As bancadas da oposição boicotaram, hoje, a sessão plenária da Assembleia da República. O MDM abandonou a chamada Casa do Povo e a Renamo levantou dísticos, como forma de protestar contra a discussão da proposta de revisão da Lei Eleitoral. No entanto, a Frelimo diz que a oposição não está preparada para o debate democrático, por isso aprovou os instrumentos mesmo na ausência das outras duas bancadas.
Com cânticos e dísticos, os deputados da Renamo na Assembleia da República gritavam, na manhã desta quarta-feira, na Assembleia da República, segundo disseram, pela democracia e justiça.
Um cenário atípico, no qual os deputados da Renamo transformaram o Parlamento num lugar de manifestações, gritando frases como “Abaixo à ditadura”; “Não aceitamos a violação da Constituição” e “Tiranos, fora”.
Entre outras matérias, o objectivo da sessão desta quarta-feira era discutir a revisão pontual de leis sobre a eleição do Presidente da República, dos deputados do Parlamento, dos membros das Assembleias Provinciais e dos governadores provinciais.
Mas a Renamo, que se diz excluída do processo, decidiu boicotar a sessão, uma manifestação que durou cerca de 30 minutos.
“Estamos a manifestar-nos para permitir que os direitos fundamentais, os direitos civis e políticos sejam exercidos em Moçambique sem nenhum embargo. A violação da Constituição (da República), na calada do dia e não da noite, é uma vergonha”, disse Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada da Renamo.
Sem alternativa, a presidente da Assembleia da República interrompeu, por uma hora e meia, as actividades do dia.
A bancada da Renamo acredita que a revisão da lei eleitoral é uma manobra para se chegar à revisão da Constituição da República, para acomodar os interesses da Frelimo.
“A Lei Eleitoral tem de ser aprovada por consenso, porque é um instrumento para eleger quer os deputados, quer o Presidente da República, ou seja, todos os órgãos electivos. Por isso, essa lei deve ser consensual. A Frelimo, ao livre arbítrio, não deve alterar e, por consequência, chamar a assunção de poderes extraordinários para a revisão da Constituição da República”, desabafou, num ambiente de muitos gritos.
A planária ficou irreconhecível. Os deputados da Frelimo ficaram estáticos como se questionassem “como entraram todos aqueles materiais de manifestação (dísticos, apitos, cornetas).
A bancada do MDM, que abandonou a plenária, diz que solicitou um encontro com as chefias das bancadas, por forma a discutirem os aspectos desta revisão, mas sem efeito, sendo surpreendidos pelo tema agendado para a sessão. Isso revela, para MDM, prepotência por parte da bancada maioritária.
“Este é um protesto e alerta para os perigos que a democracia corre. Esta ditadura do voto, esta arrogância da bancada parlamentar da Frelimo e nós não concordamos com isso. Esta é uma sinalização à comunidade nacional e internacional de que a nossa democracia está em perigo com esta bancada maioritária”, disse Fernando Bismarque, porta-voz da bancada do MDM.
Fernando Bismarque diz que há ditadura na chamada Casa do Povo: “A bancada da Frelimo quer dirigir o país a todo o custo; à força adiar as eleições distritais e viabilizar o terceiro mandato do Presidente da República; nós não concordamos”, referiu Bismarque.
A Frelimo diz que a Renamo e o MDM não estão preparados para o debate democrático.
“Nós, como Frelimo, temos que disponibilizar a legislação competente para que o Governo continue a funcionar democraticamente e nós vamos avançar. Estas são manobras dilatórias da Renamo. Eles pediram adiamento, nós aceitamos e hoje tínhamos mesmo que aprovar, porque nós não podemos continuar com um Estado a funcionar sem as leis devidamente aprovadas, porque uma bancada, como sempre o fez, tenta inviabilizar a governação do país”, explicou Feliz Sílvia, porta-voz da bancada da Frelimo.
Sílvia desmentiu ainda a informação de que a Frelimo faltou a um encontro marcado para discutir assuntos ligados à revisão da Lei Eleitoral.
Depois de uma interrupção de uma hora e meia, a bancada da Renamo voltou a manifestar-se, porém, desta vez, Esperança Bias deu ordem para, mesmo no meio a cânticos, avançar-se com a sessão.
Telmina Pereira, deputada da Frelimo e membro da Comissão Permanente, foi quem apresentou os fundamentos da proposta: “A experiência de realização de eleições que Moçambique vem acumulando desde 1994 mostra ser possível que todos os actos eleitorais, desde a convocação das eleições, o recenseamento eleitoral, votação, apuramento dos resultados da votação, até à sua proclamação, podem acontecer no prazo de 14 meses”.
Segundo a Frelimo, com a redução do prazo estarão criadas as condições para alargar o debate sobre a realização ou não das eleições distritais, marcadas para 2024.
Com esta aprovação, reduziu de 18 para 14 meses o prazo para o Presidente da República convocar a realização das eleições e, assim, Filipe Nyusi tem cerca de 100 dias para marcar a data das eleições, incluindo as distritais.
Os dois instrumentos foram apresentados, apreciados, debatidos e aprovados em definitivo por 164 deputados da bancada da Frelimo, depois que as bancadas da Renamo e MDM abandonaram a Assembleia da República.
Refira-se que os desentendimentos entre a Frelimo e a oposição vêm desde as sessões nas comissões de trabalho. A primeira comissão da Assembleia da República, por exemplo, analisou as propostas legais só com a presença de membros da Frelimo, tendo os da Renamo e MDM boicotado. E estes justificaram que a Frelimo também tinha faltado a um encontro marcado para o fim-de-semana passado.