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Chuva cai, destrói e destapa fragilidades dos municípios de Maputo e Matola

A chuva que caiu nas últimas 48 horas na Cidade e Província de Maputo fez estragos. Casas desabaram e ficaram inundadas, carros pararam no meio da estrada e as ruas estão quase intransitáveis. Alguns munícipes tiveram de abandonar suas casas.

Tudo começou na noite de terça para quarta-feira. Era apenas um sinal do que ainda estava por vir. Esta quinta-feira, o cenário ficou mais evidente. Na Cidade de Maputo, as fragilidades de vários bairros vieram ao de cima.

Triunfo, Costa do Sol e Mapulene, bairros chamados de elite, com casas luxuosas, a chuva mostrou, mais uma vez, o seu poderio. Com as ruas alagadas e quase intransitáveis, até os carros de “luxo” tinham dificuldade para medir forças com a água.

Para sair de um lugar para o outro, havia duas opções – ou andar descalço ou calçar botas – as calças, vestidos, saias e capulanas eram puxados até ao joelho.

“Solidariedade” é uma palavra que fez muito sentido, é que os mais fortes e corajosos carregavam nas costas outras pessoas para poderem atravessar as águas e os sapatos de alguns até se descolaram e os pés começaram a sair bolhas. Foi o que aconteceu com Orlando Baloi, que trabalha no bairro Triunfo.

“Quando desci do ‘chapa’, apercebi-me de que isto estava cheio de água, ainda tentei entrar por aqui, mas, por conta da quantidade de água, preferi usar outro caminho, mas sem sucesso, pois, quando cheguei lá, vi que estava pior. Encontrei algumas pessoas que disseram que a água chega a altura da cintura, por isso decidi voltar e enfrentar esta água que chega à altura dos joelhos”, contou.

A situação do bairro Triunfo já esteve pior, foi amenizada por uma vala de drenagem, que já está cheia e a transbordar.

Se os carros de grande porte ainda conseguiam passar pela água, os de pequeno porte nem podiam tentar. “Os carros pequenos nem adiantam, tive que deixar o meu em casa, não adianta arriscar, ontem tive problemas e não quero piorar a situação do carro”, disse Arlindo Sabor, que trabalha como motorista numa das residências do bairro Triunfo.

No bairro Triunfo, a natureza voltou a fazer o mesmo desta vez, tanto que até na Escola Comunitária Ntwanano nem das crianças a chuva teve piedade.

Todo pátio está inundado, para entrar e sair da escola, é preciso ter equilíbrio. Para as crianças, foi um dia triste, pois não puderam fazer o que mais gostam: brincar.

“Na entrada da escola, colocaram sacos com areia para podermos passar, mesmo assim, molhamos; hoje não brincamos, nem saímos da sala”, contou Shelton, aluno daquela escola.

No bairro Costa do Sol, na rua Major-General Cândido Mondlane, mais conhecida por Rua Dona Alice, a situação foi igual à do bairro Triunfo, onde o parque de diversão não escapou da fúria das águas.

Segundo relatou ao “O País” o gestor Victor Rodrigues, as águas invadiram o parque, alagando todo o parque de estacionamento, as plantas ficaram todas cobertas de água e não era possível entrar, nem sair do recinto.

“A estrada foi construída muito acima do nível e ao invés de ir lá para fora através do nosso sistema de escoamento, ela ‘regressa’; a situação piora porque os responsáveis por fazer a limpeza da vala não estão a fazer nada”, desabafou o gestor.

Houve quem viu tudo que construiu durante toda a sua vida ficar reduzido a nada. Encontrámos Francisco Mota a “lutar” com a água para trancar o portão da sua casa, isso porque está toda alagada e não há condições para ele e sua família estarem lá.

Disse ao “O País” que perdeu quase tudo, desde mobília, electrodomésticos e outros objectos e que a noite passada pernoitou em casa de familiares.

“Agora, é só esperar a água baixar, para poder voltar e trabalhar para comprar outra mobília, mas a verdade é que a última vez que vi isto acontecer foi em 1977, não imaginei que isso fosse voltar a acontecer”, lamentou.

Em Mapulene, as casas também ficaram submersas; “sofrimento” e “tristeza” são as palavras que mais estão na boca dos residentes daquele bairro. Numa das casas visitadas pela nossa equipa de reportagem, a proprietária, Ana Morais, explicou que a água é das chuvas que caíram em Abril do ano passado.

“Já não tenho quintal, as crianças não têm um espaço para brincar, já não precisamos de comprar peixe, porque aqui, no nosso quintal, é o que tem demais; minha casa estragou-se e comecei a construir outra; não dá para viver assim, até estou a colocar entulho no quintal.”

Ana Morais culpa o Município de Maputo por não colocar valas de drenagem, pois considera que esta é a solução mais adequada para o problema que, segundo a moradora, se agudizou com as “mansões” à volta da sua residência, pois fecham o caminho das águas.

ENXURRADAS NA PROVÍNCIA DE MAPUTO

Já na Província de Maputo, assiste-se a um cenário igualmente caótico, caracterizado por casas tombadas, muros derrubados, ruas alagadas, pessoas mergulhando na água suja, estradas intransitáveis… uma cena de “lamentar”.

Em apenas um quarteirão do bairro Mozal, três casas tombaram. Por sorte, ninguém estava no seu interior na altura do ocorrido, segundo contou a senhora Carla.

“Foi por volta das 22 horas que ouvimos um tombo. Saímos para ver. Estava tudo escuro, mas vimos uma parte do muro deste armazém caído. Mas, quando amanheceu, vimos que duas casas, uma de madeira e zinco e outra de alvenaria, haviam caído. As nossas só escaparam por sorte”, contou.

Ao longo da Estrada Nacional Número 4, na Província de Maputo, houve também muros que não venceram a luta contra as águas.

Já no bairro Liberdade, os munícipes estavam presos nas suas casas, sem liberdade de circular, tudo porque as ruas ficaram alagadas. A água invadiu, igualmente, as suas casas.

O facto ocorreu numa área que será abrangida pela vala de drenagem, cuja primeira pedra para a sua construção foi lançada na semana passada e espera-se que esta resolva a situação, contudo, enquanto tal não acontece, estes continuarão sitiados.

Houve situações em que famílias abandonaram as casas devido à quantidade de água no interior. Outras pessoas, dentro da água, caminhavam carregadas de sacos de roupa, cestos e outros pertences.

“Eu tive medo de sair. A água chegava até ao peito das minhas crianças, em algum momento pensei que pudessem ser afogadas. É triste isto! Quero convidar a edilidade, na pessoa do presidente do Município, para vir aqui e mergulhar nestas águas, por forma a sentir o que sentimos”, disse, transtornada, uma moradora.

Ficou mais complicado andar por algumas ruas e avenidas da Matola. Há sinais de perigo por todo o lado. Buracos na via pública, poças profundas, tudo provocado ou até piorado pela chuva que cai desde a última terça-feira.

A edilidade da Matola fala de desafios que ultrapassam a sua capacidade. Reconhecem os desafios, virados para a construção de valas de drenagem e disponibilidade de fundos.

“A chuva da madrugada de terça-feira, que foi intensa, tinha sido acomodada em função do trabalho preventivo que foi feito para o escoamento das águas. Foi intenso, mas as infra-estruturas conseguiram responder e as águas, até ao fim do dia, tinham corrido bem e todos os passos estavam acessíveis. Entretanto, com a descarga do fim do dia desta quinta-feira, o desafio ficou maior, no sentido de que todas as infra-estruturas ficaram sobrecarregadas. E como sabeis, a água também transporta consigo resíduos sólidos, garrafas e plásticos, o que compromete ainda mais o sistema de escoamento”, disse Bernardo Dramos, presidente do Conselho de Administração da Empresa de Gestão de Águas e Saneamento do Município de Maputo.

Dramos diz mais: “As chuvas que caíram de ontem para hoje, em qualquer canto do mundo, nenhum sistema responde de forma imediata. O mais importante é que, havendo cheias, que é normal, natural que numa situação como esta, a infra-estrutura tenha a capacidade para que a chuva dê uma pausa. Assim, o primeiro desafio seria construir infra-estruturas de drenagem, de saneamento e de esgoto que possam ter a capacidade de responder com maior eficácia”, explicou o PCA.

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