A justiça moçambicana caiu num descrédito total por falta de celeridade no processo que investiga das dívidas ilegais. A avaliação é do bastonário da Ordem dos Avogados, que falava hoje na abertura do ano judicial.
“40 Anos da Organização Judiciária de Moçambique: Passado, Presente e Futuro” foi o lema escolhido para o ano judicial que abriu esta sexta-feira.
Além de magistrados judiciais, do Ministério Público e advogados, a cerimónia contou a presença de titulares dos órgãos da administração da justiça e do primeiro-ministro, em representação do Chefe de Estado.
O bastonário da Ordem dos Advogados foi o primeiro a falar e o único a ser interrompido com aplausos.
Sem meias-palavras, Flávio Menete fez um discurso incisivo e disparou contra todos numa sessão solene que marcou a abertura do ano judicial.
Criticou o silêncio das autoridades em relação aos ataques em Cabo Delgado, incluindo as ilegalidades das autoridades locais.
“Não nos parece de concordar com os pronunciamentos oficiais no sentido de que a situação está controlada, quando na verdade vidas humanas continuam a ser dizimadas todos os dias.
Na sequência da instabilidade a que nos referimos, o Edil do Município de Mocímboa da Praia decretou o recolher obrigatório no território municipal. É nosso entender, com o devido respeito por opinião contrária, que estamos perante uma função de soberania e o Conselho Municipal não tem competência para tomar esta decisão.
Não pode, um Edil, restringir direitos e liberdades dos cidadãos. Estranho é que o Comandante-Geral da PRM defenda esta ilegalidade”, afirmou Menete.
Mas foi mais duro ao criticar a actuação dos órgãos da justiça no caso das dívidas ocultas. Flávio Menete diz mesmo que o tribunal de Kempton está a embaraçar a justiça moçambicana.
“O descrédito constitui hoje uma triste realidade, com sinais evidentes de que perdemos o controlo da situação e tentamos socorrer-nos de expedientes indefensáveis.
O tribunal de Kempton Park, na África do Sul, por sinal equiparado a de tribunal de distrito municipal no nosso país, tem estado a colocar na mesa cartas que embaraçam o nosso sistema de administração da justiça, cada dia que passa.
Aqui a acolá pergunta-se se estamos diante de incapacidade ou se, ao invés, foram arquivados os critérios de legalidade e isenção. A resposta parece estar no próprio questionamento”.
Para poder acompanhar de perto o caso das dívidas ilegais, a Ordem dos Advogados requereu a sua constituição em assistente do processo aberto em 2015. Mas o activismo dos advogados não pára por aqui.
“A Ordem dos Advogados de Moçambique fará tudo o que estiver ao seu alcance, para que a Assembleia da República reconsidere a sua posição com relação à legalização de inconstitucionalidades; a Ordem dos Advogados de Moçambique encetará diligências no exterior, com o objectivo de explorar a possibilidade de os moçambicanos não serem obrigados a pagar dívidas de origem criminosa, vulgarmente denominadas dívidas odiosas.”
E porque as prisões ilegais continuam, o bastonário criticou a actuação de alguns magistrados do Ministério Público que não ordenam a soltura de pessoas detidas ilegalmente.
“Mais grave ainda é o juiz, no seu despacho, reconhecer que a prisão é ilegal e, entretanto, validar e manter essa mesma prisão.
O exemplo mais recente é o do jornalista Amade Abubacar, detido a 5 de janeiro por membros das Forças Armadas de Defesa De Moçambique, mantido 13 (treze) dias em cativeiro, em instalações militares, torturado e o juiz valida e mantém a prisão. Isto é uma aberração jurídica ”
A Ordem dos Advogados considera que a justiça vai continuar cara, pois o processo de revisão das custas judiciais não visa a mudança de paradigma.
“Não defendemos a eliminação total das custas, mas é inaceitável manter um sistema que prevê o pagamento de uma percentagem aos para reforço dos salários de magistrados e funcionários judiciais.
Melhoremos os serviços e não os bolsos individuais. Tenhamos coragem de fazer uma verdadeira reforma e não ensaios com interesses individuais à mistura”, vincou.
Na sequência da redução do período das férias judiciais de dois para um mês, o presente ano judicial abriu em Fevereiro e não em Março como vinha acontecendo nos últimos tempos.