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Estrada de betão da Av. Nações Unidas está a ser destruída três anos depois

Estão a ser destruídos os 900 metros de estrada de betão na Avenida das Nações Unidas, que dá acesso e saída da baixa da Cidade de Maputo. A infra-estrutura, que custou mais de 21 milhões de Meticais à Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento, foi inaugurada em Setembro de 2022 e deveria durar pelo menos 20 anos, mas passaram-se menos de três anos. 

 

Em Março de 2022, o município de Maputo, através da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento, reabilitou 900 metros de uma das faixas da Avenida das Nações Unidas, na Cidade de Maputo, devido ao elevado nível de degradação da via.

Trata-se da faixa de rodagem que dá acesso à baixa da cidade, cuja intervenção custou cerca de 21 milhões de Meticais e, quatro meses depois, foi entregue ao público, isto em Setembro de 2022, com promessas de vida útil de, no mínimo, 20 anos.

No dia 9 de Junho de 2022, o PCA da EMME declarou: “Tomámos a decisão de fazer um pavimento em betão armado, completamente novo, e esse pavimento, de acordo com as especificações técnicas e com as normas de construção, é um pavimento que pode durar 20 a 25 anos sem manutenção”.

No entanto, no terreno, verificava-se o oposto. O pavimento já se apresentava com fissuras, buracos e muitos pontos já intervencionados, contrariando as expectativas de João Ruas.

Sucede que, em menos de três anos, o betão da superestrada está a ser totalmente removido e, no seu lugar, será implantada uma estrada de asfalto. 

Quem está a fazer esta intervenção é o Ministério dos Transportes e Logística, através do projecto Move Maputo, que, no entanto, esclarece que esta via não era para durar sequer 10 anos, porque ela era provisória. 

É uma obra provisória que custou aos cofres da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento 21 milhões de Meticais, conforme explica o engenheiro Afonso Ronda, responsável pela obra. 

“O Governo de Moçambique iniciou, com o Banco Mundial, um processo de negociação para financiamento de um projecto de mobilidade para a área metropolitana de Maputo.  Dentro deste projecto, existem várias componentes, e temos uma componente que chamamos de componente 3, que é a intervenção em infra-estruturas municipais. Neste contexto, o município de Maputo identificou algumas artérias a intervir, e a reabilitação da Avenida da ONU foi incluída neste pacote. Entretanto, por força da necessidade de mitigação de aspectos de mobilidade e acesso à cidade, o município de Maputo implementou a solução de reparação desta via, enquanto o projecto  finalizava os procedimentos de procurement, implementou esta solução com betão, que está, agora, a ser intervencionada”, defendeu o engenheiro.

Mas porque destruir em vez de reabilitar?

Em resposta, Ronda disse: “Esta intervenção foi feita pelo município de Maputo, não tive nenhuma participação do projecto, pelo que não posso comentar”.

Não pode comentar, mas esclarece que a estrada de betão tinha muitos problemas, e o sistema de drenagem das águas da chuva é um deles.

“Nós temos intervenções profundas aqui a fazer, particularmente a nível do sistema de drenagem, que envolvem escavação em áreas para instalação de sistemas de drenagem.  Adicionalmente, verificámos, também, que a solução implantada começava já a exibir alguns defeitos, que sob o risco de colocar o que quer que fosse de camada de desgaste por cima, essa camada de desgaste iria reflectir depois algumas das patologias que a estrutura em betão já estava a exibir.  Para garantir uma solução sustentável e que minimize custos com a manutenção desta infra-estrutura, optámos por fazer o reforço da estrutura com uma solução de pavimento flexível”, ouviu-se de Afonso Ronda, até porque há evidências de que, neste caso, o asfalto é melhor que o betão.

“A nossa intervenção, que foi feita na faixa de saída, foi feita recentemente, mas, com certeza, pode-se observar que a outra faixa não apresentava os problemas que esta faixa de entrada tinha, sendo que elas estão localizadas na mesma zona, operam sob as mesmas condições e é uma estrutura flexível, porque temos confiança de que essa solução com uma estrutura flexível vai funcionar, sim, porque há demonstração da mesma numa faixa que está mesmo ao lado, está a menos de 10 metros.”

Concluída a estrada, Ronda garante vida útil da infra-estrutura de, pelo menos, 20 anos.

“A intervenção que está a ser feita, como disse, está a ser feita de forma robusta a nível do sistema de drenagem, para garantir o suprimento adequado das águas, tanto superficiais  assim como subterrâneas, para minimizar a influência da água na performance do pavimento.  Estamos a fazer reforço do pavimento, como se pode ver nos trabalhos executados na faixa de saída da cidade, com recurso a uma solução baseada em base tratada com betume. Portanto, estes agregados com algum volume de betume lá, é um produto a quente preparado em central, que também vai ser um tratamento similar para esta faixa de entrada da cidade. Com isto, nós não só vamos garantir que tenhamos uma camada de desgaste nova, mas, acima de tudo, possamos garantir que haja, pelo menos por 15 a 20 anos, durabilidade a nível estrutural desta estrutura de pavimento que vamos agora construir.”

O “O País” contactou o presidente do Conselho de Administração da EMME, dono da obra. João Ruas mostrou-se espantado com as intervenções em curso, numa infra-estrutura que, no seu entender, era de qualidade.  

“Eu fui, também, surpreendido quando vi a Avenida da ONU ser destruída. Inclusivamente, na mesma manhã, falei com o presidente do município e esclareci-lhe que isso estava a acontecer e que não estava a entender o que se passava. Eu não sei exactamente o que é que aconteceu, porque quem está a fazer o trabalho é o Ministério dos Transportes, através do projecto MOVE [Maputo]. Eles é que estão a fazer a obra, eles é que estão a fazer aqueles trabalhos, não é o município de Maputo nem é a EMME, e nós não sabemos, efectivamente, quais são as razões técnicas ou financeiras que levaram, portanto, a essa decisão. Efectivamente, o trabalho que tinha sido feito com a laje de betão armado, em cima  da base que já existia anteriormente, tinha sido uma solução que poderia levar, sim como eu tinha dito, 20 anos. Qualquer engenheiro pode provar isso”, explicou João Ruas, dizendo mais: a solução nunca deveria ter sido a destruição da estrada e explica.

“Eu sou engenheiro civil e já trabalhei em construção de estradas e construção de aeroportos. Qualquer pavimento de betão tem coeficientes de dilatação maiores que o asfalto. Aparecerem algumas fissuras, e é natural que elas aconteçam, portanto, é uma questão de manutenção. Agora, a solução para evitar as fissuras era, exactamente, meter um tapete de asfalto em cima, não demolir tudo e fazer tudo de novo. A solução, como está a ser preconizada, eu acredito que vai haver fragilidades na caixa de fundação, na sub-base e na base. Há-de haver deformações no pavimento, e eu acredito que, em pouco tempo, há-de haver fissuras e, consequentemente, buracos.  Portanto, eu penso que, tecnicamente, a solução está errada.”

Recorde-se, caro leitor, que o engenheiro Ronda teria dito que a infra-estrutura de betão era uma solução provisória. Ruas desmente.

“Isso é absolutamente falso, porque a solução, de facto, não é temporária. Quando se mete um tapete de betão armado ao longo de uma via, essa solução não é solução temporária.  Uma solução temporária seria tapar buracos e fazer trabalhos de remendos, etc, etc, o que não foi o caso. Nós fizemos um tapete com 14 centímetros de espessura, 10 metros de largura e 1200 metros de comprimento. Isso não pode ser uma obra provisória, não é verdade.  Tecnicamente, essa justificação não é correcta, porque isso não é verdade”.

Contradições à parte. O facto é que, sempre que chovia, uma parte da avenida ficava alagada, e isso pode ter sido uma das falhas, de acordo com Bento Machaila, presidente da Federação dos Empreiteiros.

“Não creio que seja na qualidade, não creio também que seja na falta de engenharia. Provavelmente, houve omissão de alguns trabalhos que poderiam ter sido feitos. Como eu disse, o sistema de drenagem mostrou-se ineficiente. Fez-se o trabalho na faixa de rodagem e esqueceu-se de colocar um sistema de drenagem que possa escoar as águas com muito mais eficiência.”

Para o Presidente da Federação dos Empreiteiros, a exiguidade de fundos pode ser a razão da falta de sistema de drenagem na infra-estrutura.

“Muitas das vezes, acontece que o Estado ou as entidades que contratam têm um determinado montante para investir numa infraestrutura e, quando se percebe que não é suficiente para fazer todo o trabalho necessário, acabam por colocar de lado alguns trabalhos, como este, a que me estava a referir. Provavelmente, não se investiu muito no sistema de drenagem porque se achou que poderia fazer  numa outra altura, mas a natureza foi mostrando que, quando chove, o sistema de drenagem não pode, de maneira nenhuma ser esquecido para uma engenharia daquelas”, explicou Machaila, deixando um recado ao Governo.

“Aí fica a mensagem de que o Estado ou as entidades que contratam, sempre que fizeram um projecto, nunca podem pôr de lado os investimentos necessários para o sistema de drenagem, porque acabam por dar cabo a toda aquela infra-estrutura que se gastou muito dinheiro para se executar.”

O prazo para a entrega das obras de reabilitação da Avenida das Nações Unidas, orçada em mais de 420 milhões de Meticais, está para o dia 3 de Abril. Enquanto isso, o trânsito continuará condicionado, pelo menos nas horas de ponta, nos dias úteis da semana.

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