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Falta de políticas urbanas claras gera desordem na Cidade de Maputo

Os planos de urbanização da Cidade de Maputo não passam de meras intenções e raramente são implementados. Quem o diz é o Bastonário da Ordem dos Arquitectos, que falava, ontem, durante o lançamento de um livro sobre os desafios da urbe.

A mobilidade, as construções desordenadas, o transporte público e outros desafios da Cidade de Maputo estão, desde ontem, retratados em livro, intitulado “Cidade de Maputo: reflexões e possíveis soluções” (uma colectânea de publicações do Jornal da Cidade).

A obra apresenta os problemas já conhecidos, mas também possíveis saídas, numa altura em que a cidade regista um aumento de construções desordenadas.

Na sua intervenção, o docente e investigador António Prista, um dos colaboradores da obra, manifestou a sua indignação em relação às construções desordenadas a que se têm assistido na capital do país.

“É absurda a quantidade de prédios que estão a ser construídos ao longo da Julius Nyerere. Eu já não consigo viver lá. Hoje, a Julius Nyerere (avenida) só tem uma faixa de rodagem de cada lado, porque a outra é a segunda faixa para estacionamento. Se olhar para a história do Ministério da Economia e Finanças (localizado na Avenida Julius Nyerere, próximo do Palácio dos Casamentos) verão que aquilo foi feito para servir interesses de alguém e que a esta altura deve estar preso por estar metido noutras falcatruas (fraudes). Nós tínhamos que tirar, de uma vez por todas, os ministérios da cidade”, lamentou António Prista, docente e investigador.

Prista disse ainda que já sugeriu ao Ministério da Educação (que se localiza na Avenida 24 de Julho) para abandonar o edifício, que é (era) habitacional e se alocar fora do centro da cidade, tudo para que se possa descongestionar a urbe e facilitar a mobilidade.

António Prista aponta ainda falhas na fiscalização das obras e mostrou-se indignado pelo desaparecimento desenfreado dos locais de prática desportiva e conta que já denunciara ao Município de Maputo. A resposta foi que se tratava de um privado a executar a obra.

“Como é que o campo da Estrela Vermelha foi ocupado por um prédio? Não há uma política? É por ser um privado a construir? Porque é que a mim fiscalizam quando faço uma obra? Afinal, para fazer uma obra, não tenho que apresentar a documentação, um plano, ou basta ser um privado?”. Para o académico, o problema de fundo são o planeamento urbano e o cumprimento da sua execução.

Chamados a intervir, os munícipes de Maputo dizem que a falta de política clara da cidade, que coordena os critérios para a expansão da urbe, é a “mãe” de todos os males.

Marcos, como se identificou, residente no bairro Mafalala, explica que o seu, igual a outros bairros periféricos, sofre com inundações urbanas, mesmo tendo colectores de água próximos.

“A Política Nacional da Juventude preconiza que há necessidade de edificar as residências de forma vertical, na Cidade de Maputo, mas o que estamos a ver é que, nos bairros, há cada vez mais parques, escritórios e as pessoas estão a ser empurradas para os distritos.”

Um outro munícipe não identificado diz que há bairros em que as pessoas se instalam sem mínimos serviços, o que ele considera um erro. No seu entender, é preciso que se façam estudos de viabilidade de cada coisa.

“Vamos tentar corrigir nos bairros suburbanos. Eles já têm plano de requalificação, mas há falta de dinheiro. Já vimos que, com a participação dos moradores do Chamanculo C, as pessoas estão dispostas a ceder parte do seus talhões para passarem a ser estradas, centro cívico, escolas, até para tirar as casas que estão em zonas húmidas e deixar ali um jardim, um parque, porque as pessoas também sentem; ninguém gosta de viver em más condições”, disse.

O Bastonário da Ordem dos Arquitectos, Luís Lage, por seu turno, diz que as políticas urbanas raramente são implementadas: “O que acontece é que os planos não são executados. Alguns porque não há fundos para os executar ou porque as parcerias devidas para a sua execução não estão previstas”.

Como exemplo de uma má aplicação de políticas de urbanização, Lage fala do plano das construções na zona baixa da cidade, que era virado a construções atractivas aos turistas.

“O Plano da Baixa preconiza que a cota dos edifícios a serem construídos na baixa não devem ferir essa visão. Estas coisas estão previstas por lei, aliás previstas nos planos. Os planos só passam a ser lei quando passam para o Boletim da República, mas, muitas vezes, estes não vão ao BR, nem são subscritos oficialmente. Gasta-se muito dinheiro com eles, mas não passam disso, de meros planos, de boas intenções. Não há uma execução física dos planos de ordenamento”, concluiu o Bastonário.

Já Nuno Remane, arquitecto, defende o descongestionamento da cidade como um dos caminhos para a recuperação da capital.

“É preciso desobstruir a cidade. Temos o problema da mobilidade, massificação habitacional e institucional e é sempre nas mesmas áreas, por isso é preciso desobstruir a cidade. Mas isso gera um novo debate que é a criação de novas centralidades: só é possível criar, que já estão a acontecer de uma forma descontrolada – a população gera essa nova centralidade, mas que devia ser gerada pelo próprio Governo, fruto de plano estratégico e com as infra-estruturas básicas para que as pessoas possam mudar-se para esses bairros”, disse Remane.

Como solução, a obra sugere que o Município de Maputo revisite e aprove um novo plano de infra-estruturas, trave imediatamente as construções de novos prédios em zonas já pressionadas, cumpra e faça cumprir o programa de requalificação urbana e, acima de tudo, crie serviços sociais nos bairros de expansão.

 

 

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