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Detalhes de uma vida de silêncio

O conhecimento ou domínio de qualquer actividade, particularmente, da artística é antecedido pelo estiolamento da sua raiz para lhe encontrar o cerne e, assim, com ela poder dialogar, da partida à chegada e desta união: arte e artista, subirem de mãos dadas, ao patamar do convencimento ou seja, ao lugar da realização, para que a plateia os aplauda. É este o entendimento a que chego quando leio os textos poéticos de DETALHES DE UMA VIDA DE SILÊNCIO de Heliodoro Baptista Jr., apelando para que os demais leitores caminhem comigo, por exemplo, nos poemas como: “Avida de um operário”, “Um olhar frustrado das cheias”, “Os poetas”, “A morte do meu pai”.

Sinto a existência do binómio causa-efeito na textura desta poética em que qualquer pessoa que sobre ela se debruce, poderá concluir, euforicamente, que Heliodoro Baptista Jr. conhece a geografia das águas em que o seu barco navega. Ele enfrenta todos os constrangimentos da rota: tsunamis, adamastores, fossos, enfim, porque o seu afã é chegar são e seguro ao destino.

Todo este arrazoado, apenas para dizer que estamos perante uma obra poética que se pode dizer, sem sombra de dúvida, um corpo que nos apresenta: cabeça, tronco e membros, pese, embora, a juventude do seu compositor/autor. Esta constatação deve alegrar-nos, pois, o estágio etário deste autor é o garante ou o augúrio de bons e apetecíveis futuros encantamentos. Se se quer fazer arte de verdade tem de se ir ao seu âmago e não se ficar pela superfície.

Estarei a explicar-me, quanto ao caso presente, ao dizer que o domínio da arte não é algo que se herde no sentido de transmissão genética. Herda-se, sim, ou pode-se herdar, objectivamente, os instrumentos do ofício, para que, através deles se chegue ao engenho e à arte, com esforço próprio. O domínio da arte é algo que se conquista sob os sóis diários, no vasto território que se abre diante de nós, predispondo-se a que nele limitemos o nosso espaço onde queremos expor-nos. A árvore ou sombra tutelar, apenas dá abrigo para uma profunda reflexão sobre a vida que nos rodeia, não nos injecta qualquer poção que nos torne iguais a ela. Em “A morte de meu pai”, Heliodoro Jr. aparta-se de qualquer julgamento irreflectido que se possa fazer à sua obra poética, pois não reivindica qualquer herança genética, mas, apenas exterioriza a saudade que sente do pai:

Partiste sem sequer dizer um adeus/parece que não sabias/ que eu/ ainda haveria de precisar imenso de ti…/ Lembro-me/ que no último telefonema que me deste/ dizias que poderias partir para só um dia voltar./ Acho que essas foram lindas palavras/ proferidas para tentar abrilhantar/ o vazio no meu coração.”                                                                                                                      

Assim, Heliodoro Baptista Jr. Em DETALHES DE UMA VIDA DE SILÊNCIO, busca nos seus próprios silêncios, os detalhes que fazem o seu chão existencial, pois, nessa busca ele acaba demonstrando que, afinal, todos nós compartilhamos tais detalhes porque todos, com ele comungamos a mesma existência ou seja, somos contemporâneos: “Mas sabes que há virtudes?! /Como existem também homens e vozes./ Porquê este ocasionado contraste/ desta vida que está no silêncio?!”

Subsumida a posição antecedente, a nossa ferramenta, para o entendimento desta obra, como leitores, deve partir do nosso conhecimento sobre os caminhos para a identificação dos trilhos que Heliodoro Jr. calcorreou, pondo de lado, mas muito de lado mesmo, a teoria dos vasos comunicantes de Arquimedes. Deve funcionar, aqui, a teoria da estética da recepção, isto é, dominarmos as regras do jogo literário para lhe entendermos a essência e até, completá-lo, isto é, sermos complementos ideários da obra do autor.

 

 

 

 

 

 

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