Horas depois de a multinacional Mozal tornar pública a pretensão de abandonar o mercado nacional caso não consiga renovar o contrato de fornecimento de energia elétrica, O País Económico entrevistou, em exclusivo, o presidente do Conselho de Administração da Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB), Tomas Matola, que explicou os detalhes que norteiam o negócio entre a Mozal e o Estado moçambicano há cerca de 25 anos.
Quanto é que, atualmente, está a ser fornecida de energia à Mozal e quanto é que a contraparte está disposta a pagar?
TM: Bom, primeiro devo esclarecer que a HCB não tem nenhum contrato de fornecimento de energia com a Mozal. A HCB tem um contrato de fornecimento de energia com a Eskom, da África do Sul — portanto, um PPA que perdura desde os primórdios. Como sabem, foi a Eskom, ou a África do Sul, que viabilizou a construção da barragem de Cahora Bassa. Desde então, fixou-se uma tarifa que, obviamente, era muito baixa, até porque, nessa altura, a África do Sul não estava muito interessada na energia da HCB, pois tinha excedentes e não precisava dela.
No entanto, nos entendimentos que houve na altura com o Estado português, aceitou-se comprar a energia, mas a um preço muito baixo. Com o tempo e, depois da reversão, após várias negociações, chegou-se a um contrato que permite a evolução do preço ao longo dos anos. Anualmente, o preço está indexado ao índice de preços no produtor da África do Sul e, de cinco em cinco anos, as partes reúnem-se para negociar um aumento mais significativo.
Por causa disso, o preço foi evoluindo ao longo do tempo e agora já está a um nível que se aproxima da tarifa de mercado.
De quanto estamos a falar?
TM: Estamos a falar de cerca de 6,4 cêntimos de dólar por quilowatt-hora, ou seja, 64 dólares por megawatt-hora. A Mozal, aquando da sua implantação, teve um contrato — um PPA — com a Eskom, para o fornecimento de energia por 25 anos, os quais vencem em março de 2026.
Há alguns anos, a Mozal iniciou conversações, quer com a África do Sul, quer com Moçambique, para assegurar o fornecimento de energia depois de março de 2026. Sucede que a África do Sul afirma não ter qualquer problema em continuar a fornecer energia à Mozal; no entanto, esta terá de pagar um preço justo, ou seja, o preço de mercado, porque, neste momento, estamos numa situação em que o preço que cobramos à África do Sul é superior ao preço que a Mozal aceita pagar.
Qual seria o preço ideal e por que motivo está a haver esta fraca abertura da outra parte para pagar esse preço?
TM: Sinceramente, não sabemos. O mais importante aqui, para esclarecer o público, é que o Governo de Moçambique — portanto, quem é soberano é o Governo — poderá determinar o repatriamento de energia da África do Sul para Moçambique ou não.
O Governo de Moçambique consultou-nos e nós demos o nosso parecer técnico. O nosso parecer é que, havendo vontade do Governo de Moçambique de repatriar a energia da HCB para Moçambique, não temos qualquer problema, desde que a Mozal aceite pagar, pelo menos, as mesmas condições que a Eskom paga atualmente.
A Eskom, recentemente, mudou de nome devido a uma reestruturação e agora chama-se Anti-CSE, a empresa de transmissão da África do Sul. Do nosso lado, o que dizemos é que, havendo essa decisão, não há problema desde que a Mozal aceite pagar as mesmas condições que a Eskom e aceite a evolução do preço, tal como está previsto no PPA.
A HCB enfrenta muitos desafios. Primeiro, o parque eletroprodutor está obsoleto e precisa de ser reabilitado urgentemente. Estamos nesse processo.
Por outro lado, quer a HCB, quer o Governo, comprometeram-se a tornar-se uma referência no fornecimento de energia na região, e a HCB tem um papel crucial nisso, devido à sua robustez. Significa que a HCB tem de desenvolver projetos de expansão, já em curso, nomeadamente o projeto de Pernambuco, a Central Norte, e um projeto de 400 megawatts de energia fotovoltaica.
Para tudo isso — tanto para os projetos de reabilitação como para os de expansão — são necessários avultados recursos financeiros. Ainda que a HCB seja robusta, não tem capacidade, com o seu balanço, para financiar esses projetos. É justamente por isso que terá de se financiar nos mercados internacionais.
No seu Plano Estratégico 2025-2034, as projeções foram feitas tendo em conta as condições de preços previstas no PPA com a África do Sul. Qualquer alteração nesses pressupostos tornará todos os projetos da HCB inviáveis. E o compromisso do país de se tornar uma referência no fornecimento de energia elétrica na região ficará em causa.
A Mozal considera o preço sugerido pela HCB como insustentável para a sua atividade. Há ou não possibilidade de encontrar um meio-termo?
TM: Qualquer possibilidade do Governo moçambicano aceitar as condições da Mozal significará que a HCB estaria a subsidiar a Mozal, ou seja, a reduzir as suas receitas para financiar a empresa. Mais do que isso, não seria apenas o Estado moçambicano: a HCB tem capital aberto. O Estado moçambicano detém 85% das ações; 7,5% pertencem ao Estado português, representado pela REN; e há mais de 17 mil investidores institucionais e particulares que detêm 3,5%.
Isto significa que todos esses acionistas — o Estado moçambicano, o Estado português e os 17 mil investidores — estariam a subsidiar a Mozal, e teriam o direito de se pronunciar. Assim, ainda que a decisão seja do Governo, teríamos de ir à Assembleia Geral para consultar os restantes acionistas sobre se aceitam ou não.
Outro ponto é que a Mozal quer mais energia. Está atualmente a ser fornecida com 350 MW, mas afirma precisar de 950 MW para o seu bom funcionamento.
Há capacidade para fornecer toda essa energia à Mozal?
TM: Neste momento, não estamos a fornecer nenhuma energia à Mozal. A nossa energia é fornecida à Eskom, à luz do PPA que temos. A energia que a Mozal recebe vem também da Eskom, através do PPA com eles. Qualquer alteração só poderá ocorrer a partir de março de 2026.
O lado sul-africano teria de ceder os seus direitos e obrigações sobre o PPA para Moçambique, para que Moçambique possa vender essa energia à Mozal. O PPA com a África do Sul está em vigor até 2030, o que significa que teria de ser interrompido para garantir a disponibilidade de energia para Moçambique e, assim, para a Mozal.
Mas a HCB tem capacidade para aumentar a quantidade de energia fornecida? Não. Estamos a passar por uma crise de armazenamento devido a uma seca severa que atinge a região do Zambeze há cerca de dois anos. Estamos com um nível de armazenamento de 23% a 24%.
Tivemos de reduzir a produção, em janeiro deste ano, em cerca de 33%. Dos mais de 15 mil gigawatts produzidos até 31 de dezembro do ano passado, reduzimos para cerca de 10,3 mil.
Como as previsões para a segunda parte da época chuvosa não se concretizaram, fomos obrigados a continuar a reduzir, para garantir que, até dezembro ou até ao início da próxima época chuvosa, o nível de armazenamento fique entre 19% e 20%. Isto assegura que, mesmo que continue sem chover, possamos garantir um fornecimento mínimo de energia nos próximos dois ou três anos.
Além disso, vamos iniciar em breve o processo de reabilitação dos grupos geradores, o que implica desligar um grupo de cada vez. Segundo os especialistas, a reabilitação de um grupo levará entre 12 e 13 meses. A reabilitação dos cinco grupos demorará entre cinco e seis anos. Durante esse período, teremos menos 415 MW de capacidade, equivalente à de um grupo gerador.
Assim, juntando a redução da produção por causa da seca e a redução de 415 MW pela reabilitação, ficamos com menos de 500 MW para entregar à Mozal. Em resumo, não haverá capacidade para fornecer os 950 MW que a Mozal procura.
Mesmo assim, é importante explicar que a EDM não pode ficar afetada. Sempre que reduzimos a produção, o cliente afetado são as exportações e, consequentemente, as nossas receitas. O que torna a HCB uma empresa robusta são as exportações; por isso, quando há reduções, há impacto direto nas receitas, mas a EDM mantém-se abastecida.
E, como a procura de energia cresce localmente, os consumos da EDM também aumentam, reduzindo ainda mais a disponibilidade de energia para exportação.