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Fragilidades de fiscalização na indústria extractiva abrem caminho para corrupção

A Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (EITI, sigla inglesa) publicou, recentemente, o seu sétimo relatório de Reconciliação da Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva. O relatório faz uma análise sobre a actividade extractiva nos anos 2015 e 2016.

Por seu turno, o Centro de Integridade Pública lançou, esta semana, um artigo onde se debruça sobre este documento. Segundo o CIP, o sétimo relatório de Reconciliação da Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva aponta fragilidades, desde o licenciamento até à tributação, que facilitam a corrupção. O sector de licenciamento é indicado como o mais vulnerável a este tipo de actos, o que tem causado grandes perdas para o Estado.

De acordo com o parecer da Deloitte, empresa contratada pelo Comité de Coordenação da EITI-Moçambique para elaborar o sétimo relatório, o regime jurídico do processo de licenciamento mineiro carece de melhorias em duas componentes essenciais: licitação e fiscalização.

A Lei de Minas determina que o ministro dos Recursos Minerais e Energia detém competência para a atribuição de licenças mineiras mediante pedido ou por concurso público. “A inexistência de critérios de adjudicação legalmente plasmados na Lei de Minas não permite que haja transparência no processo de licenciamento, pois o poder discricionário atribuído ao ministro abre espaço ao favoritismo/clientelismo no processo de atribuição de licenças”, lê-se no artigo do CIP.

Já o licenciamento em forma de pedido é caracterizado no relatório como moroso. “Os processos devem passar por diferentes estágios e níveis para pareceres técnicos e aprovações. Esta demora resulta muitas vezes do facto de os funcionários do cadastro mineiro terem dificuldades na interpretação da lei, que está em constantes mudanças”, refere o artigo.

A capacidade de fiscalização das licenças não é proporcional à velocidade do crescimento da indústria extractiva. As fragilidades do sistema de fiscalização afectam a transparência na exploração de recursos minerais, pois abrem espaço para o aumento de garimpeiros ilegais, cuja exploração não contém registos nem controlo fiável do Governo e os rendimentos emergentes dessas actividades não são tributados.

Licenciamento problemático cria cadeia de problemas

De acordo com o sétimo relatório, os documentos de suporte apresentados por algumas empresas para a justificação dos pagamentos não apresentam o Número Único de Identificação Tributária (NUIT) correspondente. Os NUIT evidenciados são das instituições que colectam impostos e taxas (direcções provinciais de Recursos Minerais e Energia – DIPREME – e Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural – MITADER), ao invés de serem os NUIT dos contribuintes. Nessa perspectiva, os impostos são pagos em nome das DIPREME.

“O pagamento de impostos usando os NUIT das instituições públicas despoleta questões sobre o pagamento de impostos devidos e sobre a base para a determinação de tais impostos. Há indicações de que os impostos cobrados não são registados de acordo com o classificador apropriado, sendo um determinado imposto registado com outro nome/classificação”, lê-se no relatório. Este constrangimento poderia ser evitado, se no acto do licenciamento das empresas se tivesse cumprido todos os procedimentos.

O CIP refere, ainda, que a gestão do sector extractivo não é adequada e o Estado pode estar a perder receitas significativas. O documento revela a forma inconsistente como as mais-valias são tributadas no país, embora existam iniciativas legislativas tendentes a clarificar o processo. O relatório revela que enquanto algumas empresas vendem e pagam as correspondentes mais-valias depois da transacção realizada, outras pagam um valor muito baixo e com regras pouco claras.

O documento faz uma comparação entre os negócios efectuados pela Petronas Carigali e os efectuados pela Anadarko, Eni e Rio Tinto. “No caso da Petronas Carigali Mozambique E&P, a transacção foi efectivada em 2016, mas o imposto de mais-valias foi pago antecipadamente em 2014, quando o acordo entre as partes foi alcançado. A antecipação do pagamento é justificada pelo facto de a autorização a obter por parte do MIREME carecer de comprovação do pagamento dos respectivos impostos. Esta exigência do MIREME na verdade é estranha, visto que o Governo concedeu autorizações para a realização de transacções de venda de interesses participativos a outras empresas – Anadarko, Eni (duas transacções), Videocom Hydrocarbon Holdings Ltd e Rio Tinto – sem que tal implicasse necessariamente a apresentação do comprovativo de pagamento. Um exemplo muito recente é o da Eni East África, cuja autorização de venda de 25 por cento à Exxon Mobil foi aprovada no dia 5 de Setembro de 2017, pelo Conselho de Ministros, mas o imposto de mais-valias, no valor de 350 milhões de dólares norte-americanos, foi pago no dia 13 de Dezembro de 2017”.

O relatório abrangeu 83 empresas em 2015, das quais 60 mineiras e 23 petrolíferas, e 80 empresas em 2016, das quais 55 mineiras e 25 petrolíferas.

 

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