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“Estamos cegos e surdos” em relação ao que está acontecer em Cabo Delgado

“Maputo é longe, é tão longe que os que de lá mandam não têm ideia do resto do país. Se não fosse longe, hoje o país teria parado para tentar perceber o que está a acontecer nos distritos de Quissanga, Ibo, sem falar de Chiúre e Macomia. Maputo é longe. Visto de Maputo, Moçambique é um país lindo, sem problemas, sem guerra e sem deslocados, sem funcionários a fugirem para salvar a sua pele. Mas Maputo é longe, não se ouvem os gritos daqueles que são mortos sem saber porquê nas aldeias de Cabo Delgado.”

O académico Severino Ngoenha recorreu a este discurso que circula, nos últimas dias, nos media sociais para dissertar sobre os recentes ataques terroristas na província nortenha de Cabo Delgado.

Para o filósofo, este é o discurso mais duro e severo que leu nos últimos dias, pois conforme disse, descreve na íntegra o que se vive no país.

“Nós estamos longe, nós estamos cegos e surdos em relação ao que acontece com milhares dos nossos concidadãos em Cabo Delgado, neste momento, mas também em muitas outros Cabos Delgados, onde as pessoas morrem de fome, as crianças se sentam no chão, em que o analfabetismo progride e a miséria não pára de aumentar”, disse, lamentando, Ngoenha.

O filósofo discursava durante a Conferência Dom Alexandre José Maria dos Santos, onde falava da vida e obra do Cardeal. Segundo disse, Dom Alexandre foi alguém que sempre defendeu a ideia de reconciliação, como quando, por exemplo, esteve envolvido no processo de paz que culminou com a assinatura dos Acordos de Roma.

Ngoenha recordou que, numa das vezes, quando Dom Alexandre chegou a Roma, onde ele e seus colegas estudavam, “fui buscá-lo no aeroporto. Ele disse que havia falado com o Presidente Samora e que mandou procurá-los. A minha questão foi procurar a quem, onde e como? Afinal, ele tinha noção de que era preciso que a guerra terminasse, era preciso que Moçambique se reconciliasse consigo próprio e se unisse”.

Severino Ngoenha referiu que, naquela época, era preciso recriar a paz num país que estava todo ele em guerra, desde Rovuma a Maputo, e este legado, esta preocupação de Dom Alexandre, deve-se manter pois, neste momento em que o país se encontra é preciso que haja reconciliação, união e colocar Moçambique num caminho de paz e desenvolvimento.

Outra ideologia de Dom Alexandre era a questão dos estudos. Conforme contou Ngoenha, o arcebispo sempre falou da necessidade de se investir nos estudos, não apenas para passar de classe ou adquirir níveis, mas para encontrar as soluções para problemas.

“Estudar, para Dom Alexandre, era encontrar pressupostos em nós, para sermos  capazes de ser actores do desenvolvimento, para ajudar os nossos irmãos mais fracos, mais frágeis, mais pobres e necessitados. Moçambique tem 95% das pessoas em condição de fraqueza, de pobreza, sem saúde, casa digna e sem alimentação. Então, esta mensagem que nos vem não tem que ser retórica, tem de ser a sério. O que é que nós somos chamados a fazer para militar pela causa de muitos moçambicanos de passam necessidade?”

O interlocutor terminou dizendo que se a preocupação, o estudo e a militância não tocarem essas pessoas que precisam, deve-se evitar mencionar Dom Alexandre, pois essas não fazem parte dos ideais do cardeal.
Se o cardeal Dom Alexandre estivesse vivo, faria, neste mês de Março, 106 anos.

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