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EDM e HCB podem assegurar 1,5 mil milhões de dólares caso comprem acções do Mphanda Nkuwa

O Governo decidiu vender 30% das acções do projecto Mphanda Nkuwa como parte das estratégias para garantir activos que permitam a concretização da central hidroeléctrica no rio Zambeze, cuja entrada em funcionamento está prevista para 2030, seguindo-se a sua operacionalização comercial, dois anos depois.

A decisão foi tornada pública pelo executivo à margem da décima sessão ordinária do Conselho de Ministros, que “aprovou a resolução que autoriza as empresas Electricidade de Moçambique, Empresa Pública, e a Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Sociedade Anónima, a subscreverem, cada uma delas, até 15% das participações sociais da Central Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa”. Contudo, não foram avançados os detalhes que fundamentam esta decisão.

Avaliado em cerca de 4,5 mil milhões de dólares norte-americanos, o projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa inclui uma barragem a fio de água, localizada a 61 quilómetros a jusante da barragem de Cahora Bassa, também no rio Zambeze, em Tete, bem como uma linha de transporte de energia de cerca de 1300 quilómetros, em alta tensão, que ligará Tete a Maputo, no Sul do país.

Ao recomendar à EDM e à HCB a aquisição de 30% das acções do projecto, o Governo pretende garantir perto de 1,5 mil milhões de dólares para o seu financiamento, esperando-se que até 2027 esteja assegurado o montante necessário.

Em Julho passado, durante uma sessão de alto nível realizada em parceria com o Tony Blair Institute for Global Change, o ministro dos Recursos Minerais e Energia afirmou que “Moçambique está firmemente empenhado em tornar-se um centro energético regional de referência, contribuindo para um crescimento inclusivo, resiliência climática e industrialização em toda a região”, sublinhando a urgência no fechamento do financiamento.

A IDEIA É BOA, MAS PECA PELA FALTA DE DETALHES, DIZEM ECONOMISTAS

A medida do Governo é vista com bons olhos pelos economistas Dereck Mulatinho e Edgar Chuze, que lamentam, no entanto, a ausência de detalhes ou de informação suficiente que permita perceber claramente as motivações que levaram o Executivo a avançar com tal decisão.

Dereck Mulatinho considera que a decisão do Governo visa reforçar o posicionamento do Estado nos megaprojectos, assegurando uma presença mais sólida na estrutura accionista e mitigando críticas anteriores sobre a fraca participação estatal no projecto.


“A entrada destas empresas pode trazer maior credibilidade e atractividade ao projecto, dado o histórico da HCB, que possui finanças mais robustas e uma reputação consolidada. Por outro lado, a EDM poderá enfrentar dificuldades, pois recentemente precisou de injeções de capital, o que pode criar riscos fiscais se vier a depender de garantias soberanas ou da emissão de dívida para financiar a sua participação”, defendeu o economista.

Mulatinho destacou ainda que esta estratégia poderá facilitar o financiamento global do projeto, ao atrair outros investidores institucionais e fundos climáticos. “Na sua visão, esta venda de acções, por si só, não altera substancialmente o desenho técnico do projecto, mas ajuda a diluir os riscos financeiros, diversificando-os entre mais accionistas e reduzindo o peso individual do investimento.”

Como pontos fundamentais para o sucesso do projecto, o economista sugere a negociação antecipada de contratos de compra de energia com países vizinhos, como a África do Sul, Zâmbia, Zimbabwe e Namíbia, o que poderia trazer maior segurança comercial e reduzir riscos de incumprimento no futuro.

Por outro lado, Mulatinho, que falava durante o programa O País Económico desta quinta-feira, alertou para a necessidade de se abordarem cuidadosamente os impactos ambientais e sociais, em especial no que toca ao reassentamento de comunidades, e de se garantir a transferência de conhecimento e criação de emprego local durante a execução do projecto.

Já o economista e gestor Edgar Chuze considera igualmente positiva a entrada da EDM e da HCB como accionistas no projecto Mphanda Nkuwa. Sublinhou que, sendo empresas do mesmo sector energético, possuem o perfil natural de accionistas, capazes de aportar recursos e conhecimentos relevantes para o desenvolvimento do empreendimento.

Chuze criticou, porém, o facto de o Governo não ter esclarecido os critérios que levaram à escolha destas duas empresas, sugerindo que “poderia ter-se aberto a oportunidade a outras empresas, inclusive privadas, ou até recorrido ao mercado de capitais para democratizar a participação e redistribuir a riqueza”, à semelhança do que aconteceu com a HCB.

Observou ainda que a HCB tem maior robustez financeira do que a EDM, o que poderá influenciar a distribuição da participação de 30% adquirida. Ainda assim, considera que a entrada de ambas fortalece a capacidade do projecto para avançar e captar recursos. Contudo, alertou para o risco fiscal, pois, sendo empresas públicas, caso venham a recorrer a garantias do Estado ou à emissão de dívida pública, o Estado poderá ter de intervir em caso de incumprimento.

Chuze acrescentou que a entrada destas empresas poderá alterar a conceção inicial do projecto, uma vez que os novos acionistas trazem as suas próprias estratégias, podendo impactar decisões como o destino da energia ou o aproveitamento de infraestruturas já existentes, evitando novos gastos.

Concluiu defendendo que “o projecto deve ter um cronograma sério e gestores competentes, para que não se transforme em mais um empreendimento falhado, mas sim num projecto estruturante que projecte Moçambique como um grande player regional no sector da energia, trazendo benefícios diretos para o PIB, para a balança de pagamentos e para o fornecimento interno e externo de electricidade”.

 

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