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Construções desordenadas e o seu impacto nas cidades moçambicanas

A região Sul do país, com destaque para a nossa capital moçambicana, Maputo, está a ser fustigada por chuvas intensas, desde a madrugada de domingo, 24 de Março. Este facto está a condicionar negativamente a vida de centenas de famílias. De facto, a chuva não está para menos, com 100 milímetros por mais de 24 horas, como é o caso, poucas cidades no mundo conseguem garantir o escoamento com a flexibilidade desejável.

A situação torna-se mais calamitosa para as nossas cidades, onde os níveis de construções desordenadas correm a uma velocidade tal, muitas vezes com o olhar impávido de quem devia intervir para evitar cenários de fraco escoamento. As cidades moçambicanas, com destaque para a capital, observaram, ao longo dos tempos, construções em locais por onde passam os canais de escoamento das águas pluviais.

Como sabemos, as bacias de retenção têm sido, muitas vezes, utilizadas como armazenamento de água para diversos fins, com destaque para a agricultura e drenagem, reduzindo, assim, a retenção das águas das chuvas no interior dos bairros e garantindo a vida normal das famílias.

No entanto, como disse anteriormente, muitas construções de casas em várias cidades do país, nos últimos anos, foram feitas justamente por onde passam os canais de escoamento, obstruindo o caminho da água da chuva. Como consequência deste fenómeno, ouvimos gritos de socorro de muitos compatriotas nos últimos dois dias. As redes sociais, os órgãos de informação e diversas outras plataformas provam isso, veiculando imagens tristes, chocantes, avassaladoras de homens, mulheres e crianças com bagagens à cabeça, à procura de locais seguros para buscar abrigo.

É, certamente, uma situação extremamente complicada e que retira a dignidade da vida humana. Mas não há alternativa senão buscar por locais seguros para evitar a perda de vidas humanas.

Afinal, por onde andam as nossas autoridades da administração do Estado, que deixam ter lugar construções de casas em locais proibidos? Que políticas têm sido desenhadas ao nível do Ministério das Obras Públicas Habitação e Recursos Hídricos para evitar ou minimizar impactos severos nas famílias sempre que chove?

Estas e outras perguntas, obviamente, não encontram respostas plausíveis, mas o certo é que urge a necessidade de se repensarem políticas que visam assegurar a requalificação dos bairros, fazendo com que os canais de escoamento não sejam obstruídos pelas famílias e que se obedeça a construções de casas nos padrões recomendados pela administração do Estado, enquanto entidade que assegura tal facto.

O certo é que, sempre que chove, em qualquer cidade do país, cenários de casas inundadas e famílias em desespero ocorrem a cada momento, como apontam Vasco Catanda e Joaquim Notice, num artigo lançado em 2022, que retrata as construções desordenadas em Moçambique como acção que impacta negativamente o meio ambiente. Na mesma senda, Amorim e Cordeiro (2008) referem que a ocupação antrópica inadequada gera uma cadeia de impactos ambientais, tais como impermeabilização do solo, alterações na topografia, erosão do solo, perda das matas nativas, diminuição da biodiversidade e aumento do escoamento superficial.

Partindo deste pressuposto, nota-se que o homem é o principal responsável por aquilo que tem vindo a acontecer nas cidades moçambicanas. O ser humano provoca mudanças estruturantes no clima, com consequências nefastas a curto e longo prazos.

A chuva acima do normal, que tem caído, coloca à prova a nossa real situação, de fraca capacidade de escoamento das águas, daí a necessidade de repensarmos as nossas acções sobre o meio em que vivemos, que tipo de cidades queremos e, quiçá, uma elaboração de políticas públicas neste sentido, para que se reverta o cenário.

Ademais, face ao actual fenómeno, precisamos de avançar para o monitoramento da construção de novas habitações nos centros urbanos e não só, para que não se observe o processo de degradação, não só ambiental, mas do sistema de escoamento e das bacias de retenção de água. Isso poderá permitir um grande vazamento, do contrário iremos assistir a uma situação cada vez mais complicada para as famílias sempre que chover.

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