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Conselho de Ministros aprova perda de mandato de Manuel de Araújo

Depois de cerca de mandato e meio a frente dos destinos da autarquia de Quelimane, Manuel de Araújo “cai” por via de um decreto do Governo, que resulta de uma passo considerado “em falso”, quando faltavam perto de quatro meses para o fim do mandato

O Conselho de Ministros confirmou, esta terça-feira, a perda de mandato do edil de Quelimane, Manuel de Araújo, que deverá cessar funções, quase nas vésperas do fim do seu mandato, previsto para perto do final deste ano.

Segundo o executivo, pesou para esta decisão o facto do edil da principal autarquia da província da Zambézia ter sido inscrito para as próximas eleições autárquicas numa lista diferente da que foi eleito para o actual mandato, precisamente, antes do seu término.

Com a inscrição na lista da Renamo, enquanto prevalece o mandato em que foi eleito pela lista do MDM, entende o Conselho de Ministros que Manuel de Araújo violou a alínea b) do nº 2 do Artigo 10 da Lei 7/97 (Lei da Tutela Administrativa do Estado sobre as Autarquias Locais).

“A Lei da Tutela Administrativa do Estado sobre as Autarquias Locais determina a perda de mandato dos titulares dos órgãos das autarquias locais que após as eleições se inscrevam em partido político diverso ou adiram à lista diferente daquela em que se apresentaram a sufrágio”, explicou ontem a porta-voz do Conselho de Ministros, Ana Comoana, no final de mais uma sessão do órgão.

A denúncia do mandato de Manuel de Araújo começou há cerca de uma semana, quando a Assembleia Municipal de Quelimane convocou uma sessão extraordinária para deliberar sobre o afastamento do edil.

Na ocasião, aquele órgão recorreu, precisamente, ao principal artigo evocado pelo Conselho de Ministros, mas segundo Ana Comoana, o momento que determinou a acção do governo, foi o da divulgação, pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) das listas definitivas dos partidos concorrentes as eleições de 10 de Outubro próximo.

“O que a lei determina é que a partir do momento em que se torne público e notória a situação que determina a perda de mandato, o Conselho de Ministros é competente para conhecer e proceder a declaração. Para este caso, contou a deliberação da Comissão Nacional de Eleições na sua deliberação número 64 relativa a verificação das listas plurinominais definitivas em que o edil consta numa lista diferente da lista do partido que o elegeu”, explicou Comoana.

Deste modo, o Conselho de Ministros chamou a si a legítima competência de declarar a perda de mandato de Manuel de Araújo, facto que tinha sido “usurpado” pela Assembleia Municipal que, insatisfeita com a decisão do seu antigo correligionário, avançou com a deliberação de afastamento, pelo que, o Governo decidiu agir para repor a legalidade.

“O Nº 2 do artigo 100 da Lei 6/2018 de 3 de Agosto, fixa a competência do Conselho de Ministros para declarar a perda de mandato” pelo que o decreto aprovado esta terça-feira anula a deliberação de 17 de Agosto, da Assembleia Municipal de Quelimane, que decretara a perda de mandato de Araújo, “por padecer de vício de incompetência absoluta para a declaração de mandato”, explicou a porta-voz do Executivo.

Uma vez tomada a decisão, Manuel de Araújo tem agora 20 dias para que, “querendo”, possa recorrer junto ao Tribunal Administrativo para salvar o seu mandato.

Caso a instância de recurso mantenha a posição do Conselho de Ministros, Manuel de Araújo será substituído pelo actual Presidente da Assembleia Municipal, Domingos Albuquerque, que deverá levar o resto do mandato até ao fim.

Manuel do Araújo chegou à presidência do Município de Quelimane em 2011 por via de vitória nas eleições intercalares para substituir o cargo deixado vago com a renúncia do então edil, Pio Matos, tendo cumprido o resto do mandato que restava.

Em 2013, voltou a votos para as eleições “ordinárias”, tendo renovado o mandato que é agora posto em causa e cassado pelo Governo.

Durante os cerca de mandato e meio, esteve aliado ao MDM, partido que agora está, em parte, por detrás da sua perda de mandato.  

Era espectável…

Na sua primeira reacção ao sucedido, Manuel de Araújo disse que tinha tomado conhecimento da decisão do governo apenas por via da comunicação social, mas que não estava surpreso com a mesma.

“Era um passo espectável. Portanto, estávamos à espera que, a qualquer momento, o Conselho de Ministros tomasse essa decisão”, disse em contacto com a imprensa na cidade de Quelimane.

Araújo lamentou não ter sido ouvido antes da decisão do executivo, mas disse que não vai cruzar os braços. Irá usar de todos os mecanismos legais que o protegem para repor a “justiça”.

“estamos num Estado de Direito, onde as partes têm direito a ser ouvidas. até aqui, não recebemos a deliberação da Assembleia Municipal, nem qualquer informação da tutela administrativa…mas o que temos a dizer é que vamos exercer o nosso direito que a Lei – Mãe e demais legislações nos conferem”, frisou.

Dois casos, mesmos protagonistas e decisões contrárias

A história das eleições autárquicas em Moçambique tem vários casos similares ao de Manuel de Araújo, mas que tiveram um desfecho diferente, como resultado de parecer contrário, apesar das similaridades

Em Outubro de 2008, A Renamo submeteu ao então Ministério de Administração Estatal (MAE), um pedido de perda de mandato de Daviz Mbepo Simango como presidente do Conselho Municipal da Beira.

O pedido acontecia há poucas semanas das segundas eleições autárquicas no país.

Argumentava a Renamo que Daviz Simango, eleito em 2003, pela lista da então Coligação Renamo-União Eleitoral (RUE), e que acabara de abandonar o partido, devia perder o mandato por conta da sua inscrição para a corrida daquele ano pela lista do Grupo de Reflexão e Mudança (GRM).

E porque a inscrição fora feita no decurso da vigência do seu mandato, a Renamo pedia, não apenas a perda, bem como a impugnação da candidatura para a própria sucessão.

“Nas actuais eleições autárquicas, o cidadão Daviz Simango concorre como personalidade independente, proposto pelo Grupo de Reflexão e Mudança (GRM)” ou seja, “por uma lista diferente daquela pela qual foi eleito em 2003, apesar de ainda exercer as funções de presidente do CMB, correspondente ao mandato actual”, o que, justificava a Renamo, “viola a alínea d.) do n.º 2 do art.º 10 da Lei 7/97, de 31 de Maio”, escrevia o maior partido da oposição, numa missiva dirigida ao então ministro Lucas Chomera.

Contrariamente ao que sucedeu no caso Manuel de Araújo, o Governo, na altura, não viu nada que fosse público, nem notório que consubstanciasse perda de mandato, pelo que apenas dirimiu a situação perante a queixa apresentada pela Renamo.

Da análise então feita, o MAE concluiu que o pedido de Renamo era improcedente.

“Não é procedente o pedido do Partido Renamo, na medida em que as normas por si arroladas não são aplicáveis para o caso vertente, por se mostrar extinta a entidade jurídica que apresentou o candidato Daviz Mbepo Simango ao sufrágio de 2003”, indica o despacho do então ministro.

Nos seus argumentos, o MAE explicava que “por se verificar que a Coligação RUE foi apenas constituída para as eleições autárquicas de 2003 e Gerais de 2004, é de todo legítimo que os militantes da coligação, para as autárquicas de 2008 e subsequentes, possam ser propostos por entidades jurídicas distintas da coligação RUE”.

Dez anos depois, o conflito Renamo-MDM volta à ribalta e, mais uma vez, a troca de potenciais candidatos volta a agitar o processo eleitoral, os órgãos de administração e de tutela, prometendo um desfecho frenético e cheio de incógnitas.

O facto, porém, é que com mais ou menos similaridades, a legislação volta a colação e, tal como há dez anos, volta a ser alvo de interpretações distintas, ao gosto dos interesses partidários.

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