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Eleições distritais só foram “acordadas” para resolver diferendos entre Governo e Renamo

O Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional, e uma das figuras envolvidas no nas discussões do processo de descentralização, Albano Macie, diz que a questão de eleições distritais é um assunto “polémico” e “complicado” e que “só está na Constituição da República porque se queria alcançar um objectivo fundamental que era “estancar as hostilidades” geradas pela Renamo.

Segundo Macie, a ideia inicial, nas discussões do processo de descentralização, era apenas a realização de eleição dos governadores, entretanto, porque já se previa uma futura reclamação dos partidos da oposição, pedindo eleições distritais, acrescentou-se este último aspecto.

Mas, diz que é necessária uma reflexão sobre este assunto, pois, em termos de competências, “é preciso ver o modelo, na Constituição, como programado”. A reflexão deve-se ainda ao facto de este ser um assunto complicado, uma vez que, se for implementado, o administrador fica sem papel, principalmente nos distritos que são também autarquias.

“Imaginemos uma ideia de eleições no distrito de Boane. A vila de Boane só já tem uma autarquia, se elegermos o administrador, onde este vai ficar? Porque ele também passa a ser uma entidade descentralizada, tal como o Presidente do Conselho Municipal, então ele ficará na vila de Boane a fazer o quê?”, questionou Macie, convidado a uma reflexão.

A fonte acrescentou que o administrador não teria utilidade alguma, mas, se fosse um representante do Estado, poderia actuar nas áreas em que o Conselho Municipal não tem actividade.

“Assim, ele pode ficar responsável, por exemplo, pelas áreas da defesa ou soberania, mas não teríamos que colocar o administrador eleito num posto administrativo”, explicou, acrescentando que esta “é uma questão em aberto quer científica quer politicamente”.

Albano Macie falava durante o lançamento das suas quatro obras, uma das quais com o título “Descentralização em Moçambique”. Coube a Ericino de Salema fazer a apresentação do livro e defendeu que o pronunciamento de Filipe Nyusi, de sugerir reflexão sobre as eleições, pode ser um pressuposto para alteração da Constituição da República.

“Os dois partidos da oposição com assento na Assembleia da República vieram recentemente a público, e quanto a nós com razão, desconfiar das boas intenções do Presidente da República, sobretudo, achamos nós, pressupor necessariamente uma revisão constitucional ao que se liga, como ouvimos dos porta-vozes destes dois partidos, o receio de se introduzir numa operação do género, um terceiro mandato”, disse De Salema.

No seu entender, o facto de Nyusi ter abordado o assunto das eleições distritais durante uma reunião do partido Frelimo, enquanto Presidente da República e não de outra forma, como, por exemplo, numa Comunicação à Nação, faz sentido o debate que surgiu em torno do assunto.

“Há riscos de uma revisão constitucional para uma suposta viabilização do terceiro mandato, o que julgamos não proceder sem o apoio da Renamo e MDM na Assembleia da República. Pode ser que estes dois partidos estejam pressionados por eleições distritais, por serem uma espécie de oportunidade rara para garantirem emprego, mesmo onde não ganharem as eleições”, vincou o jurista.

Por seu turno, a presidente do Conselho Constitucional, Lúcia Ribeiro, que também fez parte do lançamento das obras, afirmou que os livros são uma mais-valia para o organismo que dirige, uma vez que também abrange o pacote de descentralização.

“Como todos sabem, em 2018, a partir deste processo de descentralização, foram atribuídas novas competências, relativas à paz, ao Conselho Constitucional. Esta é uma matéria que preocupa, no sentido de dever de estudá-la e aprofundá-la”, explicou Ribeiro, acrescentando que se trata de um processo novo, por isso “todo o cidadão e, principalmente, as faculdades deveriam tomar dianteira na discussão desta matéria, não do ponto de vista político, mas científico para entender o significado deste modelo”.

Os livros são, para a presidente do Conselho Constitucional, um ganho para os estudantes e docentes que já podem beneficiar-se do material bibliográfico nacional com exemplos práticos.

“As matérias poderão, através destes livros, ser leccionadas por meio de exemplos moçambicanos. Isto é de um valor imensurável. Há anos dificilmente encontrávamos manuais que se debruçassem sobre o Direito moçambicano nas suas diversas áreas, agora os estudantes já podem encontrar nas diversas livrarias”, enalteceu Lúcia Ribeiro, presidente do Conselho Constitucional. 

JUIZ MONDLANE DIZ QUE VICISSITUDES DO DIA-A-DIA NÃO DEVEM DETERMINAR MUDANÇAS DA LEI

O presidente da Associação Moçambicana dos Juízes também reagiu ao debate sobre as eleições distritais previstas para 2024. Carlos Mondlane diz que, já que a Constituição da República prevê eleições distritais para aquele ano, o escrutínio deve realizar-se, até porque “não podemos, por vicissitudes do dia-a-dia, pensar que a resposta passa por alteração das leis. As leis têm de ter estabilidade”.

Defende que “temos que obedecer à Constituição. Esse é o paradigma”. Para o responsável da Associação dos Juízes, existindo uma Constituição que estabelece um regime jurídico a ser aplicado, no caso preciso, em matérias ligadas à descentralização, “vamos olhar para a lei, o que a lei diz e, em função disso, vamos aplicar essa mesma lei”.

Sobre a matéria, o antigo deputado da Assembleia da República, Lucas Chomera, entende que, havendo necessidade, a “Lei Mãe” pode ser revista.

“A Constituição vem para resolver os problemas. Se os actores políticos chegarem à conclusão de que podemos mexê-la, que o façamos. Já se fez isso por causa das assembleias provinciais, houve uma mexida, os actores políticos chegaram a um consenso de que se pode fazer uma mexida.”

Para a alteração da Constituição da República, devem ter transcorrido cinco anos em relação à última revisão. Chomera explica que, até 2023, terão passado os cinco anos determinados por lei. “O que nós queremos é harmonia e o consenso entre os partidos políticos”, diz.

O antigo deputado realçou que não há condições para a realização do escrutínio. “É preciso reflectir sobre vários aspectos técnicos e administrativos. Imaginemos, neste momento, ao nível da província, por exemplo, já há um debate de como o Governo se representa e não há consenso. Ima

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