Há uma fábrica chinesa de reciclagem de plástico, supostamente ilegal, que está a provocar poluição no bairro Infulene, cidade da Matola, Província de Maputo. Os residentes já se queixam de problemas respiratórios e dizem que a água que sai da empresa é tóxica e contamina as culturas na machamba. A reportagem é de Dário Cossa e Abdul Manhiça.
Uma chaminé que está às vistas de todos. É um canal de fumo que transporta doenças. A direcção na qual o fumo segue é em função do vento, e a intensidade com que sai e se espalha pelas casas à sua volta é a mesma com que faz vítimas.
É uma fábrica chinesa de reciclagem de plástico, no bairro de Infulene, cidade da Matola, Província de Maputo. O problema não é só da fumaça tóxica que se espalha pelas residências, mas, também, da água contaminada que sai da fábrica e segue numa vala improvisada e atinge campos agrícolas com culturas que alimentam muitas famílias. É a doença a espalhar-se pela terra e pelo ar.
A fábrica em causa chama-se Shenxian Plastic Recycling Limitada e opera no bairro de Infulene, cidade da Matola, Província de Maputo, desde 2022. De lá a esta parte, os que vivem nos arredores da empresa só se queixam de problemas respiratórios provocados pela actividade da fábrica.
“Não há nenhuma criança, por aqui, que tenha problemas. Todas as crianças do bairro de Infulene andam constipadas. Tenho muitos remédios, que fui buscar no hospital para qualquer eventualidade. Aquele fumo é muito tóxico durante a noite e nós não dormimos. Há pessoas que já usam bombas por já não estar a aguentar”, contou Pedro Zaqueu, residente no bairro de Infulene, cidade da Matola.
A situação é ainda mais grave para os doentes crónicos. “E basta começar a sair aquele fumo, não nos sentimos bem, mas o que fazer? Eles (os da fábrica) já foram recebidos. A coisa é mais grave para os doentes crónicos. Pioram. Eu próprio estou doente. Mas o que fazer?”, questionou de forma retórica Carolina Matsinhe, também residente do bairro Infulene.
E a situação só piora porque, mesmo de noite, a fábrica não pára de reciclar plástico. “Pernoitam a trabalhar. Aquelas máquinas funcionam dia e noite. No período nocturno, há coisas que eles queimam que cheiram muito mal. Tiram muita fumaça. Um fumo escuro. Qualquer dia, podemos ter problemas pulmonares”, denunciou Basílio Gomes, residente no bairro de Infulene.
E o fumo está muito perto dos que vivem à volta da empresa, porque o chaminé tem um comprimento de apenas três metros visível, chegando a ser ultrapassado pela altura de algumas árvores. “A chaminé devia estar mais em cima para que o fumo esteja mais em cima”, entende uma moradora de Infulene que falou na condição de anonimato. “Aquele fumo sai para nós todos aqui. Ficamos constipados. Semanalmente, temos de ir ao hospital. Não dá jeito. Não ajuda. Está a criar-nos problemas. Nem é possível cozinhar no quintal. Não dá”, desabafou.
ÁGUA CONTAMINADA CHEGA ÀS CULTURAS
No solo, o que se vê é plástico descartado. Há dois anos, forma uma lixeira, bem em frente da fábrica. É mesmo do lado frontal que saem as águas contaminadas que escorrem até às machambas.
O sistema de filtro concebido para não permitir que o plástico chegue às machambas já não funciona e tudo desce para as culturas que estão no Vale do Influente.
“A fábrica que foi instalada aqui, na zona, está a prejudicar-nos, porque tira água suja e que cheira mal. Esta água entra nas nossas valas, de onde tiramos a água para irrigação e as culturas não sobrevivem”, descreveu Rossina Maunze, produtora agrícola no Vale do Infulene.
E, na condição de anonimato, outra produtora acrescenta: “Essa água, de facto, não ajuda. Mata as culturas, porque está salgada e tem os químicos que são usados na fábrica.”
Nos dias de chuva, todo o plástico que é mal descartado pela fábrica de reciclagem é arrastado até às machambas e o plástico, segundo os produtores, “não apodrece com facilidade. Atrapalha muito. Não ajuda. Onde semeio alguma coisa enquanto há plástico, a cultura não se desenvolve bem”.
E, por conta disso, muitos canteiros foram abandonados, mas, por não ter escolha, Rossina insiste na produção agrícola e tem a sorte como sua aliada.
“Se viesse uma nuvem que trouxesse chuva, (as culturas) ainda podem sobreviver. Mas se isto continuar assim todo esse mês, não há hipóteses. – As culturas morrem por causa da chuva ou da água que usam? Temos a água e a chuva, mas se fosse só o calor, há anos que lutamos, até conseguir colher. Entretanto, isto se junta à água contaminada”, afirmou Rossina Maunze, com um tom carregado de esperança e, ao mesmo tempo, resignação.
O pouco que se consegue tirar da machamba, alertam os residentes do bairro de Infulene, pode estar contaminado. “Essas coisas são levadas e vendidas na cidade. A pessoa vai comer sem saber que está a consumir um produto que pode estar contaminado, mas os produtores não têm outra alternativa. Vivem disto”, rematou Pedro Zaqueu.
Além das culturas, a água contaminada que sai da fábrica está a dizimar o peixe que existe nestas valas e no rio Mulauzi, que é o seu destino final.
NÃO HOUVE CONSULTA PÚBLICA PARA INSTALAÇÃO DA FÁBRICA
A nossa equipa de reportagem sabe que, aquando da instalação da fábrica naquele bairro, não houve auscultação pública e os moradores foram simplesmente surpreendidos com a fábrica já a funcionar.
Aliás, os moradores ficaram a saber, mais tarde, de um encontro restrito e num ambiente informal para se decidir pelo funcionamento da fábrica. “Fizeram uma mini-festa a chamarem os trabalhadores e estavam com um grupo da INAE num bar do bairro. Comeram e beberam. E, depois, disseram que nos chamariam para mostrar o que está a acontecer e o que a empresa quer fazer. Até aqui, este é o terceiro que já metemos a documentação e não está a dar em nada”, queixou-se Pedro Zaqueu.
E os residentes chegaram a submeter a reclamação ao chefe de quarteirão que, simplesmente, ignorou o assunto.
“O chefe de quarteirão é o pior de todos. Ele trabalha ali mesmo. Pode mandar fechar a empresa onde está a trabalhar para não ter emprego? Não é possível”, desconfiou Basílio Gomes.
E o chefe de quarteirão trabalha como um dos guardas na fábrica que está a poluir no bairro. Segundo informações em nossa posse, terá sido ele quem ajudou a fábrica de capitais chineses a adquirir a parcela naquele quarteirão.
“SER HUMANO CONSOME PLÁSTICO TODOS OS DIAS”
De acordo com o ambientalista Rui Silva, o ser humano consome plástico porque, depois de usado e descartado, ele vai parar no oceano e, consequentemente, serve de alimento para as espécies que vivem no mar e que fazem parte da dieta alimentar do Homem.
“Nós próprios acabamos por ingerir plástico, microplástico, pelo facto de o peixe confundir o plástico com um alimento, além de outras espécies que acabam por morrer. Esse microplástico acaba no nosso organismo, porque o peixe que nós vamos comer, o sal que utilizamos, 90% tem partículas de microplástico”, contextualizou o ambientalista Rui Silva.
Esta é uma ideia geral do que o plástico faz na vida do ser humano.
Com o ambientalista, analisámos a situação da fábrica de reciclagem de plástico na Matola e falou das consequências deste tipo de empreendimento próximo das residências.
“Logo, uma das coisas que pode afectar, gravemente, as pessoas são essas águas que, infiltradas nos solos, se calhar coincidir com a passagem de uma linha de água, quer dizer que quem tiver os seus poços ali nas redondezas acaba por ter, depois, uma água contaminada. Este tipo de indústria, por norma, tem de ficar fora das zonas residenciais”, observou Rui Silva.
Para este tipo de indústrias, entende Rui Silva, a única solução é mandar fechar, pelo bem da saúde das pessoas e do meio ambiente. “Na minha opinião, não há meio-termo. Ou há zonas industriais, onde possam estar, mediante apresentação de estudos de impactos ambientais… juntar-se a residências? Não há meio-termo”, rematou Rui Silva.
À nossa equipa de reportagem, a empresa chinesa não quis prestar quaisquer declarações e recusou-se, também, a mostrar as licenças para o exercício da actividade e ambiental, bem como o estudo de impacto ambiental.
O “O País” sabe que a fábrica que antecedeu a Shenxian Plastic Recycling Limitada foi multada em cerca de cinco milhões de Meticais e encerrada por violação das normas ambientais.
Além de violar, de forma grosseira, todas as leis ambientais, informações em nossa posse dão conta de que a fábrica de reciclagem de plástico se instalou no mesmo espaço físico que, há dois anos, uma empresa do género foi encerrada por atropelar as normas do ambiente. Ademais, não existe licença ambiental e não foi feito o estudo de impacto ambiental.