A COVID-19 agravou o custo de vida a nível mundial, mas a guerra na Ucrânia vai criar mais “danos” ainda. Segundo o Standard Bank, o nível geral dos preços no país poderá aumentar 9,4% este ano, uma previsão de agravamento mais pessimista que a do Governo (5,3%) e do Fundo Monetário Internacional (9,0%).
Quando começou o ano 2022, em Janeiro, a expectativa do banco era de a inflação em Moçambique fechar o ano em torno dos 6%. Em Março, por causa do aumento dos preços dos combustíveis, a previsão de subida do custo de vida subiu para 7,6% e, como a situação tende a piorar, a previsão passou para 9,4%.
“Moçambique não é imune ao que está a acontecer no resto do mundo. Nós tivemos, hoje, uma conversa à volta da inflação a nível global e sobre as causas da inflação. É, claramente, uma situação de choque de oferta”, explicou Fáusio Mussa, economista-chefe do Standard Bank Moçambique.
Segundo Mussa, que falava durante o Economic Briefing do banco, a pandemia causou perturbações na oferta, que criaram uma aceleração de preços desde o final do ano passado a nível das economias mais avançadas, tendência de aceleração da inflação que se agravou com a situação da guerra na Ucrânia.
“A guerra na Ucrânia aumentou o preço das commodities, sobretudo aquelas ligadas à energia, nomeadamente, o preço do petróleo e do gás natural. Também estamos a falar de importantes produtos alimentares, não só porque a Ucrânia e Rússia produzem uma importante quantidade de trigo consumido no mundo, mas por causa da sua contribuição para a agricultura, uma vez que são grandes fornecedores a nível global de fertilizantes”, referiu o economista-chefe do Standard Bank em conferência de imprensa.
O responsável ainda aprofunda que, com a limitação da oferta de produtos a nível mundial e consequente subida dos preços, a resposta dos bancos centrais a nível global tem sido aumentar as taxas de juro para ajudar a conter a procura, uma vez que não se consegue aumentar a oferta no prazo que se pretende.
“É preciso reduzir a procura a nível global e a grande questão que se coloca é: será que a redução da procura a nível mundial, induzida por um aumento de taxas de juro, vai levar a economia mundial para uma recessão outra vez?”, questionou o economista, também um dos oradores do fórum do banco.
No entender de Fáusio Mussa, por ser um país que importa combustíveis com base nos preços locais, Moçambique não irá escapar da inflação elevada, mas também porque importa grande parte dos alimentos que consome.
Para o economista-chefe do Standard Bank, o Banco de Moçambique manteve uma política monetária apertada ao aumentar, recentemente, a taxa de juro em 200 pontos base para ajudar a reduzir a pressão sobre a subida generalizada dos preços, mesmo assim, os riscos na economia mantêm-se ainda altos.
Entretanto, Fáusio Mussa diz estar convencido de que a inflação vai manter-se ainda a um dígito este ano, sobretudo olhando para um período que Moçambique vai experimentar agora, que é alguma recuperação na produção agrícola, depois das chuvas intensas e ciclones que devastaram diversas culturas.
“O primeiro trimestre foi caracterizado por chuvas acima do normal, ciclones que destruíram culturas e, provavelmente, agora haverá uma retoma da produção que pode ajudar a baixar o preço dos alimentos”, sublinhou o economista.
Outro aspecto a não ser ignorado, segundo Mussa, é que “alguns mercados que substituem a oferta de produtos locais pela importação de produtos da África do Sul” também enfrentam preços altos de produtos da terra do rand, uma vez que o país vizinho também foi afectado negativamente por chuvas intensas que resultaram em grandes perdas na produção agrícola.
E, há mais um elemento que, segundo Mussa, provavelmente irá permitir um novo recomeço para a economia nacional: a retoma do Investimento Directo Estrangeiro (IDE). No seu entender, sem tal investimento externo vai ser difícil para o país experimentar uma grande aceleração do crescimento.
“Ao mesmo tempo que se espera que aumente o Investimento Directo Estrangeiro, primeiro relacionado com os projectos de gás, mas depois um conjunto de outros projectos na economia que têm o potencial para avançar em simultâneo, espera-se, a qualquer momento, que o board do FMI aprove um programa de financiamento para Moçambique”, lembrou Mussa.
Essa retoma do Fundo Monetário Internacional, no entender do economista, poderá ajudar o país a ter acesso a fontes de financiamento que ajudem a mitigar o impacto negativo de Moçambique não ter acesso aos mercados internacionais para financiar certos projectos.
“Nossa expectativa é de que este programa [do FMI], claramente, com foco em reformas fiscais, vai ajudar a melhorar a governação, o uso eficiente dos recursos do Estado e restaurar a confiança e, sem dúvidas, que o país pode experimentar um avanço nos indicadores macroeconómicos, mas é preciso sermos ainda muito cautelosos”, alertou o economista.
Segundo previsões do Standard Bank, o Produto Interno Bruto (PIB), instrumento usado para medir o crescimento económico do país, vai crescer, em média, 3,7% de 2022 a 2025.
“Este nível de crescimento ainda é muito inferior em relação ao que Moçambique precisa para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais”, alertou o economista-chefe do Standard Bank e lembra que “o crescimento que Moçambique tem experimentado nos últimos anos não tem sido muito bem-sucedido do ponto de vista de criação de emprego”.
Para as projecções de crescimento económico, o banco diz ter excluído dos seus pressupostos o projecto da Exxon Mobil que ainda não atingiu a decisão final de investimentos.
O pressuposto usado é de que o projecto de gás Coral Sul começa a operar dentro de dois meses na Bacia do Rovuma, e que em algum momento a situação de segurança no norte do país permita que a Total retome a construção do projecto de gás que lidera em Cabo Delgado.
Para incentivar certos sectores da economia, é preciso, na óptica de Fáusio Mussa, criar programas e reformas que sejam mais propensas a gerar empregos do que os grandes projectos.
“Os grandes projectos são importantes para ajudar na estabilização macroeconómica, para ajudar a trazer a moeda externa de que o país precisa. Mas, o impacto dos grandes projectos do ponto de vista de criação de empregos ainda é muito reduzido. Penso que o país está a entrar numa fase de reformas estruturais para essencialmente ajudar a tornar o crescimento mais inclusivo”, considerou.
Para Fáusio, enquanto as taxas de juro altas impactam num segmento da economia, que é pequeno por abranger apenas os que têm acesso ao financiamento, a inflação é mais preocupante por impactar na vida da maior parte dos moçambicanos.
“Eu acredito que a preocupação das autoridades é garantir que, neste ambiente global de inflação elevada, a inflação em Moçambique se mantenha controlada e, por esta via, minimize o impacto pelos mais vulneráveis, que representam a maioria da população. A maior parte dos moçambicanos são pobres, vivem com menos de dois dólares por dia”, recordou o economista.