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Crise financeira agrava a insustentabilidade do sector dos transportes rodoviários

A crise no financiamento está a minar o desenvolvimento do sector de transportes de passageiros em Moçambique, alerta Jorge Manhiça, porta-voz da Federação Moçambicana das Associações dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO). Segundo o dirigente, tanto o transporte urbano como o interprovincial enfrentam dificuldades crescentes para obter crédito, situação que tem mantido veículos parados nas oficinas e travado investimentos.

“Actualmente, nem a banca quer financiar transportadores urbanos. Na área interprovincial, o acesso ao crédito também se tornou restrito”, denuncia Jorge Manhiça. “Temos mais de 150 autocarros parados nas oficinas, a precisar apenas de pequenos reparos para voltarem a operar. Falta um plano de transporte bem estruturado para impedir que continuemos a investir e, poucos anos depois, regressemos à estaca zero.”

O porta-voz recorda que empresários moçambicanos chegaram a investir em autocarros modernos para o transporte de passageiros, mas as más condições das estradas, especialmente ao longo da Estrada Nacional Número 1, têm elevado os custos e reduzido o retorno. “Quando um autocarro sai de Maputo para o centro ou norte, muitas vezes chega ao destino com danos mecânicos graves. Isso é consequência da falta de infraestruturas”, lamenta.

Além da degradação das vias, Manhiça aponta para a ausência de terminais adequados nas zonas metropolitanas, situação que dificulta a logística e reduz a rentabilidade das operações. “Na cidade de Maputo existem alguns terminais, mas em áreas como a Matola, Marracuene e Boane praticamente não há. Isso impacta diretamente o funcionamento e a organização do transporte”, afirma.

Para o engenheiro de transportes Nelson Mabucanhane, embora as dificuldades do sector sejam visíveis, muitas das suas causas estão fora dele. O especialista defende que a falta de planeamento urbano e o crescimento populacional desordenado têm impacto direto na ineficiência dos transportes.

“A ineficiência que vemos no sector dos transportes muitas vezes não é gerada dentro dele, mas por outros factores. Quando as pessoas se instalam em zonas sem infraestrutura, o governo acaba por correr atrás para levar serviços, e o transporte fica sobrecarregado”, explica.

Mabucanhane critica a chamada “abordagem tradicional” centrada na compra de novos autocarros como solução para os problemas. “Temos de gerir a procura, descentralizando pólos de geração de viagens como universidades e mercados. Assim, evitamos que os veículos façam trajectos unidireccionais e circulem vazios no regresso, o que gera desperdício e custos adicionais”, propõe.

Outro ponto levantado pelo engenheiro é o congelamento das tarifas de transporte urbano na região metropolitana desde a década de 1990. “Quando se congela a tarifa, inviabiliza-se o sector privado. O governo promete subsídios, mas não cumpre. É preciso liberalizar os preços para que o operador possa cobrir custos e gerar lucro”, argumenta.

O economista Clésio Foya concorda com a necessidade de reformas estruturais, mas sustenta que, sem estradas, terminais e infraestruturas de apoio, qualquer política de gestão será limitada.

“O governo deve priorizar a modernização das vias de acesso e das infraestruturas de transporte. Estradas em boas condições reduzem custos operacionais e beneficiam diretamente os passageiros, que terão tarifas mais acessíveis”, afirma.

Foya defende também a criação de indústrias locais de peças sobressalentes e parcerias estratégicas com fabricantes internacionais para garantir a sustentabilidade do sector. “Podemos fazer acordos com concessionárias para instalarem fábricas no país, produzindo pneus e componentes essenciais. Isso reduz a dependência externa e aumenta a competitividade interna”, explica.

Para o economista, tais medidas teriam efeito multiplicador sobre a economia, gerando empregos, reduzindo custos e estimulando novos investimentos privados.

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