O País – A verdade como notícia

Chang não será responsabilizado em Moçambique por crimes julgados nos EUA

O Procurador-Geral da República disse, hoje, que Manuel Chang não poderá ser julgado em Moçambique, pelos mesmos crimes já julgados nos EUA. Américo Letela explicou ainda que o julgamento do  antigo ministro das Finanças não trouxe nenhum benefício a Moçambique, tanto pela pena aplicada, como pelo ressarcimento ao Estado. “Como se pode constatar, a pena que lhe foi aplicada é

O julgamento do processo no 18/2019-C é conduzido pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, porém as audições vão realizar-se na Machava, província de Maputo, fora da sua área de jurisdição.

A Lei da Organização Judiciária é clara no seu número 3, artigo 13, ao determinar que “as audiências e demais actos judiciais decorrem, em regra, na sede do respectivo tribunal”.

Diz mais, logo a seguir no número 4 do mesmo artigo: “quando o interesse da justiça o aconselhar, as audiências podem decorrer em qualquer outro local, dentro da respectiva área jurisdicional”.

Sucede que a escolha do Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento do processo 18/2019-C, caso das dívidas ocultas, contraria os pressupostos deste instrumento legal. É que, apesar de o julgamento ser conduzido pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, as audições vão realizar-se fora da área de jurisdição de quem julga o caso.

Para perceber os motivos da marcação do julgamento na chamada B.O., o jornal “O País” contactou o Tribunal Supremo e apurou que, afinal, o argumento é que o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo não tem salas com capacidade para acolher o julgamento desta dimensão. É o maior escândalo de corrupção do país, que envolve 19 réus e mais de 20 advogados de defesa.

Porém, o mesmo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo já julgou casos que envolviam mais réus no mesmo processo, tal como foi o caso de Setina Titosse, então directora do Fundo de Desenvolvimento Agrário, que foi julgada com a presença de mais de 20 pessoas.

Porém, refira-se que a maior parte dos envolvidos no esquema das dívidas ocultas está detida nas celas do Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança, sendo que, decerto, o seu julgamento no recinto da B.O. vai facilitar na sua movimentação.

DO CERIMONIALISMO AO DECORO NA SALA DO JULGAMENTO

Como decorre o julgamento? Que cerimonialismos existem e como se devem portar os que assistem ao evento? A seguir, “O País” traz algumas das principais características de uma sessão de julgamento.

O juiz profissional entra por uma porta particular, acompanhado pelos juízes eleitos. E enquanto ele se acomoda na cadeira frontal da sala das audições, nos dois lados (direito e esquerdo), ocupam os assentos os juízes eleitos, que são pessoas sem formação em Direito, porém de reconhecida idoneidade e com capacidade de dirimir conflitos.

Os advogados sentam-se frente-a-frente com o representante do Ministério Público. O famoso banco dos réus é colocado diante dos juízes e, nos restantes, ficam os acompanhantes e todas as outras pessoas que assistem ao julgamento.

Cabe ao escrivão tomar nota de tudo quanto se diz nas audições, enquanto o oficial de Justiça é quem anuncia a entrada do juiz e auxilia na movimentação de documentos de um lado para o outro.

E sobre o decoro na sala das audições, o Código do Processo Penal é detalhista ao falar de deveres de conduta e diz, no artigo 369, que “1. As pessoas que assistem à audiência devem comportar-se de modo a não prejudicar a ordem e a regularidade dos trabalhos, a independência de critério e a liberdade de acção dos participantes processuais e a respeitar a dignidade do lugar. 2. Cabe, em especial, às pessoas referidas no número 1: a) acatar as determinações relativas à disciplina da audiência; b) comportar-se com compostura, mantendo-se em silêncio, de cabeça descoberta e sentados; c) não transportar ou usar objectos perturbadores ou perigosos, nomeadamente armas, salvo quanto a estas, tratando-se de entidades encarregadas da segurança do tribunal; d) manter desligados os telemóveis, computadores portáteis e outros aparelhos de comunicação e transmissão de som e imagem; e) não manifestar sentimentos ou opiniões, nomeadamente de aprovação ou de reprovação, a propósito do decurso da audiência”.

Há, entretanto, excepções determinadas pelo próprio código. O juiz pode autorizar que haja captação de imagens e de som à comunicação social.

Terminadas as audições, o juiz profissional e os eleitos deliberam após o encerramento da discussão. Na deliberação participam, se assim for, todos os juízes eleitos que constituem o tribunal, sob a direcção do presidente, sendo que cada juiz eleito enuncia as razões da sua opinião, indicando, sempre que possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção. Com base nas decisões e no que prescreve a lei, o juiz profissional determina a sentença.

O primeiro argumento do juiz Efigénio Baptista para chumbar o pedido de testemunhas é que parte delas são interessadas no processo sobre as dívidas ocultas.

É o caso de Filipe Nyusi, Presidente da República, que o réu António Carlos do Rosário queria que testemunhasse na qualidade de antigo ministro da Defesa e coordenador do Comando Operativo, além de Jean Boustani, empresário libanês e Arlindo Ngale, gestor da ProIndicus.

O juiz da causa entende, também, que os advogados de António Carlos do Rosário são contraditórios nos seus pedidos, visto que tinham solicitado que se ouvisse Filipe Nyusi e depois um deles prescindiu da diligência requerida.

“Importa verificar diante do exposto que os advogados Alexandre Chivale e Isálcio Mahanjane têm feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério o processo. Revelam uma actividade desonesta, cavilosa, proteladora com a intenção de prejudicar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito”, lê-se no despacho.

Quanto às demais 32 testemunhas solicitadas, que incluem membros do Governo como o primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, ministro da Agricultura, Celso Correira, da Justiça, Helena Kida, da Indústria e Comércio, Carlos Mesquita, entre outros, o Tribunal Judicial da capital do país diz que o requerente não demonstra o contributo destas para a busca da verdade sobre o caso, pelo que considerou o pedido improcedente.

António Carlos do Rosário e Armando Ndambi Guebuza pediram, também, a liberdade provisória.

Ndambi Guebuza argumenta que não há licitude na sua prisão e que a revisão do Código do Processo Penal é de constitucionalidade duvidosa.

Mas o Tribunal entende que subsistem os fundamentos que levaram à detenção do filho do antigo Presidente da República.

Não resta outro caminho ao Tribunal se não dar por improcedente porque não existe, no caso que ora nos ocupa, extrapolação dos prazos de prisão preventiva com culpa formada, susceptível de determinar a ilegalidade da prisão”, diz o despacho.

Já António Carlos do Rosário fundamenta, no pedido, que por ser membro do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), deve responder em liberdade, ao que o juiz entende que não é a primeira vez que o advogado Alexandre Chivale requere a liberdade provisória do réu António Carlos do Rosário com base neste argumento, sendo sempre indeferido o seu pedido, tal como sucedeu no primeiro interrogatório, na instrução contraditória e no Tribunal Supremo em sede do processo no 59/2019 – Autos de Habeas Corpus.

Daí que o requerimento do réu é manifestamente infundado, razão pela qual vai condenado ao pagamento de uma multa de cinco salários mínimos.

A condenação aplicada pelo Juiz Efigénio Baptista basou-se no número quatro do artigo 253 do Código do Processo Penal, que determina que se o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma multa entre um e cinco salários mínimos.

O processo das dívidas ocultas vai a julgamento em menos de 72 horas, sob comando do magistrado Efigénio Baptista, de 42 anos de idade e com 10 anos de experiência. O juiz avisa: “sou alérgico à corrupção, não gosto”. O Tribunal Supremo admite que, pela dimensão do processo, o juiz pode estar a sofrer algum tipo de pressão.

Chama-se Efigénio José Baptista o juiz das dívidas ocultas. Tem 42 anos de idade e é natural de Luabo, na província da Zambézia.

O seu ensino básico foi dividido entre as cidades de Quelimane, na sua província natal, e Beira, na província de Sofala, terra onde nasceu o seu pai. Foi lá onde permaneceu até 2003, quando foi admitido na Universidade Eduardo Mondlane, Cidade de Maputo, para frequentar o curso de Licenciatura em Direito, com uma das melhores médias, 18 valores.

Depois da formação em Direito, concorreu ao Conselho Superior de Magistratura Judicial e lá foi admitido também com uma das melhores notas.

Foi a partir daí que começou a desempenhar o papel de juiz, no dia 1 de Março de 2011. A porta de entrada foi Cheringoma, sendo que, depois de algum tempo, passou a cobrir, simultaneamente, mais dois distritos, nomeadamente Caia e Chemba, todos na província de Sofala.

Mais tarde, a profissão ditou que fosse transferido para Manica e depois para Tete. Neste último ponto, trabalhou de 2017 até 2020, quando foi transferido para a 7ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, tendo sido promovido pelo Conselho Superior de Magistratura para a vara criminal, 6ª secção, a 31 de Março de 2021. É a sua primeira experiência num Tribunal Provincial e como juiz de nível B.

Na secção de que faz parte, já julgou alguns casos, sendo de destacar o do rapto do empresário Munish Cantilal, no qual condenou dois réus a 20 anos de prisão e deliberou a soltura de uma cidadã por falta de provas. O também professor universitário é conhecido por ser severo nas suas decisões.

TRIBUNAL SUPREMO ADMITE QUE JUIZ PODE SOFRER ALGUMA PRESSÃO

Nos últimos dias, com a aproximação da data de início do julgamento, muito se escreve, e diz-se sobre o juiz das dívidas ocultas, inclusive que terá desistido, devido a ameaças. Questionado ontem sobre o assunto pelo jornal “O País”, o Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo e porta-voz daquele órgão, Pedro Nhatitima, foi categórico: “não constitui a verdade que o juiz tenha colocado o seu lugar à disposição. Pelo contrário, está entusiasmado, está muito motivado para o iniciar o assumo das suas actividades a partir da próxima segunda-feira”.

É que, no entender de Nhatitima, para “alguém que assume dirigir um processo desta dimensão, é normal que possa sofrer uma e outra pressão”.

A fonte prossegue advertindo que “Como Estado, como Tribunal Supremo, a nossa obrigação é criar as condições para que o magistrado e os outros intervenientes neste processo exerçam as suas funções com segurança devidamente garantida”.

No que à abertura à imprensa diz respeito, o Supremo assegura transparência sobre todos os detalhes do julgamento das dívidas ocultas. “As condições estão criadas para que o acesso à informação sobre o que vier a acontecer ao longo destes 45 dias seja do conhecimento e do domínio das nossas populações”, disse.

COMO EFIGÉNIO BAPTISTA CHEGA AO CASO DAS DÍVIDAS OCULTAS?

O primeiro magistrado a tratar do processo 18/2019-C foi o Juiz de Instrução do Tribunal Judicial de Maputo, Délio Miguel Pereira Portugal, quem, em 2019, ordenou a detenção de 19 arguidos, supostamente implicados no caso dos empréstimos ilegais.

Contudo, em Abril do mesmo ano, Portugal foi afastado do caso, acusado de violação de preceitos básicos do Código do Processo Penal, na condução do caso. O Conselho Superior de Magistratura transferiu o juiz para a 3ª secção laboral do Tribunal Judicial da Província de Maputo, onde desempenha, até hoje, as funções de Juiz-presidente do Tribunal de Trabalho daquela província.

Assim, o processo sobre as Dívidas Ocultas passou para as mãos da magistrada Evandra Gonçalo Uamusse, juíza de Direito B, da 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, que presidiu os primeiros actos judiciais do processo.

Sucede que, em Abril, num processo interno de movimentação de magistrados, visto com desconfiança pela sociedade civil, Evandra Gonçalo Uamusse foi conduzida para a 10ª secção do mesmo Tribunal e, no seu lugar, foi colocado Efigénio Baptista que, à data dos factos, trabalhava na 7ª secção. O facto foi anunciado através da deliberação n.71/CSMJ/CP 2021, de 31 de Março, na qual: “(…) o Conselho Superior de Magistratura Judicial nomeou Efigénio Baptista, Juiz de Direito B, interino, da 7ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo para a 6ª secção do mesmo Tribunal (…)”.

De todas as formas, não seria a juíza Evandra Gonçalo Uamusse a conduzir o processo, já que o novo Código do Processo Penal indica, no seu artigo 19, que “(1) compete ao juiz de instrução exercer as funções jurisdicionais relativas à instrução, dirigir a audiência preliminar e decidir quanto à pronúncia, nos termos prescritos neste Código; e (2) não pode proceder ao julgamento do arguido o juiz que, no processo respectivo, tenha, contra ele, proferido despacho de pronúncia”.

Ou seja, o magistrado que conduz a instrução preparatória e profere o despacho de pronúncia não é o mesmo que julga o caso.

Fora as movimentações, a prática obriga a realização de um sorteio dentro das secções criminais do Tribunal Judicial, que determina definitivamente quem conduz o julgamento. Quis tal sorteio que fosse Efigénio José Baptista, que disse estar preparado para o desafio, em entrevista exclusiva ao “O País”.

“Eu não estou preocupado em agradar. Eu estou preocupado em fazer o que a lei manda. Então, o que a lei me manda eu faço, o que a lei não manda, eu não faço e ponto final”.

“SOU ALÉRGICO À CORRUPÇÃO”, AVISA

O juiz das dívidas ocultas disse saber que há pessoas que não gostam da sua postura, pelo que avisa: “sou alérgico à corrupção, não gosto”.

As palavras de Efigénio José Baptista têm a ver com o facto de o juiz já ter estado do outro lado da barra da justiça, no banco dos réus. Foi julgado e condenado por duas vezes – primeiro, acusado de ameaças (cinco meses de prisão) e, segundo, acusado de ofensas corporais ou agressão (três meses de prisão).

Entretanto, o juiz nunca esteve preso, porque as penas foram convertidas em multa. Mais do que isso, o magistrado recorreu ao Tribunal de Recurso, que anulou as duas decisões.

Em entrevista exclusiva ao jornal “O País” avançou: “eu tenho ouvido pessoas a falarem, inclusive jornais, dizendo que eu fui condenado, em primeira instância, a três meses de prisão. É verdade! Condenaram-me a três meses de prisão, mas, eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal, porque até a decisão de cinco meses foi anulada pelo Tribunal Superior de Recurso [da Beira]. Só que as pessoas usam aquela decisão que mais as interessa. Não sei por que não colocam a decisão que revogou a outra. Mas, enfim…as pessoas sabem o que fazem”, declarou o magistrado.

E são essas pessoas que dizem mais! Os relatos de uma carreira atribulada e com registo de vários processos criminais e disciplinares não param por aí. No distrito de Caia, foi alvo de contestação popular que teria resultado na queima da sua residência de serviço.

Quando trabalhou em Manica, indivíduos desconhecidos teriam invadido a sua residência de serviço e também defecado na entrada do Tribunal, em 2016.

DE NOVO, EFIGÉNIO JOSÉ BAPTISTA DIZ QUE É TUDO MENTIRA!

“Tenho ouvido pessoas a dizerem que, em Caia, queimaram a minha casa…não sei o quê…mas, não é verdade. Nunca ninguém queimou a minha casa em nenhum lugar”.

É este o juiz que, a partir de 23 de Agosto, começa a ouvir, na B.O, as versões dos 19 réus e 67 declarantes arrolados no processo 18/2019-C, também conhecido como caso das Dívidas Ocultas.

PREPARAÇÃO DO JULGAMENTO

O julgamento do caso das dívidas ocultas vai decorrer sob fortes medidas de segurança. Não é por acaso que a escolha foi o Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da província de Maputo.

Já está quase tudo pronto no espaço vulgarmente chamado BO – estão identificados os locais reservados para o presídio, réus, advogados, Ministério Público e audiência, ou seja, o Tribunal está montado no mais temido estabelecimento penitenciário do país.

A correção de aspectos técnicos, que dura no momento, poderá terminar no fim do dia deste sábado (21 de Agosto), num local que poderá acolher pouco mais de 30 pessoas.

Uma vez que o julgamento é público, a imprensa terá lugar de destaque e tenda exclusiva para o exercício da sua actividade. Aliás, a STV, STV Notícias, O País, STV Play e outras plataformas digitais do Grupo SOICO farão actualizações permanentes das incidências do julgamento.

O Tribunal Supremo (TS) espera que se faça justiça no badalado processo das dívidas ocultas, cujo julgamento inicia próxima semana, em Maputo, envolvendo figuras sonantes no panorama nacional e internacional.

De acordo com o vice-presidente do TS, João Beirão, a expectativa do órgão é que todas as questões, que estão no processo das dívidas ocultas, sejam esclarecidas, que o julgamento ocorra da melhor maneira e que se faça justiça de acordo com a lei.

“Esta é a expectativa do Tribunal Supremo e julgo que é de todos os moçambicanos e de outros cidadãos fora do nosso país”, reagiu João Beirão.

Beirão, que falava esta quarta-feira no distrito de Dondo em Sofala, pouco depois de proceder à inauguração de um novo edifício do Tribunal Judicial daquele distrito, acrescentou que é difícil prever, neste momento, o desfecho deste caso das dívidas ocultas, porque é um processo e contém elementos”. Beirão comentou que “naturalmente, como devem saber, o juiz julga de acordo com a lei e a sua consciência. E nós esperamos que este julgamento ocorra com maior isenção possível, como tem acontecido com outros processos”.

Questionado se havia algum processo em curso no país para julgar elementos da Junta Militar da Renamo, o vice-presidente do TS disse que, nos processos judiciais, não se dão prioridades a questões partidárias, ou seja, todos os indivíduos são iguais perante a lei.

“Além dos processos que são do conhecimento público, não há outros escondidos. Nada temos a esconder. Nós não julgamos nomes ligados à Renamo, MDM, Frelimo, ou um outro partido qualquer. Nós julgamos cidadãos que violaram a lei e que haja um processo contra eles”, respondeu Beirão.

Em relação ao Tribunal Judicial do Dondo ora inaugurado, que irá reforçar o antigo, Beirão disse que, com a infra-estrutura, a demanda processual vai aumentar.

“É nossa expectativa que os beneficiários e a população em geral acreditem na justiça, porque à medida que nós vamos respondendo satisfatoriamente às solicitações do público, obviamente que elas passarão a acreditar cada vez mais na máquina judiciária nacional”, concluiu.

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) espera que o julgamento do caso das “dívidas ocultas”, que arranca depois da próxima semana, seja conduzido de forma justa e sem quaisquer interferências internas nem externas. A entidade falava esta esta quinta-feira, em conferência de imprensa que visava informar sobre a sua participação do processo como assistente.

A Ordem dos Advogados de Moçambique, ainda durante a fase de instrução preparatória, em 2019, requereu e foi admitida a sua constituição como assistente no processo-crime nº 18/2019-C, vulgo processo das dívidas ocultas, que ocorre nos seus termos na 6.ª Sessão do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, no qual o Ministério Público acusou 19 arguidos, sendo que 70 testemunhas serão ouvidas para o esclarecimento do maior escândalo de corrupção no país.

Como única entidade assistente do processo, a Ordem dos Advogados de Moçambique estará representada, no julgamento, por sete advogados, nomeadamente Gilberto Correia, Flávio Menete, Arlindo Guilamba, Filipe Sitoi, Vicente Manjate, João Nhapossa e o Duarte Casimiro, o bastonário em exercício da OAM.

No âmbito da sua intervenção neste processo, a Ordem dos Advogados de Moçambique refere que vai assegurar que o julgamento seja conduzido obedecendo à lei e de forma justa e transparente.

“Efectivamente, a intervenção da OAM não se resumirá apenas em participação directa, mas irá incidir também na promoção da transparência e imparcialidade do julgamento, bem como na conjugação e aumento da consciência dos cidadãos sobre a importância deste processo na boa-governação e direitos humanos.”

O Bastonário da OAM, Duarte Casimiro, considera que, pela complexidade e natureza do processo, este configura ser um dos mais marcantes na história do país.

“É a primeira vez em que temos um processo desta natureza, nunca tivemos um caso similar, pelo menos com tanta gente envolvida e, nesse sentido, será, sem dúvida, uma escola para nós todos, inclusive até para os próprios juízes que vão intervir no processo. E quanto àquilo que sairá, não quero fazer futurologia, porque não sei exactamente como é que vai ocorrer o processo, mas quero acreditar que tudo será feito para que seja apurada a verdade. Que seja possível, depois do julgamento, ficarmos todos cientes de que a justiça foi feita.”

Por outro lado, o advogado Filipe Sitoi que, por sinal, é um dos listados para representar a OAM neste processo como assistente, avançou que, dadas as mexidas no Código do Processo Penal, o novo instrumento traz algumas mudanças na forma como vai decorrer o julgamento, com destaque, inclusive, na mudança do juiz.

“É importante também clarificar à sociedade e à comunicação social que as regras de jogo do Código do Processo Penal também mudaram, na medida em que o Tribunal de julgamento tem um novo juiz que é diferente daquele que presidiu a instrução preparatória e contraditória. Conforme os jornalistas bem sabem, era uma juíza, portanto mudou a lei processual penal. O juiz, que intervém na fase de instrução, não é o mesmo que vai intervir no julgamento, por força da lei aprovada pela nossa Assembleia da República.”

Outrossim, a entidade aponta que, dada a mediatização deste processo e a abertura para a transmissão televisiva em directo, o respectivo julgamento poderá propiciar aproveitamentos e comportamentos indevidos, pelo que a OAM apela, igualmente, a todos os seus membros para pautarem sempre pelo estrito dos limites éticos, procurando desempenhar sempre um papel de educador.

A entidade aproveitou a ocasião e exortou os intervenientes ao estrito cumprimento das regras éticas e deontológicas e, em particular, as relativas à proibição de promover debates públicos sobre as matérias do processo, ao tratamento cordial entre as partes, à igualdade e reciprocidade de tratamento, bem como ao respeito pelas prerrogativas funcionais.

No final de tudo, a OAM espera, que este julgamento constitua uma oportunidade ímpar para que todos intervenientes contribuam para a promoção da transparência e da consolidação das instituições e profissões que representem.

Em face as particularidades desse processo, a entidade diz que continuará a dedicar especial atenção à defesa e reforço das prerrogativas dos advogados, através de um serviço de denuncia directo à Comissão de Defesa e Reforço das Prerrogativas Profissionais dos Advogados.

De referir que as audições do julgamento do caso das dívidas ocultas vai decorrer nas instalações do estabelecimento penitenciário de Máxima segurança, vulgo BO.

Comentadores do programa “Noite Informativa”, da STV Notícias, defendem que o julgamento do escândalo das dívidas ocultas poderá gerar desbloqueamento da ajuda da comunidade internacional a Moçambique. Os intervenientes dizem, ainda, que o julgamento poderá influenciar na escolha do próximo Presidente do país.

Para Ismael Mussá, comentador do programa informativo, a expectativa é que este julgamento decorra de forma célere “e não o que aconteceu com o processo todo que levou ao julgamento, aquela lentidão toda; que a gente possa em definitivo esclarecer o caso e responsabilizar as pessoas”.

“Mas o que nós queremos, em última instância, é que as portas se abram para Moçambique, que o país volte a receber ajuda internacional, volte à normalidade no sistema financeiro internacional”, acrescentou Mussá.

O comentador foi mais além ao afirmar que a condenação de alguns membros do partido no poder, FRELIMO, envolvidos no escândalo das dívidas ocultas “poderá criar efeitos colaterais no partido e na estrutura política do país”.  Mussá acredita que o julgamento não é uma questão fácil, tanto para o juiz, como para quem esteja no poder hoje.

Falando sobre o julgamento dos envolvidos, Ismael Mussá destacou a possibilidade de existir inocentes, acrescentado que “nada melhor do que um julgamento para clarificar as coisas. Nós queremos que as coisas sejam clarificadas”.

Para Dércio Alfazema, outro comentador, “as dívidas ocultas colocavam Moçambique numa situação de embaraço, no sentido em que o país era contado nos índices de avaliação de corrupção, como sendo um país bastante corrupto e que não demostrava sinais de melhoria”.

Por seu turno, Américo Ubisse, que também interveio no programa, reforçou que é papel das autoridades de justiça proceder diligentemente na resolução deste problema, que há muito manchava o país a nível internacional, recordando que o escândalo contribuiu para a crise económica que atingiu vários cidadãos.

O julgamento do caso das dívidas ocultas está previsto para o próximo dia 23 de Agosto.

As audiências de julgamento vão decorrer na Cadeia de Máxima Segurança da Machava – vulgo BO – onde, além dos 19 réus, serão ouvidos 67 declarantes, com destaque para o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, o antigo Governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, e o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane.

Seis anos depois da sua abertura, o processo 1/PGR/2015, sobre as dívidas ocultas, vai a julgamento. Serão 32 dias durante os quais o Tribunal fará a produção de provas sobre as circunstâncias nas quais foram contraídas as dívidas ocultas que lesaram o Estado em 2.2 biliões de dólares americanos, naquele que é considerado o maior escândalo financeiro em Moçambique após a independência.

A agenda do julgamento é confirmada por um despacho do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a que o jornal “O País” teve acesso, no qual se pode ler: “para o início da audiência de discussão e julgamento designo o dia 23 de Agosto de 2021, pelas 09:00 horas, no Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava –   B.O”.

Pela complexidade do caso, serão ouvidas, no total, 86 pessoas, das quais 19 réus, cuja audição vai preencher os primeiros oito dias de julgamento. Dos 19 arguidos, o destaque vai para:

– Teófilo Nhangumele, descrito como sendo uma peça-chave no processo, por ter sido supostamente a pessoa que apresentou o projecto da vigilância costeira ao Governo do antigo Presidente, Armando Guebuza, em 2011.

– Armando Ndambi Guebuza, filho de Armando Guebuza, apontado como influenciador da decisão do seu pai, na altura em que era Presidente da República, sobre a aprovação dos projectos que deram origem aos empréstimos ilegais.

– Gregório Leão, antigo director do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE); e

– António do Rosário, antigo director nacional da Inteligência Económica no SISE e administrador-delegado das três empresas públicas no centro das dívidas, nomeadamente Ematum, Proindicus e MAM.

Nos restantes 24 dias, serão ouvidos os 67 declarantes, entre os quais se destacam Armando Guebuza, à data dos factos antigo Presidente da República; Isaltina Lucas, então directora nacional de Tesouro no Ministério das Finanças; Ernesto Gove, então Governador do Banco de Moçambique; e Adriano Maleiane, actual ministro da Economia e Finanças.

Entretanto, em relação ao antigo Presidente da República, Armando Guebuza, que é membro do Conselho de Estado, a lei impõe que “deve solicitar-se a autorização do Conselho de Estado para, querendo, autorizar a prática daquele acto (…), dado que a solicitação deve ser dirigida à Sua Excelência o Presidente da República e o competente ofício deve ser assinado pelo Venerando Presidente do Tribunal Supremo;

Já para Adriano Maleiane, membro do Governo, “de igual modo deve ser assinada pelo Venerando Presidente do Tribunal Supremo a requisição do (…) ministro da Economia e Finanças, dirigida à Sua Excelência o Primeiro-ministro”.

De acordo com o despacho do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, é permitida aos meios de comunicação social a narração dos actos processuais, transmissão ou registo de imagens ou de tomada de som da audiência de julgamento.

Filipe Nyusi pode ser notificado por entidades da Privinvest sobre o processo que decorre no Tribunal Superior de Londres no quadro das dívidas ocultas. A autenticidade do conteúdo do despacho de autorização de notificação foi confirmada ao “O País” esta terça-feira pela Procuradoria-geral da República.

O Tribunal de Londres autorizou entidades da Privinvest e seu proprietário, Iskandar Safa a notificarem o Presidente da República, Filipe Nyusi, nos processos cíveis movidos pela Procuradoria-geral da República no quadro das dívidas ocultas.

A notícia que já era avançada por alguns órgãos de informação foi confirmada por um despacho do Tribunal Superior de Londres, tornado público sexta-feira, dia 28 de Maio, cuja autenticidade foi confirmada esta terça-feira pela Procuradoria-geral da República.

Em causa está um processo cível movido desde 2019 pelo Ministério Público moçambicano a Procuradoria-geral da República contra entidades e executivos da Credit Suice e Privinvest para tentar anular a dívida de 622 milhões de dólares da empresa ProIndicus ao Credit Suisse e pedir uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das dívidas ocultas.

Em Fevereiro deste ano, entidades da Prinvivest e o seu proprietário Iskandar Safa pediram ao Tribunal autorização para notificar o Presidente da República, Filipe Nyusi, ao que o Tribunal determinou que: “os requerentes têm autorização para notificar a Quarta Parte: a) por notificação directa (…) no Palácio da Ponta Vermelha, Maputo, Moçambique e/ou no Gabinete do Presidente, Avenida Julius Nyerere 1780, Maputo, Moçambique ou em qualquer outro lugar em Moçambique; e por notificação através de diferentes canais diplomáticos, conforme permitido pela lei moçambicana e pelas regras de procedimentos civil da Inglaterra”.

De acordo com o despacho, nos termos das normas inglesas de procedimento cível, Filipe Nyusi deve, no prazo de 23 dias, acusar a recepção da notificação, admitir ou contestar os factos.

O Tribunal de Londres autorizou ainda Iskandar Safa e entidades da Privinvest a notificarem aqueles a que o documento considera terceiros relevantes, nomeadamente: Manuel Chang, antigo ministro das Finanças, António do Rosário, PCA das três empresas envolvidas nos empréstimos, Armando Emílio Guebuza, antigo Presidente da República, Armando Ndambi Guebuza, filho do antigo Presidente da República e Gregório Leão, antigo Director dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SISE).

Entretanto, de acordo com o documento “qualquer um deles pode requerer a rejeição ou alteração deste despacho no prazo de sete dias após o mesmo lhe ter sido notificado. Se, no entanto, qualquer um deles contestar a jurisdição do Tribunal, de acordo com as Regras de Procedimento Civil, poderão requerer a rejeição ou alteração deste despacho (…) no prazo de 28 dias após receber ou tomar conhecimento da notificação”.

O Tribunal Supremo decidiu libertar 11 arguidos do processo das dívidas ocultas mediante pagamento de caução e termo de idade e residência. Porém sete arguidos, que compõem o “núcleo central” do dossier, permanecerão em prisão preventiva. O Supremo decidiu levar todos ao julgamento.

É o desfecho de um recurso que já passou por três tribunais. Em acórdão proferido esta quarta-feira o Tribunal Supremo decidiu pela libertação de 11 arguidos que aguardavam julgamento em prisão preventiva.

O “O País” soube de fonte próxima ao processo, que dos 11, seis são libertos mediante pagamento de caução. Destes destacam-se Fabião Mabunda que deve pagar 10 milhões de Meticais, Renato Matusse 6.1 milhões, Inês Moiane 3 milhões, Khessaujee Pulchand 1.2 milhões, Sérgio Namburete 522 mil e Zulficar Ali Esmail Ahmad (309 mil Mts).

Os restantes arguidos saem sob Termo de Identidade e Residência, o que significa que antes do desfecho do caso não podem sair do país e devem apresentar-se regularmente ao tribunal. São eles Crimildo Manjate, Naimo Quimbine, Mbanda Henning, Sidónio Sitoe e Simione Mahumana.

Mas o considerado “núcelo central” do dossier das dívidas ocultas vai continuar em prisão preventiva. São sete, nomeadamente Gregório Leão e sua esposa Ângela Leão, Bruno Langa, Nhambi Guebuza, Teófelo Nhangumele, António do Rosário e Cipriano Mutota.

Entretanto o Supremo decidiu manter a pronúncia de todos os arguidos, ou seja, todos serão levados ao julgamento. O acórdão foi submetido esta quinta-feira ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo para notificação das partes.

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