O País – A verdade como notícia

No passado sábado, o artista plástico Aldino Languana foi eleito novo Presidente da Associação Núcleo de Arte. Nas eleições que duraram seis horas, das 10h às 16h, a Lista B, presidida por Languana, venceu com um total de 42 votos contra 8 da Lista A, presidente pelo artista Micas. O outro voto foi considerado nulo.

Para Aldino Languana, ser eleito Presidente do Núcleo de Arte constitui a realização de um sonho, porque se trata de uma instituição artística especial e centenária, que neste 2024 completa 103 anos de existência. Por isso mesmo, o recém-eleito presidente tem a pretensão de dar um novo vigor a uma das principais instituições artísticas do país, isto é, criar condições favoráveis para que os artistas e os seus projectos sejam valorizados. “Pretendemos reerguer o Núcleo de Arte, porque achamos que, neste momento, se encontra moribundo. Nós fornecemos artistas às principais galerias do país, mas a nossa instituição, aparentemente, está esquecida. Temos de reverter o cenário e valorizar a nossa casa”, disse Aldino Languana, comprometendo-se em dar visibilidade às actividades e a própria instituição.

A Lista B, vencedora das eleições no Núcleo de Arte, inclui Aldino Languana (Presidente), Saranga (Vice-Presidente), Carlos Jamal (Tesoureiro), Matxakhosa (Secretário), Zamba (Presidente da Mesa da Assembleia), João Tovela (Primeiro-Secretário), Raul Ganda (Segundo-Secretário). Já André Mathe assume a função de Presidente do Conselho Fiscal.

Para o mandato de dois anos, Aldino Languana vai trabalhar com dois membros que presidiram o Núcleo de Arte noutras ocasiões, nomeadamente, André Manthe e Carlos Jamal: “Resgatamos os que já presidiram o Núcleo para formar uma equipa forte”, assegurou Languana, prometendo que a primeira iniciativa a implementar é uma página web que vai favorecer a promoção do artista e das artes moçambicanas ao nível nacional e internacional.

Reagindo ainda em relação à eleição, Aldino Languana assumiu que pretende contribuir para tornar o mercado artístico dinâmico em Moçambique e, simultaneamente, criar condições para que os artistas nacionais apresentem os seus trabalhos em grandes galerias internacionais.

Mesmo sem ter tomado a posse, Aldino Languana e a sua equipa já preparam a primeira exposição no Núcleo de Arte, que será de Gonçalo Mabunda. A ideia consiste em levar à sala de exposições do Núcleo de Arte os grandes mestres que se forjaram naquela instituição.

Na função de Presidente do Núcleo de Arte, Aldino Languana substitui Celestino Mudaulane.

Aldino Dinis Languana, de nome artístico Languana, nasceu a 20 de Fevereiro de 1972, em Maputo. Começa a desenhar para se distrair, o que considera primeiros passos da descoberta da sua carreira artística. De 1990 a 1991, frequenta o Atelier Arco-íris onde começa a sua formação artística com o mestre Noel Langa. A partir daí, passa por vários diferentes ateliers, designadamente, o de Vítor Sousa (5 anos), Neto, Carlos Martins (10 anos), Massunga, João Tinga e Samate, onde, trabalhando com cada um desses artistas, enriquece o seu conhecimento técnico nas diferentes modalidades da pintura.

Formado em Ciências Sociais pela Universidade Aberta de Lisboa, em 2007, continua, contudo, a dedicar-se à arte, em aguarela sobre papel. Ainda em 2007, frequenta o curso de pintura em aguarela, em acrílico e em óleo, ministrado pelo professor Ulisses, na Escola Eugénio de Lemos.

Realizou diversas exposições colectivas e individuais, recebeu prémios, foi produtor e realizador cinematográfico e orientou oficinas de pintura e palestras em Moçambique e no estrangeiro. No seu portefólio, constam várias exposições individuais e colectivas.

 

Por: João Laissone

Na estética da recepção a obra é susceptível a vários escrutínios. Nesses casos, a objectividade da análise, não poucas vezes, se mescla com a subjectividade polissémica da arte. Logo, seja qual for a abordagem crítica, na estética da recepção nada é absoluto, até porque a unanimidade não enriquece nenhum debate de ideias. Pelo contrário, na diferença de opinião sobre um objecto artístico ou um património cultural se enriquece o sujeito de forma ecléctica e transversal.

Ora, desde que lápide alusiva à requalificação do Monumento e Estátua Eduardo Mondlane foi descerrada, neste 25 de Setembro, ficou claro de que cada cidadão tem a sua forma de captar impressões e de expressar sentimentos. Por isso mesmo, o dia reservado à celebração dos 60 anos das Forças Armadas de Defesa de Moçambique rapidamente se transformou numa perfeita ocasião para os mais apaixonados tão-somente se concentrarem em alguns aspectos da obra em detrimento da totalidade.

Em geral, as publicações nas redes sociais começaram com uma implícita noção de verosimilhança. Se, para uns, o primeiro presidente da Frelimo tem a sua imagem bem retratada em aproximadamente quatros metros de bronze, para outros, na nova Estátua Eduardo Mondlane não há muito a favor que se lhe diga. Assim, à partida, precipitou-se um conflito à moda “Da galinha e do ovo”, de Luandino Vieira. Por um lado, vêem-se os que enaltecem a qualidade da estrutura de bronze, e, por outro, os que a vilipendiam. Nos dois casos, as opiniões são extremadas e não dialogam com apreciável critério. Mesmo quando se sabe que o que está em causa é um memorial histórico moçambicano, o que nos liga ao passado como um ponto de ordem no acto da afirmação da moçambicanidade e do amor à pátria.

Para não me deixar influenciar, quer por uns, quer por outros, resolvi ir ao Alto-Maé ver pessoalmente a Estátua Eduardo Mondlane. Sobre a visita, dois pontos prévios. Primeiro, há muita gente que ainda não foi ver a estrutura de bronze e que está a tirar conclusões com base em três/ cinco fotografias em circulação nas redes sociais.

Segundo, as fotografias a circularem nas redes sociais não dão uma precisão sobre o que a estrutura de bronze realmente é. Quer dizer, à distância é fácil criticar com algum desequilíbrio, porque as fotografias desproporcionam a estátua e não dão uma visão a 360º compatível com a realidade. Por exemplo, pelas fotografias, a cabeça da figura parece maior do que devia e o rosto decepciona os que julgam conhecer as imagens de Eduardo Mondlane. Portanto, a avaliar pelas partilhas nas redes sociais e as legendas que as acompanham, sim, fica-se com uma má impressão sobre a estrutura de bronze. Entretanto, no local, as coisas são bem diferentes. Vendo a estátua por trás, pelos lados e pela frente, próximo ou há meia distância, é evidente que se trata de um bom ensaio arquitectónico sobre um dos maiores intelectuais africanos do séc. XX, homem de origem pobre, que, uma vez alcançado o topo da carreira nos Estados Unidos, sacrificou tudo para Lutar por Moçambique.

Em termos de engenharia, a obra é opulenta, destacando-se, por isso, na atmosfera do lugar. Quem passa pela Avenida Eduardo Mondlane, ao contrário do passado, vê uma tentativa de valorização daquele que se acredita ser o “arquitecto da unidade nacional”. Parece óbvio, as autoridades moçambicanas quiseram “ressuscitar” Mondlane, não ao nível da profundidade do pensamento, como se propôs Severino Ngoenha, mas ao nível simbólico, dando ao herói nacional um estatuto de “Pai da Nação” que, para muitos, pertence a Samora Machel.

Nas entrelinhas, pode ser que o Governo de Nyusi esteja a contradizer a percepção de que existe apenas um “Pai da Nação”. Ao invés disso, como há muito não se via, resgata a figura de Mondlane para, como o fizeram os americanos, sugerir em actos que, no caso, há dois heróis nacionais que, pelo seu envolvimento na Luta Armada de Libertação Nacional, se distinguem dos outros: Mondlane e Machel.

Parece que o Governo de Nyusi está interessado pela importância da memória colectiva como património inegociável dos moçambicanos. Há uns anos, inaugurou a Estátua Filipe Samuel Magaia (na altura, igualmente controvérsia), tal como Mondlane, um herói que poucos sabem o que pensava para Moçambique. Ao trazer de volta essas figuras, pelo menos em termos históricos, reconhece-se aqueles que arriscaram as suas vidas para que hoje vivêssemos em harmonia social.

Actualmente, e num contexto em que tópicos como identidade e pertença diluem-se pelas tantas ofertas disponíveis na internet, é urgente o resgate dos valores e das referências de Moçambique, para que os heróis dos nossos filhos, sobrinhos e netos não sejam personagens dos desenhos animados ou figuras pré-fabricadas através da inteligência artificial.

A Estátua Eduardo Mondlane, vista por perto, contém uns pormenores interessantíssimos sobre a proeminente figura do herói nacional, designadamente, a calvície, o lábio inferior maior do que o superior, a testa farta, aquele semblante e aquele corpo a lembrarem que, sem prejudicar a inteligência, Mondlane era um homem feio e grande.

Dito de outro modo, a estrutura de bronze revela como o construtor vê o herói, o que exigiu de si suportar uma pressão enorme uma vez que a sua obra foi feita para substituir àquela pela qual se tinha desenvolvido uma justa afinidade. As mudanças nem sempre são fáceis e cada um reage a isso de forma particular.

Não obstante, ainda que se diga que a estátua foi muito bem-feita, atendendo aos padrões internacionais, relativamente à tonalidade, material utilizado e à dimensão, é preciso compreender quem pensa o contrário. A diferença de opinião, num debate, não deve ser um problema e muito menos dar azo à intolerância. Longe disso, no debate público, discutir ou contradizer deve constituir uma incessante busca da razão, do consenso, ainda que isso aparentemente seja impossível. Deve importar fazer da diferença da sensibilidade um pretexto maior para construirmos uma narrativa que nos engrandece a todos, como moçambicanos.

No debate sobre a Estátua Eduardo Mondlane, em parte, escapa a sensação de que as novas gerações de moçambicanos, afinal, continuam interessadas pela boa apresentação dos seus símbolos. O que está em causa, a certo nível, não é a estátua, mas a percepção de que podia ser melhor. Claro, também há os que questionam se a estrutura de bronze é prioritária para o país num contexto atravessado por enormes desafios. Respeito quem assim intervém, mas julgo que as outras prioridades nacionais não anulam a relevância de se requalificar o Monumento e Estátua Eduardo Mondlane.

O desenvolvimento de um país se faz em várias frentes. Cabe aos governantes serem consistentes em todas… A questão essencial é que devemos deixar de pensar que gastamos dinheiro quando investimos em bens culturais. Aliás, até devemos exigir dos governantes mais acções a favor do património cultural. No dia que alcançarmos esse nível de exigência, os manifestos políticos vão valorizar a importância das artes e da cultura no desenvolvimento intelectual das mulheres e dos homens.

Uma vez no Alto-Maé, comparei a nova Estátua Eduardo Mondlane com a anterior. Em cada uma há aspectos que aprecio e aspectos que menos gosto. Na anterior, o herói nacional aparece bonito, subtilmente maquiado e diminuto. Nesta nova, aparece com “todas” as suas características físicas destacadas, mas com umas presumíveis manchas à cabeça que ainda não sei explicar. Aparentemente, o construtor não quis pôr beleza onde nunca existiu, mas fazer da verosimilhança o principal factor da originalidade. Quiçá, para a sua desgraça, guiando-se nuns retratos de Mondlane diferentes dos que guiaram a construção da primeira estátua.

Alargando o debate (gesto perigoso quando dizemos o que o nosso leitor não está à espera), os que conhecem Sandton, devem ter reparado as semelhanças existentes entre a Estátua Eduardo Mondlane e a Estátua Nelson Mandela. Analisadas as duas estruturas, até parece que foram construídas pela mesma entidade.

Muitos moçambicanos, quando vão a Sandton, deixam-se fotografar na Estátua Nelson Mandela. Sem receios, geralmente, valorizam aquele símbolo nacional sul-africano, continental e mundial. Nada mais do que justo. Madiba é um exemplo distinto de grandeza, de paz e de amor no tempo de cólera, tal como Gandhi e King Jr. Mas, honestamente, comparando as estátuas de Mondlane e de Mandela, a nossa é bem melhor no retrato, na projecção, nos adereços incluídos e na localização urbana.

Agora, no que me parece óbvio, cabe-nos a todos promover aquele monumento no mapa turístico da Cidade de Maputo, e, assim, torná-lo mais apelativo na divulgação da História de Moçambique. Afinal, na estética da recepção, a crítica é que faz a obra.

O conceituado músico angolano escolheu Moçambique para comemorar as suas três décadas na “estrada da música”, num espetáculo que terá lugar, este sábado, na capital do país.

Numa “Noite Brilhante”, nome do espetáculo, Dom kikas pretende celebrar os trinta anos de carreira musical no coração de Moçambique, Maputo.

Em conferência de imprensa, esta quinta-feira, o artista esclareceu que o concerto “estará focado, sobretudo, nas músicas que construíram esta carreira com mais relevância, durante estes 30 anos”. Terminou a frase para logo depois continuar, prometendo novidades, “vou cantar pelo menos dois temas que são recentes, um que saiu há um mês e outro que é um inédito”.

Dom kikas vai partilhar o palco com artistas nacionais, angolanos e cabo verdianos. A lista inclui  Johnny Ramos, Konde Martins, Calisto Ferreira, Euridse Jeque e Valdemiro José.

Na mesma conferência de imprensa, Valdemiro José prometeu empenhar-se para interpretar um tema musical que tem com o aniversariante, produzido  há 11 anos. “é uma honra e um prazer enorme partilhar este momento marcante”, disse o artista.

“Quando Dom Kikas começou a sua carreira musical, eu tinha dois anos, só para ver que é um enorme prazer fazer parte desta grande história’’, recordou  Euridse Jeque.

São três décadas que Dom Kikas já fez na estrada da música e, por isso, os detalhes são acertados ao pormenor.

“ O nosso objectivo é unir artistas moçambicanos aos de fora e tentarmos fazer aproximação entre culturas”, disse Joana Chipande do Centro Internacional de Conferências Joaquim Chisso, lugar onde vai decorrer o evento, este Sábado (28).

Dom Kikas é conhecido por sucessos como “Saquirima” e “Angolanamente Sensual”. Tem seis álbuns lançados, destacando-se “Pura Sedução” e “Xeque Mate”.

Na próxima terça-feira, às 18h00, o Camões – Centro Cultural Português recebe uma sessão de leitura e conversa sobre o livro “Mutiladas”, de Eduardo Quive, chancela pela Catalogus. Para a organização, será um momento de conversa entre o autor e o público, contando com a participação especial de Dora Chipande, que tecerá os seus comentários sobre a obra e também de Lorna Zita, que fará leituras do livro. A moderação da conversa será feita por Elton Pila.

Eduardo Quive iniciou a escrita do seu mais recente livro durante a residência literária que realizou em Lisboa, em 2022, ao abrigo de um programa que resulta de uma parceria entre o Camões – Centro Cultural Português em Maputo e a Câmara Municipal de Lisboa.

“Mutiladas” são histórias sobre as mulheres, a vida urbana e o exercício de memórias do autor, numa escrita breve, intensa e provocadora. O destino das personagens reflecte uma sociedade de tragédias diárias, onde a violência e a indiferença se transformaram num manifesto de desumanidade. Em “Mutiladas”, a vida é líquida e dilui-se sem que os protagonistas se dêem conta, lê-se na nota de imprensa do Camões.

Eduardo Quive nasceu em Maputo, a 08 de Junho de 1991. É escritor, jornalista, produtor e programador cultural. Membro fundador do Movimento Literário Kuphaluxa, editou a Literatas – revista de artes e letras e é cofundador de Catalogus – portal de autores moçambicanos.

Escreve poesia e prosa. A sua poesia está publicada em antologias em Moçambique, Brasil e Itália. É autor do livro Lágrimas da Vida Sorrisos da Morte (Poesia, Literatas, 2012); Para onde foram os vivos (Poesia, Alcance Editores, 2022); e Mutiladas (Contos, Catalogus, 2024).

É coautor do livro Brasil & África-Laços Poéticos (Editora Letras, 2014); coorganizador das colectâneas Contos e crónicas para ler em casa vol. I e vol. II (Literatas, 2020); coorganizador do livro O Abismo aos pés – 25 escritores lusófonos respondem sobre a iminência do fim do mundo (Literatas, 2020).

Na semana passada, o Centro Cultural Português na Beira recebeu dois painéis de debates subordinados aos temas “Relação entre Literatura, Direito e Religião” e “Inventário da Memória”, orientados por José dos Remédios, jornalista e ensaísta, e pelos docentes universitários Martins Mapera, Fernando Chicumule, Nelson Moda, Cremilde de Andrade e Nídia Chamussora. As duas conversas foram moderadas pelas também docentes universitárias Carla Karagianis e Cidália Alberto.

Sobre o primeiro painel – “Relação entre Literatura, Direito e Religião” –, os oradores afirmaram que, tanto o Direito quanto a Religião abordam temas sobre valores e princípios que a sociedade deve seguir para o seu bem-estar em diferentes áreas. Entretanto, nem sempre essa relação é saudável, uma vez que, segundo os intervenientes, o que o Direito, às vezes defende, não encontra concordância com a religião, havendo, por essa razão, discordância entre os dois ramos.

No evento, falou-se da literatura como sendo o campo mais aberto e aglutinador, dado que nela são vistos o Direito e a Religião de uma determinada sociedade, através dos textos que abordam os diferentes comportamentos.

Quanto à segunda mesa – “Inventário da Memória” –, que também é o título do livro composto por um conjunto de artigos organizados pelo ensaísta e jornalista José dos Remédios, em comemoração aos 60 anos da obra “Nós Matamos Cão Tinhoso”, de Luís Bernardo Honwana, os painelistas sublinharam que não se deve observar a memória como um instrumento usado somente para buscar o passado. Pelo contrário, segundo os oradores, a memória servirá como um instrumento para observar o modo pelo qual a sociedade caminha, evitando, assim, repetir os erros do passado.

A este propósito, “Nós Matamos Cão Tinhoso”, de acordo com os painelistas, denuncia as diversas faces do comportamento colonial em Moçambique, de forma particular, e em África, em geral. Assim, entendem que, com o livro, é possível ter a imagem da dominação em variados contextos.

Por: Vitor Gonçalves

 

Comecei a ler, aqui no NASCER DO SOL, o manifesto anti – Mia, do João Vasco Rodrigues (JVR), convencido que a coisa era sobre literatura.
Engano – percebi logo na segunda linha.
Afinal, é uma nova receita de bacalhau.
Abóbora! Afinal também não o é – entendi logo a seguir: é antes um ataque cerrado aos serviços gerais de empacotamento avulso. Mas, não percebi bem qual a dimensão do pacote em causa, nem o destinatário do envio.
Mas que texto tão ricamente embrulhado, que magnífico labirinto de metáforas; a que vastos e profundos becos somos conduzidos, pela galharda prosápia do autor.
É notável, como dispara – linha, após linha, após linha – múltiplas e absolutamente desnecessárias descobertas sobre tantos, tão diversos e complexos assuntos.
Um verdadeiro paladino de verdades gerais.
E, mesmo quando – modestamente – nos inclui nas suas geniais descobertas geográficas: – “Todos sabemos como África permanece um continente vastíssimo e ainda desconhecido.” – não deixa de vincar o carácter inovador e mesmo disruptivo do seu pensamento.
Como nunca tinha eu pensado nisto?
De facto, ele tem toda a razão: a África não tem encolhido quase nada, permanece um continente vasto, como sagazmente conclui.
Por que será?
Arguto, o autor responde fingindo que não sabe, mas sabendo, como não podia deixar de saber, porque o escreve.
É claro que é por causa daquilo que ele afinal conhece, mas finge – só para nos entusiasmar – não conhecer:
“Conhecemos apenas os seus desastres: as secas, as chuvas intensas, os ciclones, a fome severa…”. Brilhantemente original.
Registe-se o inteligente uso das reticências nesta frase, deixando-nos, poeticamente, vogar pela tal vastidão do Continente, de desgraça em desgraça. Honesta e definitiva a confissão.
Quem bom, que ele nos alerte para o facto.
E sim, desconhecido, como conclui.
Magnífica, a forma incansável como, palavra a palavra, JVG nos dá um cabal testemunho dessa tão comum ignorância. Notável, como cada uma das suas declarações comprova o seu axioma.
Que se cale de Pangloss toda a redonda retórica, Cândido tem novo mestre.

Só me atrevo, um quase nada, a perturbar a clarividência do autor para reclamar pela irritante e contumaz falta do artigo em África. Que diabo, pobres seremos, mas isto de sermos o único Continente que nem artigo pode ter já me cansa.
Em Moçambique não temos posses para ter quatro estações por ano.
Temos duas e a muito custo.
Ao menos deixem-nos um artigo bem definido.

Imparável, JVG, passa da ignorância assumida sobre o Continente, para a ignotícia sobre o Mia Couto.
E, numa hodierna reinterpretação do Mapa cor-de-rosa – na qual nos revela o seu profundo conhecimento de alguns arcanos e misteriosos sortilégios africanos – empacota o Mia e o Agualusa na tal literatura africana e, com aquela audácia que só a profunda ignorância permite, declara-os …”(…)dois vendedores de banha da cobra,(…) dois capatazes dissimulados de uma literatura africana(…).
Que inteligência, que argumento subtil. Vejam como ele metaforiza bem, como domina a antropologia e a História, como sintetiza – a África, as cobras e os capatazes numa polida frase.
Navega, de metáfora em metáfora, com a delicada elegância do hipopótamo, para nos atermos à fauna local.

“Talvez tenha chegado o momento de nos atravessarmos. E foi assim que por estes dias nos atirámos à leitura de “Compêndio para Desenterrar Nuvens”.
Esta é que me deixou de rastos.
Confesso, agora estou entusiasmado!
Isto vai aquecer, o plural majestático não nos permite duvidar.
Ele atirou-se – e sem rede como se percebe – à leitura de um livro. E teve a generosidade de o ler todo!
É sobre-humano, como num ápice, ele alcança uma compreensão tão profunda e genuinamente ignorante da obra do Mia.
Como, num relance, percebe que todos os que ao longo das últimas décadas admiraram a sua escrita estão errados.
Com que coragem denuncia a enormidade da conspiração intercontinental, que levou dezenas de incautos a, um pouco por todo o mundo, atribuírem os mais conceituados prémios da literatura a tal homem.
Ora, lá está outra vez o tal mistério africano que parece atormentar JVG.
Mas, como é que faz para conseguir ser o único a marchar com o passo certo nesta multidão de coxos?
E os adjectivos, já mediram bem o trabalho que dá atingir aquele nível de vulgaridade? É obra.
Os mais incautos de entre nós ainda poderiam vislumbrar, por entre as palavras assanhadas, um verde assomo de inveja por tantos e tão prestigiados prémios, por tão longa e profícua carreira.
Os mais distraídos, talvez pudessem pensar que tanto azedume não passa de uma tentativa serôdia e disparatada de, ao se confrontar com algo que não pode emular, sublinhar publicamente a sua incapacidade.
Uma espécie de Salieri caseiro, um pequeno Iago.
Mas não consigo acreditar que tão dramático objectivo habite em tão irreflectida prosa.
Nem percebi bem a metáfora culinária do bacalhau, ou a da banha.

E, confesso, que não fui suficientemente perspicaz para entender JVG, quando, magnânimo, declara:
Se, por um lado, nos vem oferecido diariamente como uma espécie de herói da literatura africana,  por outro, talvez nos bastasse o dia em que deixasse de escrever e de interferir na dinâmica da edição de livros, para que pudéssemos então começar a ouvir falar daquilo que nos oferecem grandes escritores como Maryse Condé, Aimé Césaire, Luís Bernardo Honwana ou Achille Mbembe.
Fiquei confuso.
Será uma intrincada citação de Camões – “Cesse tudo o que Musa antiga canta”?
Por momentos, debati-me com a complexidade da proposta.
Depois percebi a meridiana clareza da ideia: para promover a literatura, é preciso que um escritor deixe de escrever.
Não sendo Camões, será Goebbels?
Ultrapassa-me.

“Herói da literatura africana”, não sei bem se o Mia o será, mas se JVG diz que o é, lá terá as suas razões.
Mas acreditar que o seu heróico super-poder lhe permite estender a sua influência maléfica pelo espaço, do Índico às Caraíbas, para silenciar Maryse Condé; e pelo tempo – para calar Césaire e atirar Honwana aos cães; e convencer os Camarões e a Sorbonne que fazem mal em ler o Mbembe, porque ele está mesmo aqui à mão… isto não sei se o Mia o conseguirá.
Mesmo com o recurso aos tais mistérios africanos já listados.
Mas JVG diz que sim. E ele lá saberá o que diz.

Indomável, não hesita em discorrer sobre o que ignora.
E passa ao ataque!
Então não é que o Mia, em vez de aplicar o dinheiro em vacinas e nessas coisas a que os africanos se devem dedicar, teve a coragem de participar na criação de uma Fundação dedicada à literatura e à arte?
Mas que raio?
Que sentido é que faz um escritor querer promover a literatura – e o incentivo a jovens escritores; e a reflexão sobre a cultura moçambicana; e o teatro e as centenas e centenas de eventos com que, desde a sua criação, a Fundação Fernando Leite Couto tem marcado a vida cultural da capital moçambicana?
Pois claro, vê-se logo que JVG talvez saiba do que não fala e se mantém consistentemente desinformado sobre o que se passa em Maputo.

Faltava o golpe de mestre. O argumento derradeiro e imbatível.
Então não é – denuncia, garboso, o articulista – que não satisfeito com tanto êxito, o Mia ainda teve o dislate de promover a venda de livros a preços acessíveis ao comum dos cidadãos moçambicanos?
Mas então?
Então, tem algum sentido que um escritor, em vez de se preocupar com as leis do mercado – que JVG tão lustrosamente quer defender – se dedique, ao contrário, a tentar levar os seus livros ao maior número de pessoas possíveis, ao mais reduzido preço que consegue?
E que, não contente com o dislate, este escritor moçambicano, tente que os seus títulos sejam publicados em Moçambique, por uma instituição moçambicana?
Blasfémia!

E, finalmente, com o espírito de indómito cruzado que anima toda a sua catilinária, João Vasco Rodrigues termina com um apelo directo a deus.

Estou certo que será ouvido.
Ou não fosse dos simples o reino dos céus.

 

 

 

 

 

 

 

As actividades desenvolvidas pela Associação Kulemba, em prol da literatura em Moçambique, marcam a grande diferença, em termos práticos, na valorização da literatura moçambicana. Essa posição foi defendida pela actriz Ana Magaia, depois do encerramento da quarta edição da Feira do Livro da Beira (FLIB 2024), que decorreu entre os dias 18 e 20 de Setembro.

Para Ana Magaia, a Kulemba está a fazer o que devia ter sido feito há muito tempo. A actriz acrescentou que a associação está a dar aulas a grandes gerações ao proporcionar eventos como a FLIB, que permitem discutir vários aspectos da literatura moçambicana.

Na FLIB 2024, Ana Magaia participou no sarau de encerramento do evento, no qual fez uma leitura encenada do conto “Rosita, até morrer”, da autoria Luís Bernardo Honwana, escritor homenageado na quarta edição da FLIB.

Em relação ao trabalho apresentado, a actriz sublinhou que encenar qualquer peça sobre a obra de Honwana é motivacional e inspirador, uma vez que faz recordar vários episódios da sua juventude nos diferentes palcos do país, pois ela estreiou esta peça, pela primeira vez, nos anos 80.

Palestras, conversas, debates, sarau cultural e feira de livros foram as actividades programadas para a quarta edição, que decorreu no Instituto de Formação de Professores de Inhamízua, Livraria Fundza, Universidade Licungo, Centro Cultural Português na Beira e Casa do Artista. Nessas actividades, houve participação de diferentes públicos que celebraram a grande festa do livro.

No seu discurso de encerramento, Dany Wambire, presidente da Associação Kulemba, sublinhou que esta edição é uma continuação da celebração dos 60 anos de “Nós Matámos o Cão-Tinhoso, uma vez que, ainda neste ano, houve, em Maputo, actividades iniciais, como o simpósio e a publicação do livro “O inventário da memória”, organizado por José dos Remédios.

Depois destes quatro dias de intensas actividades, Dany Wambire afirmou que Associação Kulemba conseguiu cumprir, com sucesso, os objectivos traçados para a festa de seis décadas da obra emblemática que marcou várias gerações em Moçambique e no estrangeiro.

A Fundação MUSIARTE – Conservatório de Música e Arte Dramática, em parceria com o Conselho Municipal de Maputo, deu início à iniciativa Cultura e Cidadania, que consiste na utilização das artes como veículo para o desenvolvimento humano e na contribuição para a solução de problemas sociais concretos. Neste contexto, foi assinado um memorando de parceria entre as duas instituições.

Segundo a organização, o objectivo da iniciativa Cultura e Cidadania é colaborar com o Pelouro da Educação, Cultura e Desporto, para o melhoramento ambiental da baixa da capital, incentivar e difundir a cultura de cidadania, assim como a consciência e o exercício dos deveres e direitos cívicos colectivos. 

À esta iniciativa juntam-se outras entidades nos esforços de melhoria dos patrimónios culturais da capital do país e organização de eventos culturais que enriqueçam a qualidade de vida dos munícipes.

Neste contexto, nos dias 12, 13 e 14  de Setembro, a Fundação MUSIARTE – Conservatório de Música e Arte Dramática e o Conselho Municipal da Cidade de Maputo levaram a cabo uma campanha de limpeza e desinfestação da Travessa Tenente Valadim, onde se localizam as novas instalações da MUSIARTE, da Rua da Katembe, e o corte das árvores localizadas na ruína histórica da Avenida Consiglieri Pedroso.  

A campanha de limpeza precede os preparativos para a pintura do mural e revitalização das vias identificadas, envolvendo uma equipa de jovens artistas moçambicanos, como o pintor Coana, e artistas italianos, com apoio da Embaixada da Itália  em Maputo.

O acto de cidadania incluiu mais de 40 jovens moradores de rua com objectivo de sensibilizar à preservação da cidade, mantendo-a limpa e cuidada.

O escritor de “Nós Matámos o Cão-Tinhoso”, Luís Bernardo  Honwana, defende que não existe nenhum outro instrumento, senão o livro, para que qualquer país se desenvolva em diversas áreas. Honwana falava durante uma palestra , na quinta-feira, na Livraria Fundza. 

Luís Bernardo Honwana disse, durante o seu discurso na abertura oficial da 4ªedição da Feira do Livro da Beira (FLIB-2024), organizada pela Associação Kulemba, cujo lema é “Encontro entre Literatura, Direito e Religião”, que Moçambique faz parte das nações que devem abraçar o livro para encontrar a solução de vários problemas. 

Acrescentou ainda que a pobreza no país só será mitigada através dos livros, pois é nos manuais onde se encontra a chave que pode abrir as portas para a solução dos males existentes, especialmente nas áreas de educação, saúde, segurança, tecnologia, entre outras.

O escritor vincou que este debate deve ser levado a sério, pelo que, o livro não pode ser visto, como acontece muitas vezes, como algo lúdico. Por isso, Honwana entende que já está na hora de se desenharem políticas sobre o livro

O escritor fez comentários sobre a importância das línguas autóctones moçambicanas e disse ser vergonhoso observar a existência de pessoas que sentem o complexo de inferioridade quando se comunicam nas suas línguas de origem. Para ele, Moçambique deve orgulhar-se por ter vários idiomas.

Hoje, prosseguem as actividades do FLIB-2024. Por isso, às 18 horas, vai decorrer, no Centro Cultural Português na Beira, o debate sobre os temas: “Relação entre Literatura, Direito e Religião” e “Inventário da Memória”.

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