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“É possível antecipar as receitas do gás do Rovuma”

O PCA da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) diz que Moçambique pode antecipar as receitas do gás natural da bacia do Rovuma, cujo início de exportação está previsto para o ano 2022. “As receitas que começam a entrar em 2022 podem ser antecipados. É uma engenharia financeira, aquilo que se chama de colateralização. Eles emitem activos que podem ser suportados por alguns fluxos reais. O mercado funciona com expectativa. Qualquer avaliação de um activo não é feita em função da sua natureza história, é feita em função das expectativas de geração de cash flow”, disse Omar Mithá, na palestra que deu esta semana por ocasião da passagem do 13º aniversário do jornal O País.

Até aqui, apenas o projecto “Coral Sul” teve a decisão final de investimento em 2017, estando agora em construção a plataforma flutuante de liquefacção de gás natural. Orçada em 4.7 mil milhões de dólares, a plataforma está a ser montada em três países, nomeadamente Coreia do Sul, Inglaterra e Singapura. A conclusão está prevista para 2021, esperando-se que em 2022 seja exportado o primeiro gás produzido no “Coral Sul”, um conjunto de seis poços com profundidade que varia entre 1 500 e 2 300 metros. Este projecto faz parte da Área 4 da bacia do Rovuma, operada pela petrolífera italiana Eni.

É com base nos rendimentos futuros deste projecto que o PCA da ENH considera ser possível antecipar os ganhos. Aliás, Omar Mithá diz que o projecto tem compradores credíveis, cuja lista inclui empresas públicas de países desenvolvidos que firmaram contratos de médio e longo prazo. “Do mesmo modo que você tem uma factura a receber do Estado e vai ao banco, este pode adiantar o dinheiro. Mas se calhar tens um milhão por receber e o banco diz que só pode dar 500 meticais e vai descontar 50% só por causa de seis meses. Por isso é importante estudar para que não haja uma negociação desequilibrada”, exemplificou.

Apesar de admitir a possibilidade de antecipação das receitas, Omar Mithá reconhece que seria uma transacção muito complexa: “Evidentemente teríamos que ver quais são os credores que temos, como se processam os pagamentos e outros procedimentos”.

Além da antecipação de receitas para o Estado, Omar Mithá diz que a ENH também poderia financiar a sua participação nos projectos do Rovuma, através da venda antecipada do gás. “Na altura, nós podíamos convencer os outros accionistas que vamos receber em espécie e colocávamos o gás no mercado de uma forma antecipada. Ai teríamos o dinheiro para realizar o nosso investimento. É uma ideia fantástica. Mas como o mercado estava muito fraco, não seria fácil convencer e era preciso maximizar as receitas para viabilizar o projecto”.

E porque a estratégia de venda antecipada do gás não funcionaria, a ENH está nos mercados à procura de dois mil milhões de dólares para financiar a sua quota nos projectos de gás do Rovuma. Para o efeito, a empresa pública contratou as consultoras financeiras Lazard Frères, Lion’s Head Global e Société Générale. Numa entrevista recente à agência de informação financeira Bloomberg, o PCA da ENH descreveu como sendo “extremamente urgente” a ida aos mercados, que inclui passagens por Ásia, Médio Oriente e a África do Sul. A Lazard, que já está a aconselhar juridicamente o governo de Moçambique na renegociação das “dívidas ocultas”, vai também dar assistência legal ao financiamento da participação da ENH na Área 1 da bacia do Rovuma, cujo operador é a petrolífera norte-americana Anadarko. A Société Générale vai também ajudar no financiamento. Já a Lion’s Head será a consultora responsável pelo aconselhamento da ENH na participação no projecto que a petrolífera italiana Eni está a desenvolver na Área 4.

“Dívidas ocultas” não afectam projectos de gás da bacia do Rovuma

Foi durante o debate que um participante questionou se o dossier das “dívidas ocultas” que praticamente afastou Moçambique dos mercados financeiros internacionais não estaria a afectar os projectos da bacia do Rovuma. Em resposta, o PCA da ENH explicou que as posições que o país recebe das agências de notação financeira não estão a comprometer o andamento dos projectos. Para reforçar, Omar Mithá lembrou que, em 2017, os concessionários da Área 4 tomaram a decisão final de investimento para o campo “Coral Sul”, único projecto de exploração de gás no mundo que teve aprovação definitiva no ano passado. “Isso trouxe ganhos intangíveis como, por exemplo, colocar o país no mapa dos potenciais produtores de gás. Vieram grandes players, como a Exxon Mobil, que está a desenvolver um projecto onshore. Isso significou demonstrar capacidade do país de poder organizar um projecto bilionário. Moçambique ganhou maior credibilidade e confiança”, admitiu.

E para divulgar os projectos do Rovuma, os concessionários da Área 1 criaram a marca LNG Mozambique para fazer o marketing. A empresa estará estabelecida em Singapura e será dirigida por director-geral estrangeiro. “O director adjunto será um moçambicano, um funcionário da ENH e neste momento ele está a participar em todas as negociações com os vendedores. Há outra moçambicana que está a trabalhar em Houston (Estados Unidos) na área de mercados. Portanto, não haverá aqui uma negociação de preço muito abaixo para prejudicar o país. O mercado é muito transparente, a gente sabe quanto está o barril de petróleo, quais são os indexantes, porquanto está a ser vendido, isso tudo é possível ter informação”, explicou.

O PCA da ENH explicou ainda que nos consórcios as decisões são tomadas em conjunto, sendo que a decisão passa se tiver mais de 60% de aprovação. Em certas matérias, cada empresa tem direito a veto. “As coisas não dependem só do operador, há um princípio de governação”. Para melhor acesso à informação, a ENH conta com geólogos e outros especialistas, além do regulador – Instituto Nacional de Petróleo. “O regulador teve ajuda da Noruega e de outros consultores que hoje fazem leituras sobre as reservas. Antes de aprovar o plano de desenvolvimento discute-se quantos furos vão fazer, qual vai ser o nível de recuperação dos poços e esses dados técnicos são avaliados para se poder mitigar o risco de assimetria na informação”.

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