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Cinquenta euros-meia hora

O equinócio de Março acabava de visitar Lisboa e consigo tinha trazido a Primavera. Frágil como uma mulher que acabava de dar a luz, mas ali estava ela. Algumas folhas preguiçosas iam esverdeando as árvores. A noite que noutros tempos nascia e morria cinzenta, frígida, e, quiçá, desinteressante, se mostrava reconciliada com a cidade.

Quando vivemos momentos como este, não vemos o que vivemos. Os pés desconhecem o chão e tudo que nos rodeia parece ser engolido apenas por um querer sentir que nos possui sem talvez ou sem chance de outra vez.

O semblante matreiro de Zé Manel acendia quando cambaleante descia a rua. Já há muito lhe fazia falta uma Lisboa como aquela.  Entre jolas e fados do Bairro Alto, Lisboa se lhe tinha feito brilhar a luz do luar.

Minutos antes Joaquim, seu copincha, tentava convencê-lo que a noite parecia ter dado tudo que tinha para dar, contudo desde que chegara ao "Maria Caxuxa" que Zé Manel colocara na cabeça que aquela noite seria uma daquelas dos marinheiros. Acaba quando não mais há lua e só revela os seus encantos se a falarmos coisas doces aos ouvidos.

-Nada mais temos aqui a fazer, compadre!- Disse Joaquim fazendo sinal que era hora de abandonar o bar "Maria Caxuxa".

-Eu já disse que esta não era noite para paneleirices, Jaquim! A noite só acaba quando o sol nascer… – gritou Zé Manel enquanto encaminhava o copo de cerveja à boca.

-Tenho dito compadre, esta Lisboa já não é a mesma… – Respondeu Joaquim com um ar resignado.

-Tu estás é com a jola a te subir os cornos! Isso é transmissível! – disse Zé Manel interrompendo a fala com pequenos, mas fortes, risos de mofa. – Prefiro ser eu a te deixar, que tu a me deixares. Vou-me embora, vou descobrir essa noite que ainda anda pela cidade abaixo.

Zé Manel encheu o peito de ar, ganhou força, levantou-se e começou a descer a rua cambaleante. Ainda ao longe vira aquilo que o fizera dizer, como se se congratulasse:

– E agora a cereja no topo do bolo!

Estava ela de costas ao fundo da rua com uma saia que deixava o vento noturno se deleitar das carnudas pernas brancas. Os cabelos compridos quase que tocavam o traseiro arrebitado. O salto alto que calçava a dava um ar de senhora da noite.

Como que impelido por alguma força sobrenatural Zé Manel esforçou-se para aumentar o passo sem se dar o luxo de sentir o tempo acontecer. Quando deu por si tinha as mãos no traseiro da "senhora da noite" e sentiu a respiração cessar ao ouvir uma voz masculina dizer-lhe:

– Cinquenta euros-meia hora.

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