dentro das rubricas específicas do sector para financiar essas despesas, que são muito concretas do sector”, questionou Fátima Mimbire.
Já o economista Egas Daniel defende que se o Fundo não for aplicado em projectos rentáveis, poderá ser difícil multiplicar o respectivo dinheiro. “Tem retorno, mas não é um retorno financeiro. É um retorno social razão pela qual ele capta e a intenção ou o espírito do Fundo é financeiro porque há uma parte que vai ao Orçamento do Estado, que vai satisfazer demandas sociais. A outra parte que vai para o Fundo, era suposto que o investimento estivesse relacionado a projectos que possam garantir que o Fundo seja rentável de per si”, explicou o economista Egas Daniel,
As actuais pressões sociais podem, no entender de Egas Daniel, justificar a aplicação de todo o dinheiro de Fundo para outros projectos.
“Se achamos que estamos num momento, onde as necessidades relevantes e o dinheiro ainda é pouco e não justifique que o guardemos, então vale a pena repensar se, de facto, começamos a operacionalizar agora o Fundo Soberano ou esperamos o tempo necessário para que a dada altura tenhamos condições para podermos aplicar o dinheiro, seguindo as regras previstas da operacionalização do próprio Fundo, investindo em projectos dentro ou fora, mas principalmente fora de baixo risco, que tragam retorno para que Fundo seja multiplicado”, observou Egas Daniel.
O economista acrescenta que a falta de uma estrutura de gestão operacional do Fundo, é que pode ditar o uso de todo o dinheiro, até que se atinja um nível de maturidade na exploração de recursos e encaixe de receitas que se justifique poupar.