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Governação descentralizada, um desafio para Moçambique

Em 2020, escrevi dois artigos de opinião, nos quais esgrimi a minha incerteza sobre a governação descentralizada. Naquele ano, percebi que a nova tendência de governação não tinha pernas para andar. Aliás, neste quesito, não fui o único cidadão desta pátria a ter tal convicção, pois a nação moçambicana caminhava para um pontapear sem precedentes do espírito real da democracia, conquistada com muito suor.

Neste aspecto, para consubstanciar a minha convicção, abraço o saber do cientista político americano Robert Dahl, que muito aprecio pela sua forma épica de estudar democracia. Nos escritos de Dahl, apreende-se que “a democracia é representativa quando o povo governa através dos seus representantes eleitos em escrutínios”. No entanto, ele diz que os regimes actuais não constituem na realidade uma poliarquia, ou melhor, governo de povo, em que as formas de governo permitem a participação activa do povo na tomada de decisões, respeitando os direitos de todos os cidadãos e garantindo a liberdade individual.

Partindo desta narrativa, a avaliar pela onda de auscultação sobre o pacote da descentralização em curso no país, onde a Comissão de Reflexão das Eleições Distritais (CREMOD), procura fundamentalmente aferir, junto dos vários actores, a viabilidade ou não deste modelo governativo, com pretensão de corrigir algumas nuances de natureza de consolidação do processo de descentralização a nível provincial, ficou claro que o modelo foi efectivamente aprovado apenas para pôr término o conflito político-militar e não uma governação para o bem do povo, tal como se caracterizava.

Dito de outra maneira, não foram envolvidos os vários actores para a viabilização do novo modelo governativo, o que ficou mal para a democracia moçambicana, pois não houve aquilo que se chamaria de aglutinação de ideias dos melhores filhos desta pátria. Aliás, Lourenço de Rosário, um renomado e famigerado académico deste país, membro da CREMOD trabalhou na Zambézia com diversas entidades e autoridades buscando aferir o nível de prossecução do modelo descentralizado. Do Rosário diz que se constatou  que vários factores administrativos e normativos demonstram que o período 2020-2024 foi manifestamente insuficiente para consolidar o processo de descentralização provincial.

Eis o ponto. Definitivamente, este modelo de governação terá mesmo de cair por terra, pois não tem pernas para andar. Foi duro e forte ouvir actores envolvidos no processo de governação provincial darem parecer negativo sobre o modelo, por não ser funcional no nosso contexto, pois há duplicação das estruturas administrativas. Mais do que isso, o modelo é oneroso e insustentável, diziam na abordagem os vários membros do conselho de representação de Estado e vários outros de nível distrital, chegando-se até a defender a ideia de se avançar para o federalismo. Este último ponto não fazia parte da agenda do debate.

Do latino gubernatore, significa governador, compreendendo-se como “cargo político geralmente eleito, que detém a autoridade máxima do poder executivo em uma província, distrito ou então Estado de uma federação”. Esta definição mostra quanto erro o país cometeu ao tornar a figura de representante de Estado ao mesmo nível de administração com a do governador eleito. Um duplo governo para uma província, tudo para acomodar o que nunca tinha sido aprimorado ou debatido por todos os interessados no modelo.

Aliás, por causa deste modelo, a balança financeira do Estado ficou tão pesada. No desenrolar do debate, ficou claro que a descentralização foi mais administrativa e não acompanhou a gestão financeira, um cenário diferente no Conselho Executivo Provincial. Lourenço do Rosário chegou até a defender, na ocasião, que há uma má metodologia de gestão financeira no país, sendo que modelos de descentralização em discussão não são apenas administrativos, mas totais.

Nestes dias de debate sobre o modelo de governação descentralizada, ficou claro que o modelo através dos resultados obtidos pela CREMOD no terreno poderá colocar o país a recuar para um modelo mais adequado, que não lacere os princípios democráticos.

Há espaço para que se transforme a figura de secretário de Estado, a funcionar com grupos de poucos assessores, em árbitro para controlar os excessos do Executivo. Uma experiência que os municípios até já têm, quando contam com a presença da tutela administrativa no processo governativo.

Estou certo de que é verdade que a figura do secretário de Estado na província deverá, sim, manter-se, pois se trata de algo irreversível, contudo, apartando-se dos actuais moldes, sendo que o país poderá caminhar para o que há muito se fazia em relação à figura do governador de província.

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