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Cambalhotas-19

O coronavírus, desde o surgimento do primeiro caso, na cidade chinesa de Wuhan, em Dezembro último, tem-nos mostrado o quanto a Ciência é um verdadeiro tabuleiro de convicções e atrevimentos, de controvérsias, tropeços e resiliência.

A primeira grande controvérsia foi com relação ao uso da hidroxicloroquina em pacientes em estado avançado da doença. Alguns especialistas pensaram, e o medicamento foi sendo usado; outros contra-pensaram, e descobriu-se o contributo zero deste e de outros fármacos antimaláricos para o tratamento da Covid-19. Feito papagaio de linha arrebentada em meio ao vendaval, voou para o espaço o protótipo de fé de muitos de nós, africanos, que, abençoados de malária desde a nascença, melhor, desde o ventre, pensaram que tivessem imunidade garantida. No lugar de sangue, correm em nossas veias, na mesma coloração vermelha, doses carregadas de cloroquina, fansidar e coartem com que combatemos o amor tropical e sempre fiel dos mosquitos da tribo anopheles. A cloroquina era tomada em doses que lembram o estilo clássico de alinhamento de um time de futebol onze. Aquele 4-4-2 fazia a terra girar, comprovando, em ritmo mais rápido, a teoria de Galileu Galilei. Mais do que isso, o malariado podia até jurar que o céu estava na posição errada. Não quis o destino que arrancássemos um graças a Deus por uma maldade de tamanho universo na fuga a sete pés do coronavírus. Uma ironia a menos para o continente berço da humanidade.

Mais tarde, veio o baile das máscaras, inicialmente tidas como necessárias apenas para o pessoal da Saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) e os indivíduos já infectados pelo vírus. Não tardou para se repor a verdade sanitária e fazer-se da máscara um acessório de uso mundialmente obrigatório. Não é que está sendo uma fonte de renda para muitos da nossa banda? Uma costura rápida em pedacinhos de capulana, uns dois centímetros de elástico nas extremidades para dilacerar as orelhas e uma paciência de seguir as pegadas dos já expulsos vendedores ambulantes da baixa podem render um pão seu de cada dia. Para vender máscaras, certamente, os polícias deixam aquela gente circular por ruas e passeios assediando aos que têm medo de morrer. O preço, inicialmente, era 3-100, marca registada do consumidor nacional. Mas porque algumas pessoas vieram com chiliques, querendo aliar o sofrimento à moda, as máscaras foram tomando cores de partidos, de clubes, de fatos, blusas e bolsas, e aos poucos custam mais caro. Esta é outra patologia, mais grave, velha como a idade do próprio tempo, que atravessa as etapas todas da evolução humana: os homens lutam para estar em cima uns dos outros, não importam as circunstâncias. E no que seria apenas uma máscara de protecção contra o vírus, hoje é vaidade e diferenciador social. Será leve a dor quando se morre elegantemente?

Entre tantas idas e vindas, ditos por não ditos, surgiu a ideia dos túneis de desinfecção. Tudo fazia crer que se tratava de um mecanismo bastante avançado no que à prevenção diz respeito. A ideia foi comprada e viajou pelos quatro cantos do mundo. Através do edil de Chimoio, o “todo terreno” João Ferreira, Moçambique deixou de ser uma ilha no uso desta ferramenta. Depois foi o que se viu: corrida de “100 metros barreira” entre os Presidentes de vários municípios nacionais. Entre compromissos de Saúde Pública e Epopeias Eleitoralistas, as nossas cidades foram-se equipando de túneis de desinfecção como no passado estiveram os nossos impérios cercados de aringas para a protecção contra as invasões de inimigos. O inimigo hoje é um batalhão invisível de vírus.

As peripécias da Ciência não pararam, e não tardou que o caldo do desperdício fosse entornado: afinal, os túneis de desinfecção em nada servem, senão como armadilhas para nossa própria destruição. Aquele banho, que faz a gente parecer viaturas em um “car wash”, é completamente desnecessário. Mais do que isso, é uma fonte de infecção. Cinzas e borrões! Hajam rabos para colher perante tamanha desilusão. Mais uma hecatombe financeira para uma nação que corre atrás do desenvolvimento.

A vida ensina a andar para trás, quando se está à beira do precipício. Humildemente, sob o peso da responsabilidade, assim procedeu o Ministério da Saúde. Serão abandonados os túneis, tornar-se-ão elefantes brancos, uma lembrança a enferrujar-se sorrateiramente como canhões que de uma fortaleza apontam para o mar do tempo. E o mérito dos edis? Fica-se pela intenção. A Ciência é assim, foi sempre assim. Graças à resiliência dos cientistas, o progresso jamais parou. E depois de tantas cambalhotas virais, chuva de lágrimas, o sol voltará a brilhar, esculpido de bonança da esperança, certamente.

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