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É possível viver bem com epilepsia

Foi em 2012 que Ilka Pondeca, de 22 anos de idade, teve as primeiras manifestações de epilepsia. Entretanto, quando se dirigiu à unidade sanitária, recebeu um diagnóstico diferente. ”Disseram que tinha psicose. Comecei a fazer o tratamento e até fiquei internada durante três meses. Ainda assim, não melhorava”, lembra.

Além de dor de cabeça muito forte, a jovem tinha longas crises de ausência: “Eu ficava desligada do mundo à minha volta e fixava o meu olhar num lugar durante muito tempo. Nos últimos tempos, podia ficar cinco a seis horas nesse processo e, quando voltava à realidade, não lembrava do que aconteceu, era como se fosse um apagão”.

Foi por recomendação de amigos e familiares que os pais decidiram levá-la à República da África do Sul, onde lhe diagnosticaram epilepsia. “A partir daí, comecei com o tratamento. numa primeira fase, tomava um cooktail de medicamentos, que foram reduzindo à medida que a doença foi ficando controlada”, disse.

Conhecida em muitos pontos do país como doença da lua, a epilepsia é hoje uma das doenças neurológicas mais comuns no mundo. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde indicam que cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem da doença crónica, sendo que 80 por cento dos casos são registados em países em vias de desenvolvimento.

Em Moçambique, a doença é uma das principais causas de procura pelos serviços de psiquiatria. Em 2016, pelo menos 65 mil pessoas foi-lhes diagnosticada epilepsia. A doença pode atingir homens, mulheres e crianças de todas as idades. De acordo com a psiquiatra Luciana Massinga, as complicações durante o parto, infecções cerebrais: meningite, encefalite, malária cerebral, aumentam o risco de ter epilepsia.

As crises de ausência são um tipo de crise epiléptica mais comum em crianças do que em adultos. Mas o sinal mais comum e preocupante são as crises convulsivas, em que a pessoa chega a perder completamente os sentidos. “O paciente pode dar um grito e perder a consciência. Posto isto, pode cair de forma brusca e chegar a magoar-se. Durante a queda, pode apresentar movimentos iguais e simultâneos nos braços e pés. Alguns podem ter mordedura da língua e apresentar hipersalivação. No final da crise, ele sente-se relaxado, de tal forma que pode urinar ou defecar”, explicou.

O receio em relação ao surgimento de crises convulsivas descontroladas faz com que os doentes tenham limitações e sejam estigmatizados. Ilka, por exemplo, teve de fazer várias mudanças na sua rotina. A mais difícil foi parar de estudar. “Também deixei de ir à praia, sair com amigos e passei a precisar do auxílio da minha família para tudo”, disse.

A epilepsia não tem cura, mas pode ser controlada a partir de uma medicação que será feita ao longo da vida, dependendo do tipo de crises que cada paciente apresenta.

A jovem hoje tem a doença controlada e só toma um comprimido por dia. Frequenta o terceiro ano do curso de licenciatura em Direito e voltou a ter independência. “Agora, faço as mesmas coisas que tive de parar de fazer quando não tinha a doença controlada. Tenho uma vida normal, porque é possível viver bem com epilepsia", garante.

Estigma prejudica controlo

A epilepsia é conhecida em muitos pontos do país como doença da lua e, não raras vezes, é associada a questões do obscurantismo e, em muitos pontos do país, acredita-se que o tratamento para a doença está na medicina tradicional. “Há pessoas que não vão às unidades sanitárias quando têm manifestações epilépticas, recorrem à medicina alternativa. Temos essa consciência, por isso, trabalhamos com líderes comunitários e com os médicos tradicionais, para que essas pessoas possam ser encaminhadas aos hospitais, porque lá existe a resposta para este problema”, disse a psiquiatra e chefe do Programa Nacional de Saúde Mental, Lídia Gouveia. De acordo com especialistas, a forma como a sociedade olha para a doença faz com que haja barreiras no diagnóstico e tratamento da doença, daí que o combate ao estigma contra as pessoas epilépticas continua a ser uma das grandes lutas. Em 2014, o Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, iniciou o programa Nacional de Luta contra a epilepsia, nas províncias de Maputo, Niassa, Nampula, Zambézia, Sofala e Gaza, com o objectivo principal de garantir um tratamento de baixo custo às pessoas que sofrem da doença. Volvidos três anos da sua implementação, o aumento de casos diagnosticados é considerado o principal ganho, entretanto, o diagnóstico precoce, o aumento de profissionais de saúde especialistas em saúde mental e a expansão do acesso aos medicamentos continuam a ser os principais desafios na luta contra este problema de saúde pública mundial chamado epilepsia.

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