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Duas musas que recitaram a poesia de combate no ringue

Foto: O País

Entraram no boxe ao acaso, mas hoje são uma referência da modalidade. Alcinda Panguane e Rady Gramane tiveram um arranque de carreira com alguns percalços, mas nem por isso desistiram dos seus sonhos.

Há dez anos, precisamente em 2012, quando, por ironia do destino, tiveram o primeiro contacto com as luvas, era inimaginável que um dia os seus nomes pudessem constar do livro sagrado do desporto moçambicano, particularmente do boxe. Alcinda Panguane e Rady Gramane conservam, na sua galeria, várias medalhas, quer de ouro, quer de prata e bronze, conquistadas, muitas vezes, a escopo e martelo. Falemos disso mais adiante. Tenham paciência, por favor!

Na alegria e na tristeza, nas derrotas e nas vitórias e mais ainda nos fracassos e nas conquistas, as duas pugilistas sempre se mantiveram firmes, até porque era preciso criar alicerces da sua carreira. E hoje já estão a colher os louros.

“Entrei no boxe ao acaso. Lembro-me que decidi acompanhar a Rady para ela correr, porque era obesa. Quando lá chegamos, ela disse para treinarmos boxe”, revela Alcinda Panguane. Era, afinal, o começo de uma carreira brilhante, que, mesmo assim, conheceu momentos de atribulação, desde logo o facto de a sua família não apoiar a ideia.

Mas porque estava firme no que queria, em nenhum momento Alcinda Panguana vergou, ainda que isso custasse, não raras vezes, uma lágrima no canto do olho. Rompeu, com a força de vontade, as barreiras que, à partida, pareciam intransponíveis.

“Hoje em dia, vejo que Deus tinha um propósito comigo. Estou, por isso, orgulhosa do caminho que segui”, diz Panguane, ainda eufórica com a conquista da inédita medalha de prata no Mundial, cujo epílogo foi na última quinta-feira, em Istambul, Turquia, de onde, por esses dias, sopram os ventos do sucesso do nosso boxe. Imaginem só!

De uma simples vontade de reduzir o peso, Rady Gramane encantou-se, começou a galantear e, por fim, casou-se com o boxe. Os frutos do enlace com a modalidade já são visíveis.

“Nunca imaginei que, um dia, fosse chegar à posição em que me encontro”, afiança Gramane. Até que pode nunca ter imaginado que pudesse atingir os píncaros da sua carreira e, por isso mesmo, integrar a restrita lista dos melhores pugilistas que o país ostenta.

Pois bem, à semelhança de Alcinda Panguane, Gramane teve de travar uma guerra sem quartel com a sua família, que fincava pé na ideia de que ela não deveria abraçar a modalidade.

“Como eu queria, a família teve de entender”, revela. E porque a família entendeu, não mediu esforços para vincar na modalidade.

 

ORGULHOSO, FELIZ E REALIZADO

Em três adjectivos, Lucas Sinóia, um dos obreiros desta façanha, faz uma súmula daquilo que ele sente neste momento. Conduziu as duas joias de África a uma inédita conquista da medalha de prata e bronze no Mundial do Boxe.

Pela sua brilhante carreira, entanto que pugilista, Sinóia até poderia estar aconchegado na sombra do conformismo, por sinal uma quatro armadilhas da mente, explicadas de forma vernácula por Augusto Cury. Mas não! Luca Sinóia tem sido um herói anónimo, na medida em que, mais do que procurar o alcance dos holofotes, se entrega ao trabalho. As suas obras não mentem. Não só é responsável por esta conquista, como de tantas outras que engrossam o ego dos moçambicanos no concerto das nações. Obrigado, mister!

 

INTERCONECTADOS

Helena Panguane, mãe da Alcinda, é, por esses dias, uma mulher feliz. Do bairro Zimpeto, viu a sua filha lançar-se para o mundo. Viveu cada momento com um misto de sentimentos. Chorou quando necessário, mas também exultou cada vez que a filha levantasse o punho para celebrar a vitória.

“Só posso agradecer a Deus pela força que deu à minha filha”, diz a mãe da Nininha, como, aliás, carinhosamente a trata, sublinhando que, desde que Alcinda Panguane conquistou a medalha de prata, “não consigo apanhar sono”.

Para a sua tia, Sofia Panguane, Alcinda constitui um orgulho da família, não só pelas conquistas, bem assim como filha. “Minha sobrinha é muito meiga, mas também chorona”, graceja. Não cabe em si de tanta felicidade, até porque motivos são bastantes.

Do seu bairro, muitas energias positivas eram enviadas para Istambul, pois os vizinhos de Alcinda Panguana se uniram numa só causa.

“Unimo-nos aqui, no bairro, para apoiar a nossa irmã. Devo destacar o envolvimento de todos, inclusive de crianças”, afirma Custodio Come, vestindo a pele de porta-voz dos vizinhos.

Rady Gramane trouxe, na bagagem, uma medalha de bronze para o país, feito que deixa a sua família orgulhosa. Coube à irmã de Rady, Teresa Gramane, deixar o sentimento da família.

“Nós sabíamos que ela voltaria, pelo menos, com uma medalha”, diz. A família manteve a sagrada esperança e, no fim, soltou sorrisos largos.

 

PARTICIPAÇÕES E CONQUISTAS

Alcinda Panguane já marcou presença, diversas vezes, nos jogos da Zona 4, conquistando seis medalhas. Conquistou a medalha de prata nos Jogos Africanos de Rabat, Marrocos e uma medalha de prata nas qualificações para as olimpíadas. Por seu turno, Rady Gramane conquistou, também, uma medalha de prata, desta feita na 66ª edição do Bocskai Memorial em Debrecen, na Hungria, e uma medalha de bronze nos Jogos da Zona 4.

Representou Moçambique nos Jogos da Commonwealth de 2018, realizados em Gold Coast, Austrália. No mesmo ano, ela também competiu no evento de peso médio feminino no Campeonato Mundial de Boxe Feminino da AIBA, em Nova Deli, Índia.

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