A palavra cultura têm origem do termo em latim colere, que significa cuidar, cultivar e crescer. Cultura é também compreendida como englobando e aludindo aos comportamentos, tradições e conhecimentos de um determinado grupo social, incluindo a língua, as comidas típicas, as religiões, música local e/ou artes.
Enquanto escrevia este artigo, por coincidência um amigo postou no FaceBook a imagem da nossa primeira bandeira nacional, da então República Popular de Moçambique. Enquanto comentavamos o facto dos jovens não (re)conhecerem a bandeira, um jovem de nome Deoclécio Ricardo David fez um comentário interessantíssimo, que passo a citar na integra:
“Ilustre Leonardo, apesar de não ser determinante para percebermos o fundo da questão, gostava de dizer que muito pouco se faz para a transmissão da nossa história aos mais jovens. Decerto, você e o Samuel são de uma geração anterior a minha, mas é inegável que há um enorme problema de auto-estima pela nossa história. E isso é criado por se passar a ideia de que a história apenas foi feita por alguns e só é lembrada para homenagear a alguns. É preciso que um jovem da minha geração tenha uma consciência elevadíssima para ter sentido de pertença, pois ninguém se preocupa em espevitar tal auto-estima. Eu sempre me perguntei: a comemoração das nossas efemérides não é inclusiva. Exemplificando, é um luxo entrar numa praça de heróis. É luxo ter determinados livros relativos à nossa história. Muitos deles relatam o que aconteceu, mas não os fundamentos por trás do que aconteceu. E aí por diante. Isto tudo para dizer que não me surpreende o desconhecimento.”
Wow !!!!!
A bandeira é um dos elementos representativos da soberania e da independência de uma nação. Embora seja uma bandeira antiga (em bom rigor, nem chega a ser tão antiga assim, pois a nossa própria nação é relativamente jovem). Como explicar que os jovens não a (re) conheçam?
Quando fiz a minha primeira visita à Bélgica, fiz uma visita ao palco da Batalha de Waterloo. Claro, estava bastante entusiasmado por poder visitar o local que teria acolhido tal batalha, que por sinal não me diz respeito, mas que no entanto estudei no meu próprio país, sendo de realçar que, para tal visita turística tive que pagar pelo bilhete de acesso. E sabem uma boa? Nunca visitei nenhum local no qual tenha decorrido algum momento histórico e/ou marcante de batalha no meu próprio país. Vergonhoso, não?
Consequências da cultura estrangeira na nossa economia
Um grande número de países estrangeiros (principalmente as grandes nações ocidentais) têm a tendência a promover ou mesmo impor sua cultura aos outros países (principalmente os ainda em vias de desenvolvimento), penso eu que uma parte do interesse seja essencialmente econômico. Ora vejamos, o desenvolvimento de um país depende dos bens e serviços que produz e vende, no entanto esses bens e serviços só podem ser produzidos e vendidos se houver consumidores. Para vender um produto precisamos promover, claro. As empresas brasileiras, por exemplo, produzem e vendem novelas que consumimos de maneira exagerada (deveras exagerada, penso eu). Mas o que não nos apercebemos é que nas novelas os brasileiros fazem promoção de suas praias, produtos de beleza, música, gastronomia e outros. Assim também fazem os ocidentais quando promovem seus vinhos, cidades, futebol, culinária. Consequência disso é que quando pensamos numa praia para visitar, tem de ser Copacabana e não Murrebwe, quando pensamos em uma cidade de sonhos, a nossa imaginação viaja a Paris e não a Matola ou Chimoio, um produto para pele, claro, aquele que vimos na novela e não o nosso Mussiro*, roupa tem de ser aquela marca que o artista estrangeiro usa e não a da Tereza Chiziane, mentor tem de ser Bill Gates ou Jack Ma e não o Dr. Lourenço de Rosário ou Daniel David.
É daí que poucas empresas que promovam marcas locais notórias são criadas em Moçambique e por moçambicanos, pois, se o que nos agrada ou o que estamos habituados é produzido no estrangeiro, porque então pensar em produzir localmente? Porque “perder tempo e energia” a criar empresas e marcas em Moçambique?
Evidentemente que não precisamos, vamos apenas esperar que eles produzam e nos tragam.
É preciso perceber que como seres humanos que somos, tudo que fazemos em repetição torna-se hábito e todo hábito tarde ou cedo torna-se cultura. Sim, estamos aos poucos a perder nossa identidade cultural e a adoptar outras influências exógenas à nossa realidade.
Como fazer com que Moçambique use sua cultura para o seu desenvolvimento econômico
A Cultura nos ensina a perceber e valorizar as diversas formas de ser, estar, de fazer, pensar, expressar, comer, beber, diria mesmo de andar e sorrir e viver de uma forma que nos é particular. O desenvolvimento é um projeto de transformação que visa evoluir. Daí que cada sociedade deve desenhar seu próprio projecto de desenvolvimento a partir de seus sonhos, necessidades, meios e respeitando a sua própria identidade.
Tudo passa por um processo de (re)educação que deve almejar cultivar nos moçambicanos a ideia de que o “made in mozambique” é o melhor. Durante muitos anos, e penso que tenha começado no período colonial, nos foi ensinado que tudo que vem de fora é de melhor qualidade. Acredito que chegamos em um momento da nossa história em que devemos promover a formação intelectual dos moçambicanos desde os primeiros anos de vida. Esta formação identitária deve incidir sobre a nossa cultura, pois creio ser fundamental para o desenvolvimento das nossas capacidades cognitivas.
Se quisermos que os nossos filhos digam o“made in mozambique” é o melhor, então eles têm de ter orgulho de serem moçambicanos. Ter orgulho é algo que aprende-se, não ocorre por mero acaso. Aprende-se quando estudamos sobre os nossos heróis; sobre como e quem desenhou a nossa bandeira; quando no programa escolar estão incluídas visitas aos museus de história nacional; quando passeamos nas nossas cidades e vemos prédios desenhados por arquitectos moçambicanos; quando aprendemos sobre a origem e os fundadores do pandza*; quando aprendemos quem foi Fanny Mpfumo; quando crianças aprendemos o que é munhance*.
A título de exemplo: se quando crianças ensinarmos aos nossos filhos o que é munhance*, ao chegarem a fase adulta não só vão ganhar interesse em consumir mas também em produzir este produto. Imaginem quantos empregos e milhões de dólares fariam os produtores de munhance apenas em Moçambique? E quanto poupariamos em milhões de dólares na importação de azeite de oliva português?
Para criarmos precisamos de ter uma visão global de quem somos, e o nosso passado é o nosso melhor espelho. É com conhecimento do nosso passado que nossa racionalidade é realmente vivida e percebida. Eis a razão e a urgência de divulgarmos a nossa cultura como oportunidade para a criação de emprego e para que um dia os nossos filhos possam dizer de boca cheia: “temos orgulho de sermos moçambicanos”;“somos desenvolvidos” ou “made in mozambique ” é o melhor. EU ACREDITO.
*Munhance – óleo feito na base de mafura (origem shope – sul de moçambique).
*Mussiro – planta medicinal (moçambicana) usada para combater as manchas da pele.
*Pandza – estilo musical moçambicano resultante da fusão de ritmos tradicionais do sul do país e de ritmos de música moderna urbana.
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Samuel Gerson Andrisse é especialista em recrutamento e autor do livro “Be ready for your next job interview”