Há abate indiscriminado de árvores para a produção de carvão, no distrito da Moamba, Província de Maputo. Algumas espécies estão em risco de extinção e, ainda que, replantadas, levarão entre 50 e 100 anos para atingirem a fase de exploração.
Esta prática tem réplica um pouco por todo o país, facto que deixa Moçambique vulnerável a várias tempestades. Nesta reportagem, trazemos a reflexão sobre o abate de árvores, aquecimento global e mudanças climáticas.
A cada dia que passa, as acções dos seres humanos estão a agredir o meio ambiente. Esta agressão está a atingir níveis assustadores e a ficar fora do controlo. Consequentemente, o país fica vulnerável aos eventos extremos da natureza, como ciclones, ventos fortes e cheias. Os rostos destes fenómenos estão cada vez mais visíveis. Pessoas deslocadas, mortes, infra-estruturas destruídas, culturas perdidas – tudo isso é consequência do que se chama aquecimento global.
O aquecimento global, antes de se manifestar de forma violenta através das mudanças climáticas, parecia algo que estava bem distante de nós e sem nenhum efeito. Mas as coisas estão a tomar outro rumo.
Moçambique pode não ser um dos maiores poluidores do meio ambiente a nível mundial, mas está a destruir a sua barreira de protecção contra os eventos extremos da natureza: as florestas.
Atrás das respostas de como é que tal acontece, a nossa equipa de reportagem deslocou-se até ao distrito da Manhiça, mais para o interior, onde há abate indiscriminado de árvores para a produção de carvão.
Ao longo da viagem, era possível ver, ao longo da via, uma vegetação que esconde uma prática insustentável e prejudicial para o meio ambiente: o abate descontrolado das árvores.
“Ninguém me autoriza a abater árvores porque sou nativo destas terras. Eu é que escolho. Não há autoridades que indiquem onde devemos explorar. Corto onde quiser”, revelou Mário Simango, produtor de carvão, no interior de Moamba, Província de Maputo.
Para os produtores de carvão, não há nenhuma lei que vigora e que possa impor limites na sua actividade. E mais: ninguém fiscaliza a actividade. “É preciso, também, concentrar esforços nas áreas onde são produzidos o combustível lenhoso, a lenha e o carvão, por exemplo, ao redor das províncias de Maputo, Gaza e Inhambane que são as que alimentam a grande cidade capital. Há esforços que precisamos de desenvolver nestes locais”, referiu Cláudio Afonso, director nacional de Florestas.
E enquanto tais esforços não chegam, algumas espécies de árvores estão ameaçadas.
“As árvores estão a ficar escassas. Os locais que estavam cobertos por vegetação estão agora a céu aberto por árvores, mas já estão em extinção. Nalguns sítios, estamos a lutar para podermos trabalhar (cortar árvores para produzir carvão)”, admitiu Francisco Fernando, também produtor de carvão, no distrito de Moamba.
Nem a ameaça de extinção das árvores que produzem carvão trava os produtores e muito menos desperta neles a necessidade de plantar mais.
“Enquanto não acabam, vamos explorando. Veremos o que Deus vai dar-nos, quando acabarem. Depois de cortar, não planto outras e essas são as que cresci enquanto existiam. Eu não sei o que poderão achar (as próximas gerações) quando acabarem essas árvores”, disse Mário Simango, num total desconhecimento da importância das árvores para o meio ambiente.
Nem são poucas as árvores abatidas por dia. “Cortei nove árvores para produzir carvão para que os outros possam usar”, afirmou Francisco Fernando.
Simulando contas rápidas com 15 produtores, sendo que cada um deles abate nove por dia, conclui-se que 135 árvores são deitadas abaixo, diariamente, pelo menos em Moamba.
Entretanto, o corte indiscriminado das árvores acontece um pouco por todo o país. “Anualmente, Moçambique perde cerca de 267 mil hectares de florestas por desmatamento. As principais causas do desmatamento são a agricultura itinerante, a expansão urbana, a mineração e a produção do combustível lenhoso”, enumerou o director nacional de Florestas.
E a consequência imediata do desmatamento é o aquecimento global. “A vegetação tem um grande papel porque interfere no albedo. Isto quer dizer que uma parte da energia é devolvida para a atmosfera e ela não participa no processo do aquecimento da terra”, contextualizou Gustavo Dgedge, director da Faculdade da Ciência da Terra e Ambiente da Universidade Pedagógica de Maputo.
E o especialista explica mais: “Quando temos a vegetação, a copa das árvores projecta uma sombra para o solo e este processo faz com que uma parte do solo não tenha temperaturas muito elevadas, porque a atmosfera é aquecida de baixo para cima, ou seja, é a irradiação terrestre, o calor que a terra liberta, que vai participar no aquecimento do ar”.
Gustavo Dgedge acrescenta que a vegetação tem um papel crucial porque ela captura o vapor de água através do processo da formação do orvalho. “Quando se forma o orvalho nas manhãs ou no final do dia, nós temos uma parte para o solo, contribuindo para o seu arrefecimento” afirmou o director da Faculdade da Ciência da Terra e Ambiente da UP-Maputo.
Entretanto, com a devastação das florestas, os termómetros do Instituto Nacional de Meteorologia mostram que os dias actuais são de muito calor e o inverno é menos rigoroso.
“Detectamos que a temperatura máxima diária está a aumentar. Então, temos temperaturas acima de 35 graus num número de dias superior ao que nós tínhamos há 20 ou 30 anos. O mesmo acontece com as noites. Na climatologia, chamamos de noites de Verão as com temperaturas acima de 20 graus”, apontou Bernardino Nhantumbo, meteorologista e pesquisador do Instituto Nacional de Meteorologia.
E o responsável por esta tendência crescente da temperatura é o ser humano, através da emissão de gases do efeito estufa.
“A emissão de carbono, não só acontece pelo corte das árvores, acontece também como resultado das queimadas. Queimando uma floresta, na realidade, estamos a promover a emissão do carbono que estava armazenado naquela floresta ou naquela árvore porque ela (a floresta) deixa de exercer a função ecológica que é a de sequestrar o carbono”, esclareceu Victorino Buramuge, engenheiro florestal da Universidade Eduardo Mondlane.
Emitindo muitos gases de dióxido de carbono, o efeito estufa fica com as suas propriedades desequilibradas.
“Aumentando a quantidade dos gases do efeito estufa, é como se estivéssemos a aumentar as mantas. Imagine, aumenta a quantidade de mantas, vais começar a transpirar. É quando falamos do aquecimento global”, explicou o meteorologista e pesquisador no INAM.
Nhantumbo coloca o dedo na ferida: “Este é o resultado da actividade do Homem que aumenta a quantidade de gases do efeito estufa e com isso resulta no aquecimento global. Quando há um aquecimento global, depois se vai dar a mudança climática”, concluiu.
Ventos fortes, tempestades, ciclones, cheias e inundações são as ditas mudanças climáticas.
Uma das respostas para os eventos extremos está nas florestas. É que as árvores absorvem uma parte da chuva e ela não cai directamente para o solo, criando, por exemplo, cheias e inundações. São, também, as árvores que servem de barreira para o caso de ocorrência de ventos fortes e ciclones. Sem esta protecção, a costa moçambicana fica vulnerável a várias tempestades.
Os produtores de carvão em Moamba são de comunidades nativas. Antes do início desta actividade, nesta zona chovia e a terra era produtiva.
“Cultivávamos [milho]. Podia não ter uma colheita muito boa, mas conseguíamos comer, ainda que não conseguíssemos vender. Mas nos dias actuais, nem para outra coisa conseguimos”, contou Mário Simango, produtor de carvão.
É por isso que esta comunidade se aventurou no negócio de produção do carvão, abatendo as árvores, ainda que de forma insustentável.
“A chuva está escassa e já parei para pensar que o problema pode ser porque abatemos as árvores, mas ainda que o faça, assim que a própria alimentação provém das árvores, como é que vou deixar? Não há nada alternativo que possa fazer”, disse, resignado, o produtor de carvão.
Os produtores não têm licença para abater as árvores, mas os operadores que compram, transportam e revendem na Cidade e Província de Maputo possuem o documento.
É a estes (os operadores) que o Governo exige que reponham as árvores cortadas para a produção do carvão.
“Nós estamos cientes de que, nos anos passados, não havia esta atenção de fazer o reflorestamento, mas agora temos essa missão de querer pôr o ambiente vivo e explorar as árvores de forma sustentável”, reconheceu Agostinho Nhantumbo, operador florestal.
Sucede, porém, que o corte de árvores para produção de carvão é tudo, menos sustentável.
“Podemos dizer que queremos carvão, mas nós sempre dizemos a eles (aos carvoeiros) que não podem abater árvores ainda pequenas. Temos que cortar a que já se está a estragar”, defendeu Agostinho Nhantumbo.
Só que, no terreno, a realidade é outra – espécies ainda pequenas são também abatidas.
Ainda que se faça o reflorestamento, as árvores abatidas levam, em média, entre 50 e 100 anos para atingirem a fase adulta. E os operadores não ficam à espera que tais anos passem.
“Nestes 20 anos, trabalhei quase sete anos em Goba e as árvores acabaram. Vim para cá e comecei a trabalhar”, declarou Amélia Dava, operadora florestal.
Ainda assim, já há mudança de consciência. “A nossa obrigação é a de plantar a mesma espécie como que produzimos o carvão”, fez saber Alfredo Chichongue, operador florestal.
Anualmente, cada operador florestal tem direito a mil sacos de carvão entre Abril e Dezembro e isso corresponde a igual número de árvores plantadas.
Contudo, isso tarda a acontecer, não só em zonas de exploração do carvão como também de madeira e lenha.
Consequentemente, a terra recebe mais chuva do que devia. “Numa região sem árvores, a chuva terá um impacto directo sobre o solo e isso acontece com um desprendimento de partículas por causa do impacto das águas”, explicou Victorino Buramuge.
Até final do próximo ano, Moçambique espera evitar a emissão de 10 milhões de toneladas de carbono.
Para que isso seja possível, o país precisa, também, de reduzir a pressão sobre as florestas.