A curta-metragem Ontogenesis, de Jared Nota, não precisa de mais do que cinco minutos para nos lançar diante do abismo. A preto e branco, com tensão crescente e estrutura quase circular, o filme constrói uma narrativa que desafia a lógica linear do tempo, da denúncia e da sobrevivência.
A protagonista, Khensa, é uma jornalista. Mas também é muito mais do que isso: é o eco de todas as vozes silenciadas, é a memória dos que tombaram por ousar dizer a verdade. Quando recebe uma chamada que lhe implora para desistir, “Khensa, não faças isso”, já sabemos que ela não vai recuar. Porque recuar seria morrer em vida. Seria curvar-se.
Vestida com o que parece ser um uniforme ético: sobretudo, bicicleta, câmara fotográfica, Khensa fotografa pessoas a despejarem petróleo na água, sob vigilância armada. É a imagem crua da destruição ambiental patrocinada, e de uma denúncia silenciosa feita pela lente.
A câmara, no universo, não é apenas um instrumento: é uma arma ética.
A narrativa brinca com o tempo. A protagonista retorna à cena inicial, fotografa outro crime, e a realidade embaralha-se. Não sabemos se são dias diferentes, repetições mentais, ou se o próprio tempo está ferido. O que permanece constante é o ciclo: a verdade é revelada, o sistema reage com violência, e a resistência renasce, ainda que à beira da morte.
O que amplifica essa sensação de urgência é a trilha sonora minimalista e incessante, um pulsar grave, seco, como um coração em estado de alerta: dum, dum, dum, dum.
Do início ao fim, o som embala a narrativa com um suspense tenso, contínuo. Não há descanso para os olhos, nem para os nervos. O espectador, tal como Khensa, sente que algo terrível está prestes a acontecer.
A viragem acontece quando a cor retorna à imagem. Após uma perseguição e uma ameaça de morte, Khensa afirma com clareza quase profética: “Sempre que atacamos o planeta, ele arranja um mecanismo para se defender de nós”. É nesse instante que o filme rasga a monocromia e pinta-se, não de esperança, mas de lucidez.
A terra sobrevive, mesmo quando os seus filhos a envenenam. Somos nós os descartáveis.
Ontogénesis dedica-se à memória de Carlos Cardoso, jornalista moçambicano assassinado em 2000, após denunciar corrupção ao mais alto nível. A escolha não é gratuita. A personagem Khensa carrega em si o arquétipo dos jornalistas mártires, das vozes que não cabem no silêncio. É uma homenagem, mas também um alerta: a verdade custa caro em países onde a justiça é selectiva e o poder é armado.
Jared Nota constrói um filme de poucos minutos, mas de longa permanência na consciência de quem o vê. A escolha estética do preto e branco, a trilha sonora opressiva e constante, a ausência de explicações fáceis, tudo converge para uma atmosfera de brutalidade realista.
No fim, Khensa ri. Um riso sarcástico, ferido, talvez já entregue à morte. Mas também é um riso que afirma: mesmo que me calem, o planeta há-de responder. Mesmo que me matem, a imagem foi registada. E, como bem sabemos, uma imagem nunca morre sozinha.