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Da pobreza em termos de conteúdo a músicas escandalosas

Registo, com satisfação, o crescimento do sector cultural do país. Há muitos jovens a dedicarem-se à música. Uns, partem do nada e abraçam a carreira. Outros exploram o seu talento na matéria que despertou na sua participação em grupos corais das igrejas. Outros passaram pelas escolas de especialidade para o saber fazer na música.

Por conta disso, há muita diversidade na produção musical. Pessoas que aparecem a canta, tão bem, em programas de televisão dedicados a novos talentos, mas sem apoio para gravar as suas músicas. Outros que já atravessaram essa barreira e, com o seu próprio esforço, conseguiram gravar e hoje contam com alguma fama no mercado. São convidados a actuar em espectáculos musicais, casamentos ou nas casas de pasto.

O que me parece preocupante neste momento é a qualidade das músicas que são produzidas. Somos dados a consumir, no mercado, obras bastante pobres em termos de mensagem. Os seus autores canta e não dizem absolutamente nada de importante.

Por outro lado, há músicas que metem vergonha. Que não dá para escutar em família. Com todo o respeito ao trabalho do artista, não vejo, por exemplo, um chefe de família tocar, em sua casa e na companhia da sua esposa e filhos, a música “yababuluco”. Pode ter até boas batidas e ser popular, mas é, quanto a mim, desastroso.

Tentei apurar o significado de “yababuluco”. Analisei a música em todos os ângulos e cheguei à mesma conclusão que da maioria dos moçambicanos. Que é o pénis que bate nas calças, tanto que alguns, ao dançar, já embriagados, têm a tendência de arrear as calças. Imagens similares têm estado a circular nas redes sociais. Incrível.

Na tentativa de desdramatizar o assunto, há quem diga que se trata de dinheiro que está a bater nas calças, o que, quanto a mim, é menos provável.

Outros, cantando, dizem “Hikombela a ku loywa” ou seja “estamos a pedir que nos enfeiticem”, pedido dirigido aos seus vizinhos. Os autores da música dizem-se cansados de viver bem. Que coisa! Há pessoas que gastam rios de dinheiro nos curandeiros. Investem o seu tempo a frequentar igrejas. Procuram melhores profetas da praça. Tudo isto em busca de salvação porque a sua vida não anda como deve ser. Que estão a ser enfeitiçados. Surpreendentemente há quem se dá ao luxo de pedir publicamente, através da música, para que alguém se encarregue de o fazer música. Que coisas!

Estes são apenas alguns exemplos de um conjunto de músicas bastante pobres em mensagens e despidas de qualidade, em circulação no mercado musical moçambicano. Com este tipo de obra intelectual, os seus autores, entre músicos e produtores, revelam uma autêntica preguiça do ponto de vista de concepção da letra. Dão a ideia de que não sabem qual é o seu papel ou responsabilidade que recai sobre eles na sociedade. É preciso entreter, sim, mas, acima de tudo, educar o público.

A música é um instrumento poderoso através do qual o autor faz passar mensagens, quer sejam críticas ou conselhos sobre como devemo-nos comportar no dia-a-dia. Alguns optam por cantar factos reais sobre, coisas que aconteceram com eles, para que possam servir de exemplo para a maioria. Outros, cantam sobre o amor, como é o caso de Mr Bow, Humberto Luís e Cia. Há músicos que interpretam, nas suas letras, questões sociais a exemplo do falecido músico Fernando Chiure e outros.

O papel de educador estende-se aos outros artistas. Cada um com a sua arte, comunica com o público. Encontramos mensagens interessantes em trabalhos de pintura plástica. Nas obras de escultura, na dança e na poesia.

O artista Malangatana Valente Nguenha, o poeta José Craveirinha e outros participaram na Luta Armada de Libertação Nacional, na clandestinidade, usando a sua arte como instrumento de guerra contra o colonialismo português em Moçambique. Através das suas obras faziam passar mensagens a ilustrar a revolta do povo moçambicano contra o jugo colonial e pagavam caro com isso.

Se querem ser músicos respeitados na sociedade, não produzam só por produzir a música para figurar na pauta musical moçambicana. Antes de tudo, pensem um pouco no que querem transmitir através da vossa música. Façam uma auto-avaliação para verificar até que ponto é que a mesma pode ser um contributo na educação ou moralização da sociedade.

Que sejam vocês próprios a fazer auto-censura do vosso próprio trabalho, expurgando o que não vos valoriza como músicos. Não valoriza a cultura e o país em geral. Não nos obriguem a ter saudades da comissão que analisava as músicas antes de irem ao ar. Ela que foi desmantelada com a entrada em vigor da Constituição da República de 1990 que introduz a liberdade de expressão e de imprensa.

É que nessa altura, algumas músicas eram chumbadas. É verdade que algumas era por razões políticas porque tecnicamente não havia problemas. Não passavam porque a mensagem nelas contida não era politicamente correcta. Mas outras é porque não tinham qualidade.

Que sejam vocês próprios a fazer o papel da referida comissão para que tenhamos música de qualidade em todos os aspectos. O segredo é que olhem para a música não apenas como instrumento de diversão, mas também de educação das massas. Como músicos arrastam consigo centenas de seguidores e estes esperam de vocês algo exemplar e construtivo. Comportem-se!

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