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Chang não será responsabilizado em Moçambique por crimes julgados nos EUA

O Procurador-Geral da República disse, hoje, que Manuel Chang não poderá ser julgado em Moçambique, pelos mesmos crimes já julgados nos EUA. Américo Letela explicou ainda que o julgamento do  antigo ministro das Finanças não trouxe nenhum benefício a Moçambique, tanto pela pena aplicada, como pelo ressarcimento ao Estado. “Como se pode constatar, a pena que lhe foi aplicada é

Teófilo Nhangumele é acusado de ter recebido ilegalmente 8.5 milhões de dólares. O projecto que desenhara visava, essencialmente, garantir a protecção da Zona Económica Especial, fiscalizando as embarcações que se fizessem à costa moçambicana e que, para tal, tinha de se comprar radares, serviços de satélite, aviões entre outros meios e que os preços poderiam variar em função das especificações.

Do valor que recebeu ilegalmente, explicou ao juiz da causa, que o ouviu por duas vezes, hoje, que comprou uma casa e duas flats na Cidade de Maputo, comprou carros para as filhas e para a sua esposa.

Diz também que fez alguns investimentos que “não saíram bem, inclusive fora do país”, além de ter gastado o valor com despesas correntes.

Na vizinha África do Sul, Nhangumele é titular de uma conta bancária no First National Bank (FNB), conta para a qual teria canalizado parte do valor da outra existente em Abu Dhabi.

NHANGUMELE DIZ QUE “MASSAGEAR SISTEMA” NÃO ENVOLVIA DINHEIRO, MAS E-MAIL DE BOUSTANI SUGERE PAGAMENTOS

Questionado pelo Ministério Público, na voz de Ana Sheila Marrengula, o réu Teófilo Nhangumele respondeu que teria explicado a Jean Boustani sobre os procedimentos para a materialização do projecto de protecção da Zona Económica Especial, através da única empresa moçambicana que tinha conhecimento que estaria nesse projecto e haveria necessidade de “massagear o sistema”. Interrogado sobre o significado de “massagear o sistema”, Nhangumele detalha que é o processo pelo qual se garante celeridade na aprovação de um projecto pelas autoridades moçambicanas, que inclui levá-las a conhecer melhor o projecto e chamá-las a acompanhar apresentações.

Marrengula quis saber se o “massagear o sistema” envolvia algum pagamento de dinheiro aos que conduziam o processo (no caso, ele e Cipriano Mutota – também réu), pelo que garantiu que não se esperava pagamento algum. Entretanto, a procuradora do Ministério Público confrontou-o com o e-mail de resposta a Nhangumele, enviado pelo gestor da Privinvest, Jean Boustani, no qual este dizia que não se podia fazer nenhum pagamento antes da aprovação do projecto. O réu negou, mesmo assim, que tenha havido necessidade de algum pagamento, dizendo não saber explicar o porquê Boustani teria respondido nesses termos.

Admite que o projecto desenhado por si e por Mutota era avaliado em cerca de 302 milhões de dólares e que, quando saiu, o valor já tinha crescido para perto de 360 milhões. Porém, diz que não participou da constituição da empresa ProIndicus e sequer entende como é que, de repente, a ProIndicus foi contrair um empréstimo de 622 milhões de dólares.

Teófilo Nhangumele, Armando Ndambi Guebuza e Bruno Langa eram alguns integrantes da viagem à Alemanha, cujo objectivo era conhecer a Privinvest, entidade ligada à Abu Dabi Mars e que, depois, fecharia contratos com o Estado moçambicano para a protecção da Zona Económica Exclusiva. Os três não tinham nenhuma ligação contratual com o Estado moçambicano.

Entretanto, segundo Teófilo Nhangumele, réu que está a ser ouvido pelo juiz que julga o caso das dívidas ocultas, ele (Nhangumele), o filho do Ex-Presidente da República (Ndambi Guebuza) e o amigo deste último (Bruno Langa) seriam representantes da empresa Abu Dabi Mars-Moçambique, que seria criada para facilitar contratos com o Estado moçambicano, ainda com o objectivo de protecção da Zona Económica Exclusiva.

Nhangumele revela, ainda, que passou, junto a Bruno Langa, a ser representante da Privinvest em Moçambique.

Diz que Jean Boustani (empresário líbano da Privinvest) não conhecia António Carlos do Rosário, homem do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), e que este último foi levado pelos então representantes da Privinvest em Moçambique para conhecer o empresário libanês, Boustani.

O réu argumenta que fecharam acordo de consultoria (assinado por si e por Bruno Langa), em nome da Privinvest (no âmbito dos contratos com as autoridades moçambicanas para a protecção do país), mas Armando Ndambi Guebuza não assinou, porque haveria conflito de interesses, visto que é filho do então Presidente da República, Armando Emílio Guebuza.

Nhangumele mandou, segundo a acusação do Ministério Público, um e-mail a Jean Boustani a indicar o valor da sobrefacturação nos contratos, que depois beneficiaria a si, com o seguinte teor: “Bom, irmão, eu consultei e, por favor, coloque 50 milhões de frangos. Quaisquer números que for a enviar, eu irei colocar 50 milhões da minha raça”.

De acordo com Teófilo Nhangumele, o valor foi partilhado entre os três representantes da Privinvest em Moçambique (Nhangumele, Ndambi e Bruno) e o oficial do SISE (António Carlos do Rosário).

No decurso do interrogatório, o Ministério Público pediu a Teófilo Nhangumele que apresente o documento que comprove a intenção que havia de criar a Abu Dabi Mars-Moçambique.

Na manhã desta quinta-feira, em resposta às questões do Juiz, Teófilo Nhangumele disse que a primeira vez em que falou com Ndambi Guebuza foi em 2012, no aeroporto de Joanesburgo, a caminho de uma viagem à Alemanha. Entretanto, o Juiz questionou ao réu sobre o envio de um e-mail aos 22 de Novembro de 2011 com um currículo e que colocou Ndambi Guebuza em cópia.

“Eu enviei esse e-mail, sob orientação de Feizal Sidat, a Zuneid, seu sobrinho. Coloquei Ndambi Guebuza em cópia, mas não o conhecia. Quando nós pedimos emprego, mandámos e-mail para várias pessoas. Eu não tinha entendido que isso significa falar com alguém”, explicou Nhangumele.

O réu insistiu que falar e enviar e-mail são coisas diferentes, entretanto Efigénio Baptista disse que estava satisfeito com a resposta e propôs que se passasse para outra pergunta.

Ainda hoje, Teófilo Nhangumele disse que recebeu o projecto da Zona Económica Exclusiva a Privinvest por e-mail.

Efigénio Baptista confrontou, igualmente, Nhangumele com o envio de um e-mail a Bruno Langa e a Ndambi Guebuza, com o programa da visita à Alemanha, a 8 de Dezembro. Mas, Nhangumele tinha dito que não sabia que Bruno Langa também seguiria à viagem.

“Eu mandei o programa porque já havia a decisão de que ele (Bruno) ia viajar. Quem me avisou foi uma senhora que me ligou de um número fixo a perguntar se eu conhecia o Bruno. Com isso, eu entendi que ele também ia seguir à viagem”, disse.

Entretanto, Efigénio Baptista não ficou satisfeito com a resposta e quis saber como o réu sabia que Bruno ia viajar, ao que o réu respondeu “prefiro abster-me”.

Na audição, que ontem durou pouco mais de duas horas, Teófilo Nhangumele disse que foi contactado para prestar serviço de consultoria em relação a um projecto de protecção costeira. Depois de avançar dados numéricos, foi afastado e, quando voltou a ter informação sobre o assunto, já não se tratava de protecção costeira, sendo, desta vez, do pescado de atum.

A audição a Teófilo Nhangumele durou aproximadamente duas horas, neste terceiro dia do julgamento do caso “dívidas ocultas”. Durante a sua reconstituição dos factos, o arguido disse que não faz negócios estranhos com os funcionários do Estado e sublinhou: “O funcionário do Estado, que quer ser milionário, deve sair do Estado”. Deste modo, Nhangumele explicava que a sua colaboração com o SISE, na qualidade de consultor, visava a protecção da costa moçambicana. Portanto, tratava-se de um projecto de informação e não de atum. Por isso, mais tarde, depois de ter sido afastado, pela parte moçambicana, espantou-se quando ficou a saber da EMATUM e das questões ligadas à empresa através da imprensa.

Ao reconstituir os factos, Teófilo Nhangumele afirmou que o seu envolvimento no projecto de protecção da costa moçambicana começou numa reunião em que participou, convidado por Cipriano Mutota, no Ministério da Ciência e Tecnologia. Naquela altura, reconheceu algumas pessoas no encontro, em que esteve Jean Boustani, sendo que a função de Nhangumele era de tradutor de língua inglesa para português e vice-versa. Na reunião, disse, foi apresentado mais um projecto, que envolvia barcos e satélites. De Boustani, ficou a percepção de que os quadros do ministério não tinham percebido o essencial do que tinha sido apresentado. Para o réu, com efeito, a tentativa de protecção da costa moçambicana era importante, porque o território nacional, naquela altura, era utilizado para o tráfico de armas sofisticadas, que poderiam perigar o Estado.

A partir daí, Teófilo Nhangumele e os seus colegas começaram a desenhar a proposta, e aí iniciaram as viagens para que se inteirassem do procedimento de gestão dos sistemas. Desenhado o primeiro conceito, com a identificação de problemas reais, Teófilo Nhangumele foi convidado a participar numa reunião na Presidência da República. O então Chefe do Estado, Armando Guebuza, não participou. Quem esteve no seu primeiro encontro na Presidência foi o ministro da Defesa (na altura, Filipe Nyusi), do Interior, dos Transportes (na altura, Paulo Zucula), das Pescas (Victor Borges), das Finanças (Manuel Chang), o então director-geral do SISE (Gregório Leão), Cipriano Mutota e Teófilo Nhangumele. No encontro, foi feita a apresentação do conceito sobre como iriam usar o equipamento para a realidade moçambicana, de forma específica. Houve boa reacção e sugestões para se aperfeiçoarem os documentos. Foi nessa altura em que Nhangumele comunicou a Jean Boustani que tinha informação animadora.

Terminado o trabalho dos números, foi marcada mais uma reunião na Presidência da República. No encontro, falou-se dos números, custos, capacidades e de como poderiam pôr a funcionar o sistema. “Lembro-me de ter reparado que, no segundo encontro, não estavam dois ministros: Zucula e Borges”. O arguido estranhou a ausência, porque entendia que eles eram importantes. Em vez deles, participaram na segunda reunião os outros que estiveram na primeira. A dada altura, disse Nhangumele, Armando Guebuza perguntou como iriam financiar, pelo que Manuel Chang respondeu que podia ver a questão do financiamento.

Teófilo Nhangumele reforçou que o projecto de protecção costeira era tão importante e incrível que, se as pessoas que estavam na sala de audiência, esta quarta-feira, pudessem ver o que se passa na costa moçambicana, mudariam de opinião em relação ao projecto.

Nhangumele disse ainda Jeran Boustani ajudou a encontrar financiamento do projecto no estrangeiro, e que Credit Suisse interessou-se.

Já numa fase adiantada, Nhangumele disse que o ministro da Defesa (na altura Filipe Nyusi) foi quem pediu ao Presidente Guebuza para se avançar com o projecto de protecção da costa moçambicana. Por sua vez, “o Presidente da República respondeu que se estivéssemos satisfeitos, podíamos avançar”. Então, o arguido tratou de falar com o então ministro da Defesa e com o então director-geral do SISE para se avançar com as assinaturas.

Ainda esta quarta-feira, Nhangumele lembrou que, a certa altura, Cipriano Mutota, seu amigo há muitos anos, o informou de que teve conhecimento de que iriam afastá-lo do projecto, porque não era do SISE. “Confesso que não gostei nada de saber disso. Eu fazia os cálculos, as tabelas, quem sabia do combustível que se gastava de Sul e ao Norte era eu. Perguntei como ficaria o projecto”. Foi o ministro da Defesa, Filipe Nyusi, que, na altura, disse que não trabalhariam mais com ele, e que devia entregar as pastas ao senhor Matlaba. A partir daí, deixou de falar com Cipriano Mutota, porque estava aborrecido, e com Jean Boustani, que deixou de lhe atender. Logo, não sabe dos projectos sobre a pesca de atum, porque não fez parte disso.

Quando o projecto ficou fechado, chegou então o momento de Teófilo Nhangumele ser pago pelo trabalho de consultoria prestado à Privinvest ao longo do tempo. Assim, viajou para Abu Dhabi e lá abriu a conta bancária para a qual foi depositado o valor. A informação de que tinha sido pago pelo serviço de consultoria prestado Nhangumele teve de Bruno Langa. “Fiquei feliz! Como não tinha como saber que o valor tinha sido depositado na conta bancária em Abu Dhabi, liguei ao Jean Boustani, mas ele não me atendeu”.

Cinco meses depois da última estada em Abu Dhabi, Nhangumele viajou e confirmou que o dinheiro lá estava. “Eu queria dar algum dinheiro para Mutota se orientar, porque Mutota ele é meu amigo. Mutota não pede dinheiro a ninguém. É uma pessoa muito simples. Mas não lhe dei”. Segundo o arguido, assim não o fez porque temeu arranjar problemas a Cipriano Mutota.

Resumindo, Teófilo Nhangumele disse que foi contactado para prestar serviço de consultoria em relação a um projecto de protecção costeira. Depois de avançar dados numéricos, foi afastado e, quando voltou a ter informação sobre o assunto, já não se tratava de protecção costeira, mas de pescado de atum.

O julgamento, que já vem no seu terceiro dia, iniciou, mais uma vez, com a apresentação de questões prévias. Uma das mais candentes tem a ver com as audiências e a indagação era no sentido de que se deviam ser públicas, tal como o têm sido, ou não. Uma questão apresentada por Rodrigo Rocha, advogado de Cipriano Mutota, que começou a ser ouvido ontem.

Em reacção, o Juiz explicou que o direito à dignidade e ao bom nome, que os réus têm, tem o mesmo valor constitucional que o Direito à Informação e à liberdade de expressão de que gozam os meios de comunicação social e, por isso, segundo Baptista, as audiências continuarão a realizar-se publicamente.

“Vou manter a minha decisão inalterada e audiências continuarão a ser públicas”, determinou Efigénio Baptista.

O Código do Processo Penal a ser aplicado voltou a debate. Os advogados defendem que se deve avaliar o de 1929 e o de 2019 para se confrontar o que é mais favorável. Esta é uma posição com que o Juiz disse concordar. “Vamos ver qual é o Código mais favorável, mas é preciso sempre conformar com o que diz a Constituição”, disse Baptista.

No entanto, a magistrada do Ministério Público disse que não faz sentido aplicar dois Códigos.

“Isto é um caos jurídico. Todos os dias, a níveis dos tribunais há esta confusão. O Processo Penal visa a aplicação do Direito substantivo. Há uma insegurança jurídica. E o meritíssimo Juiz, ciente deste facto, tomou uma decisão e devemos seguir. Vamos aplicar o Código de 1929. Vamos prosseguir. Não me parece que tenhamos que recuar. E, no momento certo, os advogados poderão interpor recurso”, disse Ana Sheila Marrengula.

Reagindo, o advogado Abdul Gani propôs ao Ministério Público que deve manifestar o seu descontentamento à Assembleia da República, na qualidade do órgão legislador.

MUTOTA NEGA TER FORMADO UM GRUPO COM CO-RÉUS PARA DELAPIDAR O ESTADO

Em perguntas de insistência, o réu Cipriano Mutota negou ter formado um grupo com os co-réus Gregório Leão, António Carlos do Rosário, Bruno Langa, Teófilo Nhangumele, e Ndambi Guebuza, em coordenação com Jean Boustani, para desenhar um plano, visando apoderar-se dos fundos do Estado.

Mutota respondia às questões de insistência de Abdul Gani, que sublinhou que “redondamente, nego a existência disso, nunca aconteceu isso” e desafiou quem fez a acusação a provar os tais encontros.

O arguido disse ainda que, com os réus Gregório Leão, António Carlos do Rosário, Bruno Langa e Ndambi Guebuza, não tem nenhuma relação e nunca privaram para questões de que se fala, excepto com Bruno Langa, com quem estivera juntos “no Café Acácias, numa conversa banal; foi o único dia com o meu amigo Teófilo”, disse Mutota.

Por sua vez, o advogado Alexandre Chivale questionou quantos e quais tipos de oficiais o SISE tem e réu Cipriano Mutota disse que prefere abster-se de responder.

Chivale questionou, mais uma vez, a Mutota se tem conhecimento de algum fundo de Estado pago a Ndambi Guebuza ou a Do Rosário e o arguido voltou a deixar claro que “não tenho conhecimento”.

Foi questionado ainda sobre o “General Guebuza”, acerca do qual disse, na audição de ontem, que lhe terá entregado um documento, se era ou não da família do então Presidente da República, mas ele respondeu que nunca privou com “o indivíduo, nunca o vi pessoalmente e nunca lhe entreguei nenhum documento”.

Sobre a reunião, que teve lugar no gabinete do então ministro da Defesa, mais uma vez o réu não confirmou se era do comando conjunto ou operativo.

Mas, avançou que não podia ser nem de um nem de outro, porque não estavam lá todos os elementos que formam esses comandos.

Segundo Mutota, fazem parte do comando operativo o ministro da Defesa, do Interior, o director do SISE e alguns chefes. “Esta não era uma reunião do comando conjunto ou operativo, mas estávamos eu, o ministro da Defesa, o meu director e Teófilo, mas não recordo se estava o ministro do Interior”.

Ademais, foi questionado sobre o motivo de ter participado nos encontros para apresentação de “drafts” na Presidência da República, mas respondeu que não sabia da razão.

“Quero clarificar que foram duas apresentações em dois encontros e não estive na primeira”, respondeu.

Disse, ainda, que, depois de o projecto ter sido desenhado, a sua intenção e de Teófilo Nhangumele era conseguir o financiamento do Estado e, por isso, foram ter com o então ministro das Finanças, mas o seu projecto não “andou” e por isso, não teve conhecimento do valor.

“A versão implementada não tem nada a ver com o que eu e o Teófilo desenhámos, não era a nossa perspectiva”, disse, tendo acrescentado que “até onde participei com o Teófilo, o valor era de 302 milhões e sobre o outro não sei”.

Já o seu advogado Rodrigo Rocha quis saber se alguma vez forjou ou falsificou algum documento, tendo respondido que não se recorda, mas já escreveu uma carta “com um conteúdo não verdadeiro, ou seja, menti mas não falsifiquei”.

Cipriano Mutota afirmou, ainda, que nunca recebeu dinheiro do SISE como gratificação por algum trabalho “porque fazemos o nosso papel a título patriótico, não é prática haver alguma bonificação”, destacou.

O representante da Ordem dos Advogados de Moçambique, Flávio Menete, colocou questões a Cipriano Mutota, neste segundo dia do julgamento do caso dívidas ocultas. Na sequência das questões colocadas pela OAM, o réu confirmou que Teófilo Nhangumele é colaborador do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), mesmo não sendo quadro efectivo da instituição.

Cipriano Mutota disse que em 40 anos como oficial do SISE foi a primeira vez que elaborou um estudo/ projecto e que não tinha expectativa de receber dinheiro em troca da sua contribuição.

Mutota clarificou que o projecto de viabilidade da empresa Proindicus não parou no Gabinete de Estudos e Projectos do SISE. Apenas o chefe desse gabinete, no caso o réu, foi convidado a integrar um grupo para a concepção do projecto, pelo que os outros integrantes do Gabinete de Estudos e Projectos do SISE não têm nada a ver com o documento.

Nesta noite, Cipriano Mutota disse que teve o interesse de negociar com a Procuradoria a devolução do dinheiro por ele recebido. Mas, agora, já não tem o valor. Ainda assim, acrescentou que tem capacidade para trabalhar de modo a devolver o dinheiro recebido, se esse for o entendimento. Quer isto dizer que o valor recebido por Mutota já não existe, segundo o réu, e que não tem capacidade para o devolver.

Num interrogatório conduzido pelo Ministério Público, o réu Cipriano Mutota foi questionado sobre como é que Teófilo Nhangumele recebeu convite para fazer parte do projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique.

Uma resposta que Cipriano Mutota diz que precisa de uma autorização para dar. “Esta questão persegue-me desde a PGR e choca com o meu trabalho. Preciso de uma autorização para responder a essa pergunta.”

Mutota disse ainda, que pediu para ser acompanhado por Nhangumele ao encontro, no qual foi apresentado o projecto, para que ele o ajudasse a fazer a tradução, uma vez que a conversa seria em inglês. Entretanto, antes de chegar ao local da reunião, não tinha conhecimento sobre a agenda.

Por sua vez, o Ministério Público questionou se não havia serviços de tradução e interpretação no encontro, ao que Cipriano Mutota respondeu não lembrar.

Cipriano Mutota explicou, ainda, após ser questionado pelo MP, em que consistia o projecto de protecção costeira.

“Teríamos duas lanchas de apoio em Maputo e na Beira. Também haveria equipamentos para sobrevoar e tirar imagens de todos os objectos estranhos. O objectivo da visita às instituições que citei era para aprimorar as componentes que iam integrar o projecto. A ideia era proteger a área costeira e também a área terrestre. Haveria um reforço nas nossas fronteiras. O projecto era para ser implementado gradualmente. E a próxima fase dependia do sucesso da outra. Numa primeira etapa, previa-se a compra de três navios e uma avioneta”, relatou.

Questionado sobre como é que aplicou o valor recebido, como forma de agradecimento pelo trabalho prestado, o réu disse que o foi gastando gradualmente. “Não apliquei o valor em nenhum bem específico. Fui gastando o valor aos poucos. Tenho uma machamba em Mocuba, que plantei gergelim e milho. É só disso que me recordo.”

O primeiro réu ouvido pelo tribunal revelou ainda que foi feito um estudo de viabilidade, “que previa várias fontes de receita e a principal era o serviço de protecção de empresas petrolíferas, cobrança de taxas sobre o canal de Moçambique, entre outras”.

O réu, que é acusado de ter recebido USD 980 mil, disse ao Ministério Público que, através de Ângela Leão, numa conversa no seu escritório, quando ia levar a assinatura de uma resolução, tomou conhecimento de que o grupo Privinvest já tinha pago o FI de 50 milhões de dólares. “Ela disse: já viste às máquinas que estão a circular na cidade? Respondi que não, e ela disse pergunta ao teu amigo Teófilo. Quando questionei ao Teófilo, ele disse que não havia nada”, referiu.

Após a redacção da acta das respostas do réu ao Ministério Público, o Juiz propôs um intervalo de meia hora, tendo definido que a sessão retomaria às 18h45.

O primeiro réu ouvido hoje no julgamento do caso das dívidas ocultas, Cipriano Mutota, traz revelações que envolvem o então ministro da Defesa, Filipe Nyusi, e o antigo Presidente da República, Armando Guebuza. Nyusi dirigiu alguns encontros na fase de concepção do projecto que levou à criação de ProIndicus. Já Armando Guebuza teve conhecimento de todos os processos até à criação da empresa.

À data dos factos, Cipriano Mutota era oficial do Serviço de Informação e Segurança do Estado, ocupando a pasta de director do Gabinete de Estudos e Projectos. A ele foi incumbida a missão de fazer um estudo sobre possíveis ameaças que “pairavam na República de Moçambique”. A missão foi incumbida pelo então director-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado, Gregório Leão, também implicado no processo das dívidas ocultas.

Refere que, do estudo, concluiu que havia o risco do terrorismo, pirataria, migração ilegal, tráfico de drogas via marítima, entre outros.

“Fizemos o estudo e submetemos à apreciação do Conselho de Administração, que, por sua vez, submeteu à apreciação do Conselho Consultivo. É o procedimento normal da instituição. Os estudos levaram cerca de dois anos. Iniciaram e terminaram entre 2007 e 2010”, revelou, na audição perante o juiz Efigénio Baptista.

Diz que o director o convocou para informar que era preciso assistir a uma apresentação que pudesse ser a solução para as ameaças elencadas.

“O encontro realizou-se no Ministério da Ciência e Tecnologia, no qual assistimos à apresentação de uma empresa que era relacionada com a protecção da zona económica exclusiva. A empresa identificou-se como Abu Dabi Mar e quem fazia a apresentação era o senhor Jean Boustani, acompanhado por uma senhora que se dizia ser representante da empresa Abu Dabi Mar para a zona Austral de África.”

Mutota acrescenta que “tivemos, um pouco antes, um encontro com o senhor ministro das Finanças. Ele, o senhor Chang, sugeriu que tivéssemos encontros com os Ministérios da Defesa, dos Transporte, do Interior e das Pescas, visto que tinham também projectos idênticos. Fizemos o contacto e foi feito um projecto único. O ministro das Finanças disse que ia ver a possibilidade de financiamento”.

O réu explica que participou em dois encontros com o comandante-chefe e com as entidades ministeriais (ministros das Pescas, dos Transportes, das Finanças e da Defesa).

Segundo disse, decidiu-se que o SISE, o Ministério da Defesa e o do Interior liderariam o projecto.

“Houve outra reunião, a única em que eu estive ao nível do Ministério da Defesa, onde o ministro da Defesa (Filipe Nyusi) dirigiu a reunião na qualidade de chefe do Comando Operativo”. Foi nessa reunião em que se decidiu que devia haver acções concretas para materializar o projecto e que cada ministério tinha que indicar os focal points. O focal point nas Finanças era a senhora Isaltina Lucas, que teria sido indicada pelo ministro Manuel Chang.

“Tínhamos de ter um veículo e tínhamos de dar o nome. Pensamos no nome Indicus, mas depois vimos que já existia uma entidade com esse nome. Então, pensamos num prefixo e ficou ProIndicus. Depois, fomos fazer a reserva do nome.”

Uma vez que a ProIndicus tinha de ter accionistas, indicou-se a entidade Monte Binga, como representante do Ministério da Defesa, que detinha 50% da ProIndicus, e o SISE era representado pela Gips, também com 50%.

“O único que tinha dificuldades em indicar um representante era o Ministério do Interior, que devia participar através da Dalu, mas esta ainda não estava legalizada. Ficou acordado que depois, havendo condições, o Ministério do Interior teria também o seu representante e a divisão da percentagem tinha de ser feita por igual.”

Cipriano Mutota diz ter havido viagens, quer para Alemanha, quer para Abu Dabi, com o objectivo de confirmar a existência da empresa Privinvest e ver as suas potencialidades.

As viagens foram feitas por Teófilo Nhangumele, sugerido por Mutota e com a anuência do então director-geral do SISE, Gregório Leão, visto que Mutota não poderia viajar (acabava de perder a sua irmã), Bruno Langa, Armando Ndambi Guebuza e António Carlos do Rosário.

Diz que o processo de concepção do projecto de protecção da costa moçambicana era do conhecimento do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, considerado, na linguagem adoptada no SISE, como consumidor.

MUTOTA EFECTUOU CHAMADAS A JEAN BOUSTANI A EXIGIR DINHEIRO

A Privinvest tinha de pagar, a título de agradecimento pelo trabalho prestado no projecto de protecção costeira e pelo seu sucesso, um valor a cada participante. Aliás, a denominação dada a este valor era “FI”.

“O grupo Privinvest ia pagar, a título de ‘FI’, o montante de 50 milhões de dólares. A quantia foi incorporada no preço do contrato celebrado entre Abu Dabi Mar e a ProIndicus”.

Mas este pagamento teria acontecido depois de Mutota sair do Serviço de Informação e Segurança do Estado.

“O senhor director depois disse que eu tinha de cessar as minhas funções neste projecto, em meados de 2013, até porque coincidia com a minha mudança de tarefas. Fui estagiar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não testemunhei a legalização da empresa (ProIndicus).”

Da acusação, consta que Cipriano Mutota teria feito chamadas telefónicas a Jean Boustani de forma reiterada a exigir a sua parte do chamado “Fi”, ao que questionado pelo juiz, Mutota confirmou os factos.

Diz também que Jean Boustani o aconselhou a abrir uma conta bancária. Segundo a acusação do Ministério Público, o então director do Gabinete de Estudos e Projectos do Serviço de Informação e Segurança do Estado teria recebido 980 mil dólares. Parte desse valor foi investido na compra de sete camiões.

O Ministério Público exigiu, ontem, que os arguidos pagassem uma indemnização ao Estado, no valor de 2.9 mil milhões de dólares norte-americanos. A exigência foi feita durante a leitura da acusação, ao primeiro dia das sessões do mega-julgamento sobre o escandâlo das dívidas ocultas. Hoje, ainda nas questões prévias, o advogado de defesa do réu Renato Matusse, Jaime Sunda, contestou a estipulação da verba, defendendo que se a Procuradoria-Geral da República não apresentou o pedido de responsábilização civil nas fases anteriores do processo 18/2019-C, tal não devia acontecer já na fase de julgamento.

O mesmo eco de contestação foi replicado por Abdul Gani, defensor de António Carlos do Rosário e Gregório Leão, que entende que os valores estipulados são bastante altos.

Gani diz que existem outros processos criminais relacionados ao caso das dívidas ocultas e que, exigindo estes valores em cada processo, poderia o pedido de responsabilização civil totalizar mais de seis biliões de dólares.

Entretanto, o juiz da causa, Efigénio Baptista,  entende que ao decretar a sentença, de acordo com o Código do Processo Penal, tem a faculdade de determinar uma indemnização ao Estado, independentemente do pedido do Ministério Público.

O Tribunal deu hoje 20 dias para que os advogados dos réus das dívidas ocultas contestem o pedido de indemnização ao Estado feito pelo Ministério Público.

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