Os economistas Júlio Saramala e Teresa Boene defendem a urgência na remoção de barreiras no acesso ao crédito bancário por parte dos empresários moçambicanos, salientando, porém, que os mecanismos existentes não devem ser descartados, mas fortalecidos e geridos de forma transparente e eficaz. Segundo ambos, a morosidade na análise e no desembolso do crédito, as garantias insuficientes e as elevadas taxas de juro comprometem o desenvolvimento do sector privado e podem afetar a economia nacional como um todo.
O economista Júlio Saramala considerou que o acesso ao crédito em Moçambique enfrenta desafios estruturais que vão além da burocracia bancária. Em entrevista recente, destacou que o elevado nível de créditos mal parados e a falta de histórico financeiro dos empresários condicionam a concessão de empréstimos. “O nível de imparidades dos créditos mal parados está alto e, por essa falta de histórico, os bancos comerciais limitam-se ao que conseguem ver nos balancetes ou nos tratos bancários”, afirmou Saramala.
Segundo o economista, as garantias exigidas pelas instituições financeiras são desproporcionais face à realidade das pequenas e médias empresas (PMEs), que representam cerca de 70% do tecido empresarial nacional. “Mesmo quando existem garantias, a execução jurídica pode levar anos, tornando o processo de financiamento ainda mais complexo”, explicou, sublinhando a importância de uma gestão financeira organizada e da formalização das empresas para aumentar a confiança dos bancos.
Júlio Saramala frisou ainda que a política monetária vigente no país ainda não se traduz em benefícios efetivos para os pequenos empresários. “A taxa MIMO está abaixo de 10%, mas os bancos comerciais mantêm taxas acima de 20%, o que evidencia uma desproporcionalidade que penaliza as PME”, disse e acrescentou que os bancos privilegiam o financiamento do Estado em detrimento do sector privado, agravando a dificuldade de acesso ao crédito.
O economista destacou ainda a necessidade de transparência nos critérios de acesso aos fundos públicos de apoio, como o Fundo de Garantia Mutuária e o Fundo de Desenvolvimento Económico Local. “É fundamental que o governo divulgue de forma clara os requisitos e critérios para que os empresários possam planear os seus projectos com segurança, sem depender de processos obscuros”, recomendou.
Por sua vez, a economista Teresa Boene critica o facto de muitas linhas de crédito apresentarem exigências que acabam por sufocar as PME. No seu entender, “a maior parte do nosso tecido empresarial é composto por pequenas, micro-pequenas e médias empresas, que muitas vezes não têm garantias suficientes para obter o financiamento de que desejam”.
Na visão de Boene, Moçambique apresenta actualmente uma das taxas de juro reais mais altas da África Subsaariana, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), dificultando ainda mais o acesso ao crédito e limitando o crescimento económico do país. “O custo do dinheiro e as barreiras burocráticas tornam o financiamento pouco acessível para quem precisa impulsionar o seu negócio”, afirmou.
Para superar estas dificuldades, a economista defende que instrumentos como o Fundo de Garantia Mutuária, o Fundo de Recuperação Económica, o Fundo de Desenvolvimento Económico Local e o Banco de Desenvolvimento de Moçambique sejam aprimorados e utilizados de forma eficaz. “Não podemos descartar estes mecanismos; pelo contrário, devemos torná-los mais eficazes, garantindo critérios claros de acesso e fiscalização rigorosa, para que sirvam ao crescimento económico e não apenas a projectos politicamente orientados”, sublinhou Teresa Boene.
Durante o programa O País Económico, exibido na noite desta quinta-feira na STV, a especialista reforçou a necessidade de reformas nas políticas públicas, fiscais e monetárias, com o objectivo de facilitar o acesso ao crédito às PME. “Se as empresas aumentarem a sua capacidade de produção, elas vão gerar mais empregos, aumentar a renda e permitir que o Estado arrecade mais receitas. Fortalecer as PME é fortalecer a economia como um todo”, afirmou.
Teresa Boene acrescentou que reduzir essas barreiras permite às PME participar nos projectos através do conteúdo local. “Outra opção é criar coligações entre empresas para fornecer bens e serviços às multinacionais. Ao investir na transformação local de matérias-primas, reduzimos a dependência de importações e fortalecemos o tecido empresarial nacional, promovendo crescimento económico sustentável”, concluiu.


