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Exercício da advocacia por estrangeiros

O exercício de actividades profissionais por estrangeiros tem sido dos assuntos mais polémicos no país. Para quem acompanha estes assuntos, sabe que deste 2007 tem sido feito um enorme trabalho pelo Ministério do Trabalho, desde a introdução do regime de quotas, a flexibilização do regime de contratação de estrangeiros e um crescente abandono da discricionariedade das autoridades laborais na tramitação dos processos. Muito se fez, mas há muito ainda por fazer. Na advocacia, o regime continua o mesmo desde 1994, apesar das fratricidas discussões para mudar o sistema, sempre que a questão é colocada. Foi assim em 2007, tal como em 2015/2013. Sempre esteve muito claro que proibir o exercício da advocacia por estrangeiros não era uma boa solução, mas a abertura idêntica à da Lei do Trabalho também não me pareceu desejável. Foi por isso que defendi a solução tímida que está na Lei das Sociedades de Advogados, que admite o regime de parcerias que também é visto com alguma desconfiança. Muito por culpa da arbitragem, tenho desenvolvido uma carreira internacional, o que me tem ajudado a compreender melhor a advocacia e as suas dinâmicas ao redor do mundo. Tenho oportunidade de partilhar experiências com muitos advogados, o que me ajuda a compreender a advocacia que se faz noutras geografias e, mais do que isso, as crescentes necessidades dos clientes, estes cada vez mais globais. Ainda há dois meses, James Banda, o então Presidente da SADC Lawyers Association disse em Maputo que dos serviços jurídicos prestados em África só 30% dos honorários ficam no continente, ou seja, 70% vão para fora de África. Desde que, há dois anos, deixei a liderança da Ordem dos Advogados, tenho prestado atenção à evolução da advocacia internacional. Ela está a mudar, do mesmo modo que o mundo também muda. Hoje, com os meios de comunicação e informação disponíveis, não é necessária a presença física dos advogados para prestar serviços jurídicos em diversos países, pelo que se pode até questionar se este tipo de prestação de serviços configura ou não procuradoria ilícita. Há que ter em conta também que a abertura de muitos escritórios internacionais para receber advogados moçambicanos para formação ou mesmo em regime de destacamento, têm que ter alguma forma de reciprocidade, sem o que não terá os resultados desejados. E, tal como diz o Dr. José Manuel Caldeira, a chamada formação “on the job”, a possibilidade de trabalhar com diversas matérias, com a dimensão que no futuro serão cada vez mais frequentes no nosso País, são essenciais e para o que não bastam as acções pontuais de formação e participação em seminários. Os sinais são muitos e para um país como Moçambique que quer o investimento estrangeiro como o pão para a boca, não é difícil perceber isso. Tem sido normal os escritórios nacionais – pelo menos os médios e os maiores – serem contactados pelos grandes escritórios internacionais para apresentarem propostas de serviços jurídicos sobre o direito moçambicano, sem que se esteja na linha da frente do contacto com o cliente. A experiência em transacções internacionais só muito marginalmente passa para advogados moçambicanos. Muitas vezes, é o Governo ou entidades públicas que, em situações de legalidade duvidosa, contratam escritórios internacionais para a prestação de serviços jurídicos em Moçambique. Não pretendo defender que deveriam contratar sempre aqui, mesmo para discutir com grandes escritórios em temas de que tem pouco domínio. É necessário que as entidades nacionais promovam a participação de escritórios nacionais nessas transacções. Está em debate público uma Proposta de Revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados. Sobre esta questão, nada se propôs. Imagino que, como é um assunto polémico, ninguém queira levá-lo a discussão, até para facilitar a aprovação das questões agora em debate. Mais do que o que os outros devem fazer, os advogados, uma profissão auto-regulada, devem estar na linha da frente deste combate. Creio que temos de ser mais ousados. Dez anos depois das últimas alterações, é importante tocar nesse ponto (sensível), até porque já houve oportunidade de reflectirmos sobre o tema por altura da elaboração da Lei das Sociedades de Advogados. Durante a 2.ª Conferência Nacional dos Advogados realizada na Beira em 2017, na sequência de uma abordagem feita pelo Dr. Leopoldo Amaral sobre a advocacia nos grandes projectos, muitos advogados partilharam a sua experiência e visão sobre o que pode e deve ser a advocacia moçambicana nos dias de hoje. É um debate que não pode ser posto de lado, não podemos evitá-lo. Por isso, vou propor uma alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de definir regras para que a prestação de serviços jurídicos por estrangeiros possa ser feita de forma aberta, transparente e benéfica para a advocacia e para o país, desde que em equipas onde participem advogados inscritos em Moçambique. Haverá mais impostos pagos em Moçambique; haverá transferência de know how para advogados moçambicanos; haverá uma melhor advocacia Moçambicana. Tal como tento demonstrar num artigo com o título Advocacia de Língua Portuguesa na SADC (no prelo), a advocacia que se faz na Africa do Sul está, cada vez mais, a expandir-se para Moçambique. Importa considerar que grande parte dos escritórios “originariamente” sul-africanos, foram integrados/aderiram às grandes redes internacionais de escritórios, alterando, inclusivamente em grande parte dos casos, a sua própria denominação, passando Joanesburgo a ser um “hub” das firmas internacionais para a sua prática não só na África do Sul, mas inclusivamente nos restantes países do nosso continente. A tendência, até por força de alguma diminuição de negócio na África do Sul, é que os escritórios de Joanesburgo intervenham cada vez mais em operações nos países da região. Até agora temos estado um pouco protegidos dessa abertura de escritórios em Moçambique, por um lado pela dimensão do nosso mercado – ainda que se e Inserir/Editar Âncorasteja a tornar cada vez mais apetecível para essas firmas globais -, mas acima de tudo por causa do nosso sistema jurídico e língua, bastante diferentes do anglo-saxónico, o que os leva a sentir-se menos confortáveis em operar localmente. Como diz o Dr. Paulo Pimenta, é uma questão de tempo. Muito pouco tempo, acrescento. É, pois, necessário iniciar um debate aberto, franco e informado sobre o assunto.

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