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Democracia interna é chamada a fazer prova de vida

A Frelimo propalou na sociedade a ideia de que existe democracia interna no seio do partido. A democracia interna significa que há ambiente favorável ao debate dos assuntos relevantes para o partido e, por inerência, para a sociedade, visto que a Frelimo é que governa desde que Moçambique existe como Estado. A democracia interna consiste, também, em permitir que as decisões mais importantes sejam tomadas de forma transparente e sujeitas ao escrutínio dos membros.

A expressão “falar dentro dos órgãos” faz jus à existência de uma democracia interna funcional. Significa que os membros do partido podem apresentar as suas ideias divergentes dentro dos órgãos internos do partido, pois existe ambiente favorável para tal.

No passado, a democracia interna deu sinais de vida. Em 2013, a Comissão Política do presidente Guebuza divulgou três nomes para a sucessão do presidente. Todos os indicados eram membros do Governo do presidente Guebuza (Alberto Vaquina, José Pacheco e Filipe Nyusi). Internamente, exigiu-se que mais membros da Frelimo fossem propostos para a lista curta da sucessão. Foi assim que surgiu o nome de Luísa Diogo (e Aires Ali), que viria a disputar as eleições internas com Filipe Nyusi até às últimas circunstâncias. A democracia interna funcionou!

Em 2015, depois de sair da Presidência da República, o presidente Guebuza continuou na presidência do partido Frelimo, reduzindo o poder real do presidente Nyusi, sobretudo num contexto de captura do Estado pelo partido no poder. Internamente, exigiu-se que Guebuza cedesse a presidência do partido a Nyusi. A democracia interna funcionou, mais uma vez.

No entanto, acontecimentos recentes no seio Frelimo podem levar a questionar-se se a democracia interna (ainda) existe no seio da Frelimo. Em Setembro de 2022, Castigo Langa, membro do Comité Central da Frelimo, usou da palavra numa sessão extraordinária do órgão para apelar ao presidente Nyusi que, “caso apareça uma proposta no sentido de ser o próximo candidato da Frelimo nas eleições presidenciais, por favor: não aceite!”. O apelo de Langa era, obviamente, muito mais do que um simples apelo. Era a primeira voz interna e com autoridade a denunciar a mobilização em torno de um possível terceiro mandato para o presidente Nyusi.

A intervenção de Castigo Langa foi veementemente repudiada pela Comissão Política do partido Frelimo. Num comunicado datado de 21 de Setembro do mesmo ano, pode-se ler que “Comissão Política lamenta e repudia veementemente a atitude do camarada Castigo Langa, membro do Comité Central, em ter levantado no decurso da II sessão extraordinária do Comité Central um ponto fora da agenda aprovada”.
A intervenção de Castigo Langa foi oportuna. Filipe Nyusi não foi ao terceiro mandato, mas Langa nunca mais foi visto em debates públicos. Desapareceu do mapa político. Desta vez, a democracia interna falhou.

Falhou a democracia interna pois, apesar de Castigo Langa ter falado de um assunto relevante “dentro dos órgãos”, acreditando no funcionamento dos mecanismos da democracia interna, o resultado revelou o contrário. Os factos revelaram que os membros da Frelimo podem “falar dentro dos órgãos”, mas não há garantias de que não serão politicamente assassinados, se do que falarem houver algo que não agrade aos chefes.

No início deste mês de Abril de 2024, numa sessão do Comité Nacional da Associação dos Combatentes de Luta de Libertação Nacional, um membro sénior do órgão, o professor Óscar Monteiro, exigiu que fosse debatida a sucessão de Filipe Nyusi na Presidência da República. O professor Óscar falou “dentro dos órgãos”, acreditando na vitalidade democracia interna. Tal como acontecera com Castigo Landa, a intervenção do Professor Óscar Monteiro foi repudiada. Não houve um comunicado da Comissão Política, no entanto foi o próprio presidente Nyusi que, na ocasião, interrompeu a fala do seu camarada, fazendo perguntas atípicas tais como “Óscar, vá directo! O que está a propor? (…) Tem mais outra coisa importante que interessa?”

A acrescentar à reacção rude do presidente Nyusi, alguém, que se acredita que tenha agido com a anuência do presidente, mandou cortar a gravação televisiva da intervenção do professor Óscar Monteiro. Segundo a imprensa presente no local, foi o adido de imprensa do presidente Nyusi, o jornalista Arsénio Henriques Cossa, que empurrou as câmaras dos jornalistas para as desviarem da gravação do discurso do membro da ACLLN. O presidente Nyusi, que dirigia a sessão, não deu ordens contrárias. Nenhum outro membro da Frelimo saiu em defesa do professor Óscar Monteiro, pelo menos em público. A democracia interna falhou, mais uma vez.

Na sessão do Comité Central para a qual o professor Óscar Monteiro propunha que a sucessão do presidente Nyusi fosse debatida, nada saiu de substancial sobre este tema. Ou seja, até pode ter havido debate sobre a sucessão, mas em nada resultou de concreto, que no mínimo seria a divulgação do(s) nome(s) do(s) (pré-candidato(s), para não pedir mesmo a eleição do candidato da Frelimo.

Uma sessão extraordinária ficou por convocar para a discussão da sucessão. Sabe-se, agora, que essa sessão vai decorrer no dia 3 de Maio próximo. Antes disso, muito provavelmente a Comissão Política do presidente Nyusi irá divulgar o(s) nome(s) do(s) pré-candidato(s). A questão é: irá a democracia interna voltar a funcionar?

Uma democracia interna funcional significaria que os membros do Comité Central debatem abertamente o(s) candidato(s) proposto(s) pela Comissão Política do presidente Nyusi e, se for necessário, tal como sucedera no passado, exigir-se-á a inclusão de mais nomes de pré-candidato(s).

Desde 2015 que o Ministério da Economia e Finanças introduziu a prova de vida aos funcionários públicos a fim de evitar pagar salários a funcionários públicos fantasmas. De igual forma, a democracia interna na Frelimo, que já mostrou a sua existência no passado, é agora chamada a fazer a prova de vida! Ainda se descobre que se está a confiar numa democracia interna fantasma!

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