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Das lâmpadas do Q.5 às luzes da Av.24 de Julho

Edna Matavel

Nas noites de lua cheia, no calor do mês de Janeiro, na iluminação das lâmpadas do quarteirão 5, vêem-se corpos esticados nas barras de ferro do famoso bar local, um sobe e desce num pequeno edifício construído com material de zinco e tecto falso. É onde as mulheres iam mostrar seus dotes sedutores. Foi assim que Zuleica foi promovida.

Zuleica nasceu pobre e ainda novinha ficou órfã. Para se manter, começou a vender gelinhos na esquina do quarteirão. Com a sua beleza encantadora, quase todos adquiriam o seu produto, principalmente os homens. No entanto, ela decidiu parar de vender quando descobriu que atraía senhores abastados do bairro com o brilho da sua beleza. Passou a envergar mini-saias, roupas decotadas, ela era mais reluzente que um espelho.

A princípio, frequentava o bar para ganhar experiência, a convite de uma vizinha, e ficou impressionada com a forma como as mulheres usavam o seu corpo para ganhar dinheiro. Daí, decidiu engrenar, tornando-se prostituta e enveredou por esse mundo, abusando do álcool, injectando-se drogas para conseguir se relacionar com os seus clientes e, na maioria das vezes, homens barrigudos.

O dono do bar tinha um amigo que, por conseguinte, também era dono de um bar luxuoso na capital. Certo dia, numa sexta-feira, convidou-o para tomar um drink no seu bar e conhecer a periferia. Quando chegou e deparou-se com o brilho da doce jovem, antes de tomar o segundo drink, ficou fascinado com a forma com que Zuleica fazia a dança do cano, que, no mesmo instante, convidou-a para trabalhar no seu bar na cidade.

Foi assim que ela subiu ao salto, sem educação. Quando chegou à capital, viu a forma como a cidade era iluminada, é como se estivesse a ver o próprio paraíso, mas no início, teve problemas de socialização. As meretrizes da “Town” eram educadas e com toques de inteligência, o que atraía os empresários, e ela só tinha sua beleza como arma de combate.

De quando em vez, retornava à casa deixada pelos pais como herança, descendo em viaturas luxuosas, o que espantava a vizinhança.

Todos os homens despertavam interesse por ela, um pagando mais que o outro por horas de serviço. O dono do bar viu o seu negócio crescer com o trabalho de proxenetismo, principalmente com a chegada de Zuleica e isso gerou uma revolta e inveja por parte das outras garotas de programa. Ela começou a ganhar muito dinheiro, no entanto precisava de alguém para lhe ajudar na gestão, pois mal sabia assinar um cheque e, por isso, acabou criando uma amizade com uma de suas colegas de trabalho.

Com o passar do tempo, ela sentia-se assimilada, dobrava a língua para proferir de forma errada o léxico da língua portuguesa, gastou dinheiro com roupas de marca, passeios, flat’s, enquanto a sua casa escorria água toda vez que a chuva caísse. Começou a desprezar as colegas porque a beleza delas era resultado de cirurgias plásticas, e ela tinha uma beleza natural, que, durante anos, esteve escondida por detrás das casas de caniço. Elas decidiram unir-se contra ela, atacando o seu ponto fraco, que era a ignorância, expondo-a brutalmente até que os homens perdessem interesse por ela. A sua beleza não era suficiente para representar os clientes em grandes colóquios.

Ela decidiu voltar à sua casa para procurar por uma feiticeira que lhe pudesse ajudar, porém, a macumbeira deixou claro que as suas adversárias eram poderosas e só podia mandá-la para a líder das feiticeiras, que se encontrava em Ximondzo. E Zuleica, aflita, não tardou. Seguiu viagem. Quando lá chegou, foi bem recebida. A macumbeira deu-lhe remédios da sorte e poder para fortificar o seu trabalho.

De regresso a Maputo, ainda no autocarro, recebeu várias ligações de clientes querendo marcar expediente e uma das ligações foi do patrão que pretendia renovar o contrato para meretriz permanente. Não perdeu tempo e foi directo ao bar, trabalhou incansavelmente, fazia horas extras. Um mês depois, viajou para a África do Sul para prestar serviços aos mineiros e ficou por lá durante uma semana, e, quando chegou a Moçambique, arrendou um apartamento na Av. Julius Nyerere.

O ódio aumentou por parte das outras. Zuleica trabalhou a dobrar para mostrar que era capaz de atingir grandes níveis. Perdeu noites e, sem saber, alimentava o bichinho adormecido em seu organismo, e em pouco tempo enfraqueceu, perdeu o seu brilho, ia perdendo o seu corpo lindo, adoeceu e foi levada ao HCM, mas não melhorava e pediu alta para voltar a casa dos pais.

Quando chegou à sua casa, teve de procurar alguém que cuidasse dela, uma vez que não convalescia. Em pouco tempo virou uma preta desnutrida, a região dos olhos ficou escura e o interior dos olhos vermelho, as unhas sujas à medida que coçava o cabelo e o mesmo caía em pedaços, fungos na pele começaram a surgir.

Quando as suas colegas souberam, saíram da cidade para a visitar. Ficaram assustadas em ver uma múmia disfarçada em gente, não deu nem para zombar, mas já que uma delas conhecia todos os PIN dela, apoderou-se dos seus bens juntamente com as outras.

Zuleica teve um retrocesso mental, falava coisas sem nexo. Vivia atormentada. Os seus cabelos caíram até ficar careca, e, poucos dias depois, faleceu.

 

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