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“É preciso investir nos processos modernos para ter preço, qualidade e aceitação no mercado”

Em entrevista ao programa “Caminhos da Industrialização”, da STV, Inocêncio Matavel, primeiro presidente da Associação Industrial de Moçambique defende a necessidade de se investir na modernização da indústria moçambicana, de modo a garantir sua relevância na arena internacional. Para Matavel, uma intervenção estatal mostra-se crucial para manter a indústria viva e evitar que Moçambique torne-se um mero mercado dos outros.

Vamos começar por falar do seu percurso profissional. Começou como aprendiz de serralheiro mecânico e como soldador de torneira. Várias coisas em simultâneo.

Fundamentalmente, quando se fala da indústria está a se falar de alguma coisa que a mim me diz respeito completamente e directamente. Primeiro, porque o meu falecido pai era carpinteiro de moldes. O que é um carpinteiro de moldes? É um indivíduo que faz moldes para poder fazer peças. É, exactamente, por ele ter sido isso que acabou influenciado para que a minha formação académica fosse, fundamentalmente, orientada para a área industrial. Quando eu acabei o ensino primário, ele disse, “olha, tu vais ter que continuar a estudar porque na era em que nós estamos é uma era em que os estudos são uma componente importante para o nosso próprio desenvolvimento”. Então, fui para a escola industrial. Estamos a falar do tempo colonial em que para entrar no ensino secundário havia uma fase, diríamos que, introdutória que era constituída pelo ciclo preparatório. Fiz o primeiro e segundo ano de clico preparatório e após isso entrei, de facto, para o curso industrial. Quando eu entrei para o curso industrial, uma das coisas que me impressionou e continua a me impressionar ainda hoje, é que as pessoas que pretendessem seguir uma formação profissional como esta que eu estava a seguir, a primeira coisa que deviam saber fazer era a sua própria ferramenta. Então, tive que fazer a minha primeira ferramenta e aprendi logo de entrada, a ter que saber o que é e como se fabrica um esquadro metálico, o compasso, o graminho, a suta e isto faz com que as pessoas ao entrarem para o curso, entrassem com algum background. Fiz o curso industrial, após o curso, simultaneamente, ocorreu uma situação em que o meu pai estava a educar-nos a todos nós, somos cinco irmão e tínhamos duas irmãs na escola comercial e ficava um pouco pesado para que o meu pai pudesse aguentar. Como eu estava a seguir um curso prático, um curso iminentemente industrial, já estava a criar apetência para a actividade industrial, então, combinando à necessidade de ganhar algum (dinheiro), ajudar o meu pai e suportar os meus próprios estudos e por outro lado adquirir a prática, por isso fui parar aos 14 anos numa oficina, como aprendiz de serralheiro-torneiro. Isto ajudou-me muito porque a habilidade de executar as coisas e me familiarizar com máquinas.

 

Começa na Jaime Martins e depois vai trabalhar na L. Duarte dos Santos.

Fui trabalhar para a L. Duarte dos Santos, já estava bem adiantado, nesta altura, já estava quase no fim do curso e quando chego lá, a primeira coisa que encontro é uma certa desorganização nos armazéns e os meus patrões nessa altura disseram “vamos aproveitar este rapaz, parece ser um rapaz esperto. Ele percebe, bastante, de medidas, materiais e etc., para ir ajudar a organizar o armazém”. E fui, de facto, trabalhar no armazém para tratar dos perfis; sabia a medida dos perfis, o que é que era uma polegada, o que era um centímetro, o que era um milímetro e fiz, de facto, uma organização com alguma influência dos conhecimentos que trazia do meu curso.

 

Como fiel de armazém?

Como fiel de armazém. E aquilo foi, de facto, interessante porque despertou, mesmo em todos operários que tinham que solicitar materiais do armazém, uma certa curiosidade e interesse de ver que o jovem [eu] era, efectivamente, esperto e inteligente.

 

E depois vai trabalhar como técnico de contas em várias empresas.

Isso tem a ver, um pouco, também, com a minha história da organização dos armazéns. A organização dos armazéns permitiu que os inventários que eram preciso ser feitos anualmente fossem feitos com maior fidelidade. O contabilista da empresa era um madeirense muito activo e achou, de facto, pela primeira vez, uma situação muito interessante que era poder ter inventários que tivessem os materiais devidamente classificados e com muito rigor nas existências nos armazéns. Face a isso, os patrões acharam por bem puxar-me, um pouco, para a área administrativa acompanhando esta questão dos balanços, para além daquilo que me interessava, que era a parte técnica. E passei, também, a colaborar com as pessoas do gabinete técnico onde se faziam desenhos. O meu curso também contemplava a parte dos desenhos, então, eu desenhava peças, estruturas metálicas e já entrava nos cálculos trabalhando com os engenheiros, um era italiano e outro português e com eles fui trabalhando e gostavam imenso de trabalhar comigo, de tal sorte que, quando se construiu o Estádio da Maxaquene, aquele que era o Sporting, o engenheiro Otavini, que era o italiano, disse “Ó jovem, tu vais trabalhar comigo neste projecto porque eu quero-te envolver”, e de facto, ele fez o projecto e eu acompanhei a elaboração do projecto, a aprovação do mesmo projecto e, curiosamente, quando a estrutura de cobertura que era uma coisa feita pela primeira vez em Moçambique com aquele estilo, um engenheiro das Obras Públicas achou que devia fazer um ensaio, ensaio esse que o engenheiro Otavini disse-me para fazer a colocação de um ponto de engate de um cabo de aço e uma amarração no solo, para que pudesse se fazer o teste. Então, com essa questão do mix da parte industrial e a parte técnica propriamente ditas, levou à uma proximidade entre mim e o guarda-livros da empresa L. Duarte dos Santos e como estivesse a gostar de ver o processamento daqueles números, fui fazer o curso comercial.

 

“A minha experiência pessoal diz-me que de algum ponto tem que se começar a fazer as coisas”

Esteve a trabalhar para o Ministério da Indústria e Energia, onde desempenhou várias funções. Foi técnico de planificação, director nacional adjunto de economia, director nacional da indústria metalúrgica e mecânica e ainda, director do Gabinete de Projectos da Indústria Metalúrgica e Metalo-mecânica. Nesta experiência envolve-se em vários projectos de natureza industrial. Podemos falar dos mais relevantes, como a fábrica de alfaias agrícolas da Beira?

Pois. No âmbito da cooperação entre Moçambique e a União Soviética foi designada uma equipa do lado soviético e uma equipa do lado moçambicano para se aproximarem e darem início a esse projecto e como todos nós sabemos, o programa de governação de Moçambique, nos primeiros anos após a independência, dava ênfase à questão da agricultura. Nessa perspectiva, quando começa a se preparar esse projecto, bastante grande para a altura, estávamos a falar de qualquer coisa como 50 milhões de dólares. O meu ministro chamou-me, na altura, era o António Branco e disse que eu ia chefiar a equipa de trabalho para avançar com isto. Eu tinha, no meu gabinete, uma equipa que tinha apoio de alguns quadros economistas e engenheiros brasileiros e com essa equipa que eu tinha, para além dos quadros nacionais, iniciamos o desenvolvimento do projecto. Estivemos várias vezes na União Soviética para ver o que é que, de facto, se pretendia fazer, corrigindo os aspectos relevantes que o projecto tinha e realizou-se o projecto das alfaias da Beira que depois conheceu outros problemas.

 

Em que medida foi importante para a agricultura?

Foi, de facto, importante para o sector agrícola porque nesse momento muitos dos utensílios que eram necessários para a actividade agrícola, o país passou a contar com essa capacidade.

 

Passaram a ser fabricados localmente.

Passaram a ser fabricados localmente.

 

E do ponto de vista de mão-de-obra que estava ali era moçambicana ou soviética?

A mão-de-obra foi treinada. Tinha alguns soviéticos, como não poderia deixar de ser, mas, tinha mão-de-obra nacional porque a fábrica já existia na Beira, não com o perfil que foi depois, dado pelo projecto de redimensionamento da fábrica e maior capacitação. Ligado a esse projecto, foi simultaneamente desenvolvido um projecto da Agro Alfa, que, eventualmente, falaremos mais tarde.

 

Queria falar, precisamente, desse projecto da Agro Alfa que é desenvolvido em Maputo.

O projecto estava na mesma linha de orientação de que a agricultura é a base e a indústria o factor dinamizador. Na altura em que se avançou com o projecto da produção de alfaias agrícolas na Agro Alfa, o que aconteceu teve a ver com uma circunstância própria do momento. É que, a seguir à independência, não é segredo para ninguém que houve o abando das empresas, elas ficaram sem direcção e graves carências de técnicos, matérias-primas, organização e etc. Uma das tarefas que coube a mim no Ministério da Indústria foi encontrar formas de fazer com que aquele potencial produtivo que estava a atravessar uma situação bastante difícil e complicada, pudesse ter saídas que permitissem revitaliza-lo. Nesse processo de tentar revitalizar, ocorre que, no âmbito da cooperação entre países, nomeadamente, Suécia em Moçambique, houve da parte sueca e também da parte de Moçambique o interesse de ver o que é que se poderia fazer com a Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional, a ASDI. Uma vez mais, aparece, também, a necessidade de se fazer um estudo e uma verificação. No diálogo que se estabeleceu com os técnicos suecos ocorreu-nos que não era bom que se pensasse somente em se injectar máquinas porque a experiência estava a mostrar que a injecção de máquinas sem o correspondente acompanhamento para assistência criava outros problemas que era termos um parque de máquinas para a agricultura absolutamente inoperável.

 

O que aconteceu no Chókwè, por exemplo.

Foi o que aconteceu com Chókwè. Na altura, eu fui ao Chókwè com um colega meu que estava a dirigir uma das fábricas que estava a ser reabilitada com apoio dos suecos, exactamente, por causa de um parque de máquinas que estava, infelizmente, completamente inoperacional porque a capacidade de manutenção tinha-se perdido e não se tinha dado muita importância a essa questão. Eu penso que é muito importante para a vida útil dos equipamentos. É como alguém ter dinheiro para comprar um automóvel zero quilómetros, mas, se não faz manutenção, o automóvel em vez de durar cinco, sete ou dez anos, vai-lhe durar dois anos. E infelizmente, em Moçambique, devemos dizer isso com alguma tristeza, nós tivemos imensos problemas e imensas situações que foram exemplo. Tivemos o caso dos transportes públicos em que recebemos, aqui, com muita satisfação e alegria os chamados “papa-bichas” que tiveram uma vida “fémura”. Para mim, pessoalmente, um pouco daquilo que foi a minha experiência, não foi difícil entender de que teria que se prestar atenção à essa questão de manutenção dos equipamentos. A Agro Alfa veio, exactamente, nesta linha de pensamento e os suecos, graças à Deus, entenderam isso muito bem. A componente do treinamento do pessoal foi feito em Moçambique e também na Suécia. Houve um universo de cerca de 50 empresas, nomeadamente, da área de calços para travões e acessórios, radiadores, utensílios agrícolas e todo esse universo de empresas foi posto a funcionar numa coisa que se denominou de Programa de Reabilitação Industrial (PRI). Esse programa tem uma virtude muito grande, é que demonstrou-nos que, de facto, a destreza que as pessoas têm quando apoiadas para poderem atingir os objectivos para que foram concebidas as coisas, funciona perfeitamente e com a dupla vantagem de que cria valor acrescentado ao prolongar a vida útil das máquinas e a sua eficiência no desempenho também vai, ao mesmo tempo, dar um treinamento às pessoas envolvidas nisso, que acabaram sendo catapultadas e treinadas, foi uma coisa que deixou, de facto, marcas bastante positivas e demonstrativas de que é importante o papel das pequenas e médias empresas.

 

Também esteve no projecto da revitalização de uma empresa vocacionada na produção de caixas de carga para camiões e atrelados.

Exactamente. Estive nisso porque antes da independência nós tínhamos, na Machava, uma linha de montagem de camiões Scania, uma cooperação com a Suécia. Essa linha, de facto, era iminentemente de montagem. Mas, por outro lado, tinha complementos com indústrias locais que já desenvolviam estas actividades de fabricação de caixas de carga para camiões e carrinhas, havia, de certo modo, uma actividade intensa neste tipo de coisas. E, muitas vezes, nós somos confrontados, quando discutimos este tema de indústrias, de que “isto era indústria apertar parafusos… isso era indústria de montagem”. A minha experiência pessoal diz-me que de algum ponto tem que se começar a fazer as coisas e na indústria diferentemente das outras coisas que podem aparecer já feitas e completas. Mesmo do ponto de vista económico, os economistas não me deixarão mentir, se eu disser que importar um machibombo completamente montado, aquilo que vem no navio é bonito porque o machibombo é descarregado no porto e a gente salta para o volante e começa a conduzir, mas, o ar que é transportado no barco custa dinheiro porque é o espaço que o machibombo ocupa ao ser transportado acabado. Então, esta perspectiva de desenvolvimento da indústria montadora e a fabricação local de partes têm duas vantagens. A primeira é que poupa-se, efectivamente, nos custos de transporte, pode-se transportar muito mais unidades do que aquelas que se transportariam se viessem completas. Segundo, dá um certo adestramento ao pessoal, ao entrar nesta cultura de fabricar o machibombo. De tal sorte que quando, infelizmente, a nossa indústria entrou em deprime, muita dessa mão-de-obra foi aqui para o lado, na África do Sul e Suazilândia e era uma mão-de-obra bastante apreciada porque estava adestrada para poder fazer estas coisas. Então, foi nessa senda que acabou se envolvendo esse tipo de unidades industriais no tal PRI.

 

Trabalhou num projecto de linha de montagem de camiões na Famol, um pouco na linha do que estava a explicar aqui. O que é que fazia, essencialmente?

Fundamentalmente, importavam-se os componentes dos camiões e eram montados e depois, naquilo que era para fazer-se aproveitamento à capacidade instalada das indústrias complementares era feito por elas mesmas.

 

“O industrial tem que ser um indivíduo entusiasta que está a fazer uma coisa que goste”

 

Disse que isso tudo fazia parte do PRI. Em que medida foi importante o PRI para revitalização do sector industrial?

Foi bastante importante e foi uma pena que não tivesse seguido. Primeiro, o industrial tem que ser um indivíduo entusiasta que está a fazer uma coisa que goste. É tal e qual como o futebolista. O indivíduo que pretende ou que está envolvido na actividade industrial, quer queira, quer não, se eu acabo por fazer as coisas com interesse e com vocação, vai desenvolvendo mais do que aquilo de onde ele aprendeu. Esta ciência do avanço tecnológico de que “ele está a copiar” e nessa cópia ele vai querer melhorar alguma coisa e nesse querer melhorar alguma coisa ele vai acabar criando qualquer coisa nova e nesse qualquer coisa nova, ele foi dar um contributo muito grande para o avanço de todos nós naquele produto.

 

Que valor acrescentado trouxe o PRI?

Basta só dizer que o primeiro de todos estes valores foi o facto de conferir aos equipamentos muito mais vida útil, muito mais utilidade e eficiência para, efectivamente, cumprir o papel para o que foi criado. O outro valor importante foi limitar e evitar muitas das importações e quando se fala da área industrial, nem tudo é possível importar ou é possível importar, mas, eventualmente, com custos exorbitantes. Em determinadas plantas industrias há coisas que é preciso resolver para que ela funcione e se tivermos capacidade para resolver aquele problema que foi identificado, mais facilmente resolvemos sem termos que pedir ao fabricante. Infelizmente, isso aqui em Moçambique virou moda, qualquer avaria de qualquer coisa que temos e precisamos acabamos por ter que importar e como é uma coisa que não vem pronta para ser montada, tem que vir ser montada e verificada, vem uma empresazita de fora para chegar aqui e fazer. Quanto é que isso custa? O grande problema é este, isso custa muito dinheiro. Então esta capacidade da pequena e média indústria é uma capacidade que tem que ser acarinhada.

 

Um PRI num contexto como o actual, economia de mercados mais abertos, que papel é que desempenharia?

Tenho dificuldades em responder porque a isso precisaria agregar uma outra questão. Qual é a questão que nós temos que agregar? É que hoje é comum falar-se naquilo que é vantagens comparativas. Se eu tenho a minha pequena indústria que se dedica a produzir determinado bem e se esse bem não está a ser produzido à mesma escala que está a ser produzido pelo meu concorrente, ele já ultrapassou determinadas fases, já tem soluções para uma produção em serie, tem a mão-de-obra adestrada e eu por sermos postos numa situação de competitividade, o primeiro obstáculo há-de ser esse. É tão simples como isto. Se eu estiver a fazer determinada coisa, nem que seja sapato, e tenho a expectativa de vender 1.000 pares, eu vou criar soluções que me levem a produzir 1.000 pares de sapatos dentro daquele prazo em que eu sei que vão ser vendidos. Se eu não tenho essa expectativa porque, eventualmente, vão dizer que o meu sapato é caro e é de uma má qualidade, portanto, aquele que vem de fora estará sempre em vantagem em relação à mim.

 

 

Como é que resolvemos este problema de competitividade?

Tem que haver da parte do Governo políticas objectivas sob pena de nós sermos um mercado para todos os vizinhos que tenham a capacidade de produção porque a nossa capacidade produtiva vai ser cada vez menor.

 

Em 1985 torna-se director-geral da Farmol, portanto, a sua entrada no sector privado. Como é que foi o percurso da Farmol, do ponto de vista de inserção no mercado?

Exactamente. O meu falecido pai é que começou com a fábrica de radiadores. Como eu disse, era uma pessoa entusiasta pela actividade industrial. O meu pai fazia moldes até para produzir cabeças de motores e a actividade de moldes exigia muita precisão. O problema para todas as pequenas e médias indústrias é o mesmo. A tecnologia não está parada, continua a evoluir permanentemente e é preciso investir nos processos modernos para se ter preço, qualidade e aceitação no mercado e voltamos, sempre, ao mesmo ponto de partida. É que, se não tendo mercado, não tendo exposição àquilo que é a concorrência, logicamente que muito dificilmente pode-se ter ganhos.

 

Em 1990 é eleito primeiro presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIM). O que é que norteou a criação da AIM?

Foram exactamente estes problemas de que estamos aqui a tratar. Sentia-se que tínhamos um parque industrial, existiam os problemas da transição de colónia para o país, tínhamos problemas da própria indústria que sentia-se quartada para poder se desenvolver e com tudo isto acabamos por pensar e juntar as nossas ideias e achar que se nos constituíssemos como associação para tratar dos problemas industriais, teríamos mais facilidade de dialogar com o Governo e ser um interlocutor válido para sensibilização dos governantes de que o estágio em que se encontrava a nossa indústria, ela não podia funcionar somente com base no princípio da indústria de mercado e de competitividade. Com todo o respeito, nós para estarmos aqui sentados e vestidos e não nus é porque alguém tem que confeccionar estas peças de roupa. Moçambique, se nós tivermos boa vontade para recordar, já tinha uma capacidade de produção na área do vestuário e toda esta capacidade desapareceu de tal sorte que, tudo que nós vestimos tem o carimbo de importado. Importado novo para aqueles que têm a capacidade de comprar novo e importado usado para o desgraçado que não tem como, porque não pode ir para a rua sem o corpo coberto. Eu me recordo que, naquela altura, que já estavam a competir para os mercados externos e, hoje, essa capacidade desapareceu completamente.

 

Está a falar do ponto de vista de políticas indutoras.

Exactamente. Políticas indutoras. Temos um exemplo aqui da vizina África do Sul que tem uma indústria automóvel que está a se desenvolver ao longo dos anos, já é uma indústria respeitável. Na África do Sul, o Governo proíbe a venda do “dubaizito [carros usados] ”. As viaturas que são desembarcadas no porto de Durban nem sequer são permitidas em atravessar o país para chegar em Moçambique por terra.

 

 

“Eu devo dizer que a qualidade da nossa indústria deixa muito a desejar”

Portanto, acha que uma das medidas que se podia optar para o nosso sector industrial é inclusão de políticas protecionistas?

Exactamente. Há pessoas que, quando falamos da protecção da indústria pensam que somos sonhadores [e dizem] “eles se tiverem unhas que toquem a guitarra”. Também não estamos a falar de uma protecção cega. Essas coisas têm de ser feitas dentro de um quadro em que haja um balanceamento do que é que pretendemos e para onde é que queremos ir. Nós estamos, neste momento, em risco daquilo que tem sido propalado pelos nossos colegas, quando se fala da indústria dos grandes projectos (gás, minas e etc.) de ser cada vez mais marginalizados porque a exigência destes grandes projectos é que, efectivamente, os seus produtos têm de ter qualidade.

 

Como é que acha que se pode induzir as empresas nacionais à atingirem esse estágio para fornecerem serviços a essas empresas?

Com o gradualismo que me tenho referido. Eu devo dizer que a qualidade da nossa indústria deixa muito a desejar. Uma indústria que esteve a funcionar, mas, que pura e simplesmente estagnou-se. Tem que se ter sempre presente que a via pela qual nós podemos chegar e discutir

 

Se tivesse poder político para influenciar e tomar decisões, quais são as áreas que atacaria de forma prioritária?

Eu diria que, a pequena e média empresa industrial. Dou exemplo daquilo que foi o PRI que envolvia as metalo-mecânicas, no geral. Porquê? Porque elas dão lugar a inputs importantes. Vou dar um pequeno exemplo: quando eu estava a trabalhar no Ministério da Indústria, o ministro António Branco chama-me e diz-me que temos graves problemas de elevadores nos edifícios do Estado e, de facto, é incomodo para o cidadão andar a subir escadas. Eu acabei levando o PRI também para a área dos elevadores.

 

Criando uma capacidade internamente…

Não ficou bom, mas, melhorou razoavelmente.

 

Acha que há áreas que o Estado devia eleger como prioritárias?

Logicamente.

 

Quais são as áreas que escolheria?

São essas que eu me refiro. As áreas de empresas que prestem serviços a outros, quer seja para manutenção de equipamentos, quer seja para solução daquilo que hoje deixa de funcionar porque faltou ali uma intervenção.

 

Naquela altura, todas empresas eram do Estado, agora estamos em uma economia do mercado. Como acha que isso podia se processar?

Na altura do PRI, já se estava na viragem para a privatização. Teve que se combinar um pouco do novo paradigma da reabilitação industrial com a privatização e não é por acaso que o sector industrial das pequenas e médias empresas foi o inicial no processo de privatização das empresas. Começou quando o presidente Samora fez um discurso em que ele disse “o Estado não foi criado para vender ovos” e a partir daí começou essa necessidade de pôr o Estado a vender ovos.

“Nós temos muitos problemas por resolver”

A pergunta que eu queria colocar é: as empresas eram do Estado e estavam num processo de privatização, como referiu. Num quadro de economia livre, como agora, em que as empresas são das pessoas, como é que o Estado intervêm sectores-chave na economia para serem desenvolvidos? Como convencer alguém para investir num sector industrial quando ele sabe que se abrir um armazém e meter sacos, ele terá dinheiro diariamente?

A indústria avícola é uma indústria que, naturalmente, a gente olha para ela e diz que qualquer pessoa pode fazer a criação de frangos e, de facto, qualquer pessoa pode fazer desde que respeite a técnica. Não basta só dizer que temos uma economia aberta, livre iniciativa, o Estado lavou as mãos e não quer saber disto para nada. Assim, vamos criar problemas porque as pessoas estão sedentas de fazer algo. Se o Estado não aparece a funcionar, acaba por comprometer isso. Não são raras as vezes que nós ouvimos nos vossos meios de comunicação a dizer que foram apreendidas grandes quantidades de frango que vieram do país A, B, C ou D. O frango que é uma coisa que envolve tantas famílias, tanta gente a produzir e algumas empresas grandes que fornecem os medicamentos, os pintos e as tecnologias, mas, por que é que não funciona? Não funciona porque se continuarmos a pensar que baixa deixar as portas escancaradas porque a iniciativa privada vai resolver isso, até que isso aconteça vai ser necessário que, primeiro, deixe de haver contrabandistas, deixe de haver má-fé de pessoas que produziram frangos e não têm mercado, pegam no frango e mete aqui a preços [baixos]… Tem que haver alguma ordem em casa, se não houver essa ordem, não vale a pena estarmos a pensar que vamos pôr de pé a indústria e vamos ser industriais, o que vamos ser, quer queiramos, quer não, é mercado para os outros.

 

Para não sermos um mercado para os outros, como é que acha que fazemos este ponto de viragem?

Nós temos muitos problemas por resolver. O primeiro dos quais é, infelizmente, recursos financeiros que não existem e quando existem é àquele preço que já sabemos. Tudo isto precisa ser pensado e ao ser pensado precisamos buscar soluções. Soluções estas que, neste momento, se me perguntarem se calhar também vou ter dificuldades de dizer onde e como, mas, que temos que pensar nisto, temos que pensar nisto. O não pensar nisto é aquilo que eu acabei de dizer: é sermos mercados dos outros e nunca dizermos ou pensarmos que através dos outros grandes projectos, por essa via, vamos ser parte. Vamos ser fauna acompanhante e mais nada.

 

Muito se tem falado do agro-negócio, o senhor Inocêncio Matavel é dono da Agro Farma, mas, também foi presidente da Associação dos Empresários Agrários de Moçambique, uma entidade que visa incrementar e desenvolver a agricultura e o agro-negócio. Qual é a sua visão para o agro-negócio?

Eu espero que o ministro Celso Correia, do Ministério da Agricultura, venha a dar uma volta com este programa do SUSTENTA. Eu comparo o SUSTENTA, a uma escala menor, com a minha experiência no PRI. O SUSTENTA, pela forma como está a ser concebido e pela forma como estão a ser definidos os objectivos a atingir. Porque é uma iniciativa que vem ao nível do Governo e está a identificar quais são os constrangimentos e quais são os problemas e está claro sobre as necessidades que devem ser atendidas para que se faça acontecer coisas no seio da produção.

 

Como é que acha que pode ser o futuro da indústria em Moçambique?

Eu continuo a pensar que Moçambique vai ter que ter o seu futuro industrial. Eu não acredito que Moçambique se deixe ficar naquilo que é a dinâmica que está a ocorrer fora e que, também, tem que ocorrer aqui dentro, nesta perspectiva de mercados da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral). Sabe, o problema dos processos de desenvolvimento é que têm um preço. A União Europeia não é por acaso que puxou Portugal e alguns países menos desenvolvidos. Os programas estão a olhar numa perspectiva de “vamos crescer juntos”.

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