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 Discurso como corpo e performance, em “De Empregado a Patrão” de Célia Mate.

Que atire o primeiro CV aquele que nunca sonhou na infância ser um daqueles chefes, que chega na empresa, assina meia dúzia de documentos, recebe uma  chamada importante e depois diz a secretária para cancelar todos os compromissos do dia! Quem nunca? 

A Célia Mate teve a ousadia de nos vender um sonho parecido, real, sem corta-matos, sem curandeirismo, nem fórmulas infalíveis. E pasme, é no contexto moçambicano e funcionou para muitas pessoas! Será verdade!? Vamos aos factos! 

Ler “De Empregado a Patrão” é como ir a casa da tia rica do bairro, em pleno domingo, sentar à sombra da mangueira para tomar chá de Tchambalakati, para conversar de “ma business”, com caderno e caneta! Mate, não é autora de salão: é autora de rua, de chapa e de escritório pequeno, com cheiro de tinta nova. Ela não escreve, ela fala, conversa. A conversa é de irmã mais velha para irmão mais novo, é de tia ou madrinha para quem busca emprego ou criar sua empresa. 

Posso te pedir algo? Decida que a partir de hoje, irá viver uma vida honesta, esqueça os esquemas, ORGANIZA-SE!”

Ela não traduz os termos do Changana no corpo do livro, porque não precisa, fala para quem entende o código, para quem sente o humor moçambicano, para quem sobreviveu até nas dificuldades. Há um certo orgulho nacional no modo como ela escreve, o mesmo tipo de orgulho que nos faz rir até das nossas falhas. E nisso ela tem êxito, é raro ler um livro moçambicano, mesmo de grandes autores, e ver lá o português moçambicano. Quem sabe um dia, cheguemos ao português da Mafalala e do Chamanculo, mas enquanto isso: “segue em anexo”. 

Mas o livro não é apenas inspiracional: ele é performativo. Célia encena a sua própria jornada, do currículo impresso à assinatura do primeiro contrato, do medo à primeira vitória. A escrita é corpo, porque a autora põe-se inteira na página: a gestora, a mentora, a crente, a filha, a mãe, a psicóloga, a moçambicana… E é justamente por isso que o livro nos toca: porque conversa com voz de quem viveu o que ensina. 

Sabe o que é mais bonito? Ela não tenta impressionar ninguém. Não se faz de “boss” de sucesso, não diz que a empresa dela é a “La crème de lá crème”. Mostra como é: uma mulher que ainda está a aprender, que tropeçou, que caiu em “nhongas” e que continua firme, sem fazer download de desculpas. Isso é maningue raro. 

Mas vamos ser sérios, nem todo salto é salto de fé, há saltos que são queda livre, apesar de inspirar e mostrar o caminho, podia ir mais fundo e trazer um mapa de risco mais detalhado. Faltou dar ênfase os casos de empreendedores que saltaram a fase de empregado para ser logo microempreendedor ou comerciantes, que são a maioria no país. Mas esse não era o foco do livro. 

Diz para acreditar e se preparar, mas não mostra como medir com toda precisão a altura do penhasco. Seria interessante  ter um leque de empresas viáveis de se abrir no país. Assim como dar estratégias de como lidar com a estagnação económica na empresa, mas isso virá no próximo livro. Em moçambique, sabemos bem, cair custa caro. Não distante, também se tomar em conta situações onde o patrão é duro, o salário é curto, o tempo é maningue pouco e temos família em casa para sustentar.

Todavia, ela alerta: “O grande perigo, é quando, o empregado que quer virar patrão não aproveita o seu tempo como empregado, para se desenvolver e aprender todas as competências necessárias para ser patrão… Ufile

Célia Mate usa e abusa de memes encontrados em redes sociais e os eleva a categoria de “recursos terapêuticos”, com está técnica ela transmite de forma leve e lúdica informações importantíssimas aos futuros patrões e se conecta com todos os leitores. Mas atenção: “precisam ser usados com muito cuidado, pois podem fazer uma programação mental errada. O detalhe está na repetição. Quando começamos a repetir os mesmos dizeres, vezes sem conta, assumimos que são verdade.”

E há um conselho que se deve sublinhar em vermelho fluorescente: “faz uma DR com teu dinheiro.” Um discurso à relação com o metical, olhar o bolso nos olhos e perguntar: estamos bem ou é só aparência? Ela humaniza o dinheiro como se fosse uma namorada carente e tem razão, se não houver sinceridade o divórcio vem com juros. Ela puxa a orelha de quem quer ser patrão só para ostentar Mazazas e Brunch de domingo. “Se decidir virar patrão apenas pelo dinheiro perderá a real beleza do processo que é ter impacto na vida das pessoas e deixar um legado.” 

A última parte nem é a cereja no topo do bolo, é a melancia toda. E não se engane se ela vos disser que é mera “Bacela”, esta última parte dá significado a todo livro e é essencial para compreensão de aspectos anteriores como a honestidade, a perseverança e a fé em Jesus acima de tudo. 

Célia entra no território da fé, mas não o faz com pompa pastoral. Ela fala como quem viu demais. Denuncia a indústria da esperança barata, os “pastores vendedores de milagres e objetos ungidos que agem como se Deus fosse um banqueiro celestial.” Ela faz justiça teológica quando escreve: 

“Deus o criador de todas as coisas, é rico, riquíssimo não precisa do dinheiro de NINGUÉM. Muitos dos homens mais ricos do mundo não conhecem nem aceitam Jesus, então você não precisa de JESUS para ficar rico.

Mate expõe o lobo dentro da igreja, mas sem ódio, corrige sem arrogância e confessa sem dramatismo. Mostra vulnerabilidade, não posa de vitoriosa. Mostra-se humana, em processo de crescimento. E isso dá autenticidade à performance. 

“Confesso que o que mais doeu-me, não foi o desvio de valores, em si, mas o facto de ter sido enganada EM NOME DE JESUS.

Em suma Mate prepara o estudante para o seu primeiro emprego, o empregado para o grande salto ao patronato e o patrão ao desenvolvimento pessoal/empresarial. Começa pela mente: é preciso “organizar-se”, mudar hábitos, aprender a pensar como patrão antes mesmo de ser um. Depois vem o chão da coisa: o planeamento financeiro, o controle emocional, o autoconhecimento e a disciplina para não misturar salário com esperança, a documentação… Ela ensina que ser patrão não é apenas abrir empresas, é abrir consciência, enfrentar o medo, reconhecer limites, e muito mais… A mensagem central é clara: o sucesso não é sorte, é processo e esse processo começa dentro de cada um de nós. 

De empregado a patrão é uma lufada de ar moçambicano, cheio de “morale”, humor e aquela sabedoria de quem tropeçou no chão e ainda assim diz com sorriso no rosto: 

“Não godolemos. O Salto é fundo, mas não parte as pernas.” 

“Está preparado para dar o salto?”

 

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