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Como desnudar as máscaras (conclusão)

A meio do terceiro episódio do folhetim, este é interrompido e a voz de um locutor esclarece que o mesmo foi censurado e os seus autores presos, por subversivos. O resto do que seria o tempo do folhetim é substituído pela emissão radiofónica de uma das Conversas em Família, de Marcelo Caetano.

Sá Caetana acha muito bem e aproveita para ler à parte — embora de vez em quando vigie a irmã, para ver se ela continua alheada — a carta em que Basílio Alberto conta a morte de Cosme Paulino.

Ao mesmo tempo vemos que, nu e empurrado pelos amigos, Vicente, se prepara para ser iniciado sexualmente por Camba. Aí recortam-se nos pés os coturnos que sempre usou desde o início e nunca tira e que simbolizam como é um homem “entre”, um homem que nunca pisa inteiramente o chão do presente.

Camba leva-o para off. Só ouvimos os seus assobios de prazer, enquanto os amigos riem.

Dr. Valdez visita Vicente no seu quarto. Este, depois de ter estado sob influência, submetido à provação, resolve sacudir a “possessão” e envergar a sua máscara do Mapiko, que tinha debaixo do catre.

Última cena com o Dr. Valdez. Amélia acaba por se finar, logo depois de ter felicitado a irmã por ter servido uma cerveja ao rapaz.

O chilumi continua a invadir o ciclo-rama.

De modo coral, os criados dão conta das últimas notícias e palram entusiasmados com o espírito do homem novo conquistas do homem novo. Após, o que repartem entre si novos papéis sociais, só Vicente permanece abstraído.

O chilumi “tapou” todo a superfície do ciclo-rama.

Caetana, despedindo-se de Vicente, oferece-lhe num gesto magnânimo o que já não tem: as suas propriedades no Ibo.

Com a mala de viagem e vestida para sair, Caetana relê a carta da sobrinha.

Vicente, bucólico, no seu quarto, mete uns novos coturnos para ficar mais alto e depois senta-se a olhar as imagens do mar que passam no ciclo-rama e que ressoam forte.

Está no seu purgatório, submerso nos seus irreais.

Os criados que julgavam viver no inferno, mudam-se para a casa das manas, julgando que doravante viverão no paraíso. Acendem a telefonia e ouvem um discurso contra os Xiconhocas (1).

Fecham-se as luzes.

E neste momento também eu me calo.

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Cantinho, Maria João, O anjo melancólico, Ensaio sobre o Conceito de Alegoria na obra de Walter Benjamin, Angelus Novus, Coimbra, 2002.

    Xiconhoca, no imaginário popular de Moçambique é a má rés, o aproveitador, o vigas que faz ronha e que subverte os processos em seu proveito. Durante uns anos foi símbolo dos sabotadores da Revolução.

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