O Governo moçambicano criou recentemente o Fundo de Pensões dos Funcionários do Estado (FPFE) com o objectivo de autonomizar e melhorar os procedimentos de administração da previdência social pública. Com a sua operacionalização, as contribuições arrecadadas passarão a ser aplicadas no mercado e acumuladas sob a forma de activos, o que vai contribuir para a sustentabilidade do sistema. A taxa contributiva deverá ser igual ou superior a 14%, sendo que os funcionários continuarão a contribuir em 7% dos seus salários e o Estado, como empregador, passará a contribuir uma taxa igual ou superior a 7%.
Até ao momento, o sistema funciona com base no orçamento onde as contribuições feitas pelos funcionários entram como uma receita estatal e as pensões são pagas, igualmente, através do orçamento, como se de uma despesa se tratasse. Não havendo investimentos, os cíclicos e crescentes défices financeiros do sistema têm sido da responsabilidade do Estado o que representa um elevado fardo para o orçamento. Para se ter uma ideia, em 2012 o défice foi de mais de 650 milhões de meticais (excluindo as pensões dos militares), quase 1 bilião de meticais em 2015, enquanto em 2017 o défice já espreitava os 1.2 biliões de meticais. Perante esta tendência, é compreensível a decisão tomada pelo governo, pois dificilmente o orçamento estaria disponível para satisfazer o pagamento de pensões e manter o equilíbrio do sistema.
No entanto, a transição de um sistema de repartição para um de capitalização requer um esforço financeiro considerável. Neste caso, o governo necessitará de 300 milhões de dólares (passivo actuarial) para autonomizar o plano público de pensões. Certamente que a preocupação que se levanta é como serão mobilizados recursos desta magnitude tendo em consideração as actuais condições da economia.
Ora, dado que a materialização desta reforma é urgente, o governo poderá optar em fazer uma transição gradual onde nos primeiros anos o gestor do FPFE (Instituto Nacional de Previdência Social – INPS) continuará a depender do orçamento do Estado, enquanto cria a sua robustez e sustentabilidade.
A nova fase impõe desafios ao INPS, nomeadamente a modernização do sistema de pensões e a sua gestão de forma adequada em função dos recursos a serem disponibilizados para evitar as más experiências do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Assim, as questões centrais de gestão e modernização que carecem de atenção são:
a) Gestão da Carteira de Investimentos
A necessidade de conservar os valores acumulados para desembolsá-los no futuro, e tratando-se de montantes elevados, exige que os fundos de pensões observem uma política de investimentos que lhes garanta maior rendibilidade, sustentabilidade a longo prazo e conforto dos seus participantes. Isso requer que os gestores dos fundos tomem decisões ponderadas de capitalização.
Em Moçambique, os fundos de pensões existentes são pouco dinâmicos e tendem a investir na mesma classe de activos, nomeadamente depósitos a prazo e títulos do Estado, o que coloca em causa a diversificação do risco. Por exemplo, em 2016 os depósitos a prazo representavam pouco mais de 65% dos investimentos do INSS e Kuhanha. Este cenário contrasta com as tendências observadas internacionalmente onde os depósitos estão abaixo de 25% da carteira de activos dos fundos de pensões que têm investido mais em infra-estruturas, private equities, entre outros. Portanto, se o FPFE pretende ser no futuro uma referência à semelhança do Government Employees Pension Fund da África do Sul (USD 124 biliões em activos), Government Institutions Pension Fund da Namíbia (USD 7.66 biliões em activos) ou o Botswana Public Officers Pension Fund do Botswana (USD 4.9 biliões em activos), deverá acompanhar as tendências globais na gestão e alocação de recursos de pensões.
Diferentemente do INSS, o INPS pode confiar a gestão da carteira de activos a uma entidade autónoma, séria e competente, cujo gestor principal deve ser um indivíduo de reconhecido mérito e altamente respeitado na sociedade. Esta acção não constituiria novidade no sector de pensões e contribuiria para uma maior eficiência e transparência na capitalização de recursos e prestação de contas.
A independência do FPFE será crucial para o seu crescimento a médio e longo prazo. Se as autoridades governamentais tiverem um acesso exclusivo ao fundo e influenciarem fortemente no tipo de activos a adquirir (geralmente títulos do Estado e enfraquecidas empresas públicas) poderá limitar gravemente o seu funcionamento e colocar em causa a sua sustentabilidade. É importante lembrar que, se eventualmente, o FPFE tiver desequilíbrios financeiros, o orçamento do Estado será novamente chamado a intervir para restabelecer o equilíbrio no sistema.
b) Revisão dos benefícios de aposentadoria
Os benefícios de aposentadoria são calculados com base na fórmula . A leitura inicial que se pode fazer é que para um funcionário com um registo de 35 anos de trabalho na função pública, a sua pensão é exactamente igual ao vencimento que aufere. A questão que se coloca é qual dos vencimentos, uma vez que este é variável ao logo da sua vida activa devido às habilidades e experiência de trabalho acumuladas, nível académico, progressões, carreira, entre outros.
A lei diz que o salário médio auferido pelo funcionário nos últimos dois anos é que deve ser considerado para atribuição da pensão. O que isto significa? Por exemplo: o “Sr. João” ingressa na função pública e durante 33 anos de trabalho recebeu em média 20 mil meticais, e, portanto, contribui para o sistema com base nesse valor. Nos últimos dois anos, o “Sr. João” (já com o grau superior completo, experiência, etc) recebe uma promoção para um cargo de direcção e passa a auferir em média, por hipótese, 75 mil meticais, e lhe é taxado 7% deste valor.
Embora o “Sr. João” tenha contribuído com base no seu ordenado de 75 mil meticais apenas nos últimos dois anos da sua carreira, quando passar para a reforma terá direito a receber a pensão igual aos 75 mil meticais (mais bónus especial), não importando o facto de ao longo de 33 anos de actividade ter contribuído com salário de escalão inferior. Este sistema altamente generoso e apetecível tem contribuído para os sucessivos défices financeiros, o que sobrecarrega o orçamento do Estado. Nesta nova etapa, a fórmula de cálculo da pensão de reforma dos funcionários públicos deveria ser revista e considerar as suas contribuições durante a fase produtiva e respectiva capitalização.
c) Criação de direcções provinciais e modernização do sistema de gestão de pensões
A inexistência de direcções provinciais de previdência social e sistemas modernos de gestão e controlo de pensões têm resultado em inflexibilidade e altos custos de transacção associados. Por exemplo, a gestão de pensões fora de Maputo é feita manualmente pelo pessoal adstrito à Direcção de Economia e Finanças de cada província que, na maioria dos casos, não possui as competências suficientes para a realização deste trabalho. Sendo que a aprovação dos processos é dependente da sede em Maputo, quando a documentação enviada contém informação incorrecta, o que se tem registado com relativa frequência, e como não há articulação através de sistemas informáticos eficientes, a sede devolve-a ao departamento de origem para correcção. Quando o processo é finalmente aprovado, os benefícios são pagos retroactivamente.
A criação de direcções provinciais e investimento em sistemas modernos de gestão de informação contribuirão para maior eficiência, coesão, segurança e harmonia na gestão quotidiana dos recursos. As bases de dados devem ser capazes de criar uma articulação global no sistema de pensões, permitindo mecanismos de consulta e partilha de informação diversa entre os diferentes intervenientes e na produção atempada de informação estatística.
Certamente que o governo tem interesse que o FPFE/INPS seja viável, transparente e que garanta uma pensão tranquila aos seus funcionários aposentados. Assim, é relevante ponderar sobre o modelo e reformas a adoptar tendo em conta parte dos desafios acima mencionados.