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Fogo-fátuo

Em Janeiro, e na ressaca das festanças não autorizadas pelas autoridades e do pandemónio na fronteira de Lebombo, arrancou o campeonato nacional de futebol, Moçambola-2021, num contexto atípico da COVID-19.

Em teoria, era tudo lógico. Na prática, havia, e à semelhança do que acontece em todo o planeta, que se criar todas as condições sanitárias para que o futebol não se transforme num campo de propagação do novo coronavírus.

Esfregou-se as mãos. Jubilou-se com o pontapé de saída da prova mor do futebol indígena. Cerrou-se o punho. Afinal, o futebol é o ópio do povo.

Foram três jornadas disputadas sem que os intervenientes do Moçambola, incluindo o autor destas linhas, fossem submetidos a testes, tal como preconiza o protocolo sanitário definido pelas autoridades de saúde. Assobiou-se para cima.

Pontapearam-se as recomendações da Organização Mundial de Saúde e da FIFA para a retoma segura do futebol.

Colocou-se em risco à saúde das pessoas, mesmo num cenário em que os casos da COVID-19 dispararam no país e há registo de vários óbitos.

Nas vésperas da 4.ª jornada, e num cenário em que já se falava, nos bastidores, da suspensão do Moçambola, devido ao não cumprimento do protocolo sanitário, a Federação Moçambicana de Futebol anunciou um valor monetário de 100 mil dólares para testagem de todos os elementos envolvidos na prova.

O plano era tão simples para os dirigentes: testar, na 4.ª e 5.ª jornadas, os jogadores, as equipas técnicas, os árbitros, os apanha-bolas, entre outros elementos ligados ao futebol, 72 a 48 horas antes da realização dos jogos.

Depois, os testes seriam feitos de forma aleatória. Tudo o que podia correr mal aos que decidiram avançar para o Moçambola sem testes correu ainda pior. Na última comunicação à Nação, o Presidente da República, Filipe Nyusi, anunciou a suspensão do campeonato nacional de futebol e dos treinos das equipas por 30 dias.

Nyusi justificou esta medida pelo facto de não se estar a testar os intervenientes do campeonato, alertando ainda que não se pode fingir que a COVID-19 não existe.

“Queremos cortar a transferência do vírus de uma província para a outra. Por outro lado, nem sequer são realizados testes no Moçambola. Vimos, depois dos testes realizados pelo Ferroviário de Lichinga, que quase metade da equipa não viajou. Isto significa que este problema existe e nós estamos a fingir que ele não existe. Vamos cortar um pouco e voltaremos a jogar. Estamos interessados que se jogue e já estava a animar o campeonato”, argumentou Filipe Nyusi.

Há, para todos os efeitos, uma percepção generalizada de falsa promessa de realização de testes às autoridades de saúde e ao Chefe de Estado.

Mais do que isso, provamos que não estamos, nem tão pouco, organizados para dar passos gigantescos para o profissionalismo.

Ora, como foi possível a Liga Moçambicana de Futebol, a Secretaria de Estado de Desporto e a Federação Moçambicana de Futebol – instituições que desde o início acompanharam todo este processo – permitirem o arranque do Moçambola sem a criação de condições básicas para o efeito?

Que responsabilidades carregam todos aqueles que deixaram de lado a componente saúde pública para se jogar à bola?

E não nos venham com a retórica de que, inicialmente, os testes de despite da COVID-19 seriam a custo zero face às dificuldades financeiras apresentadas pelos clubes.

Nem tão pouco.  Falhada, claramente, a perspectiva do Ministério da Saúde em assumir os custos dos testes, devia-se, e muito bem, encontrar soluções para viabilizar os mesmos.

E, uma das soluções passava, na minha óptica, por a Federação Moçambicana de Futebol, fazendo uso do Fundo Solidário da FIFA para mitigar os efeitos da COVID-19, canalizar a “mola” aos clubes ou até mesmo à Liga Moçambicana de Futebol para testar os jogadores, treinadores, árbitros, enfim, todos os intervenientes.

Não era, no meu entender, preciso esperar que a corda rebentasse para se fazer mais um arranjo, dos vários a que estamos habituados nesta esfera desportiva.

Por que motivo, quando se apercebeu que seria oneroso para o MISAU assumir os testes, sobretudo, com a subida de casos, a FMF não disponibilizou logo dinheiro para se evitar a exposição da desorganização que reina no futebol moçambicano?

A Federação Moçambicana de Futebol está interessada em se jogar, cremos, até para que os potenciais jogadores chamados à selecção tenham ritmo competitivo.  Temos, em Março, dois jogos importantíssimos diante do Ruanda e Cabo Verde que podem ditar a qualificação para o CAN. Precisamos, por isso, de jogadores com aceitável ritmo competitivo para alcançarmos resultados satisfatórios.

Mas voltamos ao início. Discutiu-se, antes, e com tons de irritação, o valor a ser atribuído aos clubes pela Federação Moçambicana de Futebol, no âmbito do Fundo de Apoio Solidário da FIFA alocado aos seus associados para mitigar o impacto da Covid-19, neste caso USD 1 milhão da discórdia.

A FMF disse que apenas ia dar dinheiro aos clubes que cumpriram com os requisitos de licenciamento. Com razão, quanto a nós, até porque os clubes têm que ser mais sérios, organizados e com olhos postos no profissionalismo. Depois de um processo nebuloso, com mais contras do que prós, os 14 clubes que disputam o Moçambola reclamaram ter concluído o mesmo tendo direito a 1.2 milhão de meticais cada.

Não queríamos discutir o valor, em si, alocado aos clubes. Queremos, isso sim, abordar o processo de licenciamento que foi de difícil parto e aceitação com muitos clubes a torcerem o nariz para a sua implementação.  É preciso perceber que, se quisermos sair deste mar de improvisos e estender de mãos ao Governo para viabilizar o Moçambola, tal como aconteceu há anos, precisamos ser proactivos. Pensar grande, dimensionar os clubes para uma perspectiva empresarial.

Não podemos ter casos de clubes que se dizem terem cumprido os requisitos de licenciamento, mas não conseguem pagar salários aos jogadores e muito menos descontam para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). É patético que jogadores reclamem de falta de alimentação antes de disputarem uma partida, tal como aconteceu no Textáfrica de Chimoio.

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