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Câmara da STV de volta e com imagens reveladoras

Foto: O País

Mais de uma semana depois do roubo, a câmara do Grupo Soico já foi devolvida. O equipamento chegou pelas mãos do Serviço Nacional de Investigação Criminal, contendo todo o material que tinha sido filmado no dia 04 de Junho corrente. As imagens mostram como a Polícia obrigou os manifestantes a saírem do local das manifestações.

O dia não tinha nenhum indício de que terminaria com o Grupo Soico sem parte dos seus equipamentos. O que sucedeu é que havia mais de 300 ex-agentes do extinto Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), que se estavam a manifestar em reivindicação de suposta compensação que devia ter sido paga há 20 anos.

A manifestação estava a ter lugar defronte das instalações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na Avenida Kenneth Kaunda, esquina com a Avenida Cahora Bassa, na Cidade de Maputo. Era, na verdade, um trabalho de seguimento.

É que, na noite anterior, chovera torrencialmente em Maputo, então interessava saber como aqueles homens e mulheres tinham passado a noite. Até foi feito esse trabalho junto dos manifestantes, que se mostram tristes por terem passado a noite debaixo de uma chuva que tinha também granizos.

Ora, quando eram 17h55, Hélder Mathwassa, operador de câmara, clica no botão rec para gravar a primeira imagem, a identificar onde estava. Do trabalho que estava a ser feito, foi apurado, por exemplo, que, naquela terça-feira, pela manhã, estivera lá um agente da Polícia com um ultimato. “Ele disse que tínhamos até 16h para sairmos daqui, senão iriam usar força”.

O trabalho continuou e foram ouvidas mais personagens, a última das quais foi entrevistada às 18h21. A gravação foi de menos de 03 minutos. E pronto. Estava contada a história do dia. Até que, por volta das 18h25, chega um contingente policial.

À chegada, os agentes formaram um cordão de segurança e a equipa da STV estava dentro dele, ou seja, protegida… Ou, pelo menos, é assim que se sentia.

Vendo o contingente policial, os manifestantes levantaram-se, juntaram os seus pertences, que eram caixas e algumas tigelas de marmitas e foram juntar-se ao muro do edifício do PNUD. Ficaram ajuntados e os agentes ficaram à frente, como se estivessem numa sessão de formatura. Os agentes anunciaram que todos devem abandonar o espaço e seguir para as suas casas.

Para facilitar, os agentes disseram que tinham “carros para qualquer destino, vamos acompanhar até às residências. Temos aqui o carro da Polícia, também, vamos aproveitar!”

Só que os manifestantes não tinham disponibilidade para aproveitar essas facilidades todas; queriam mesmo era ficar ali até terem respostas. Daí que, quando eram cerca das 18h35, um dos agentes anunciou novas medidas.

“Já que vocês não querem perceber, vamos violentar; entra no carro à força. Vamos carregar, vamos carregar! Colegas, uma corrente aí para não saírem, uma corrente para eles não passarem!”

Há um senhor que, visivelmente, se recusa a entrar no autocarro. Ainda assim, entrou à força, tal como tinha sido dado o aviso. Foi carregado pelos agentes da Polícia contra a sua vontade. Há quem teve, até, de ser arrastado. O facto é que, com violência ou não, os manifestantes saíram dali, alguns directamente para as suas casas e outros para os autocarros.

Quando tudo estava feito, da parte da Polícia, e estavam a ser recolhidos os últimos cartuchos dos manifestantes, Leonel Muchina aproximou-se à reportagem para dizer que estava disponível para explicar a razão de tudo aquilo.

A entrevista até começou e Muchina foi a tempo de dizer que a presença da Polícia era para acautelar que não se bloqueasse uma via tão importante como aquela e com alguns dos edifícios que lá estão. Muchina ainda disse que estava em risco também a saúde dos próprios manifestantes e a dos transeuntes, que estavam impedidos de circular pelo passeio. É neste momento que os bandidos colocam Hélder Mathwassa no chão, levam a câmara e correm para uma viatura ligeira, de onde saem às pressas.

“Pisa o carro, pisa o carro!”, ordenou um dos meliantes ao motorista. Pisaram no acelerador e foram… foram embora, mas não a tempo de desligar a câmara, que continuou a gravar por, pelo menos, mais 28 minutos. A entrevista com Muchina durou cerca de um minuto e meio. Isto quer dizer que quando o roubo da câmara aconteceu quando eram 19 horas e dois minutos e meio.

No momento da entrada, ainda é possível ver que, à entrada, havia, no interior da viatura, mais dois jovens. O carro em que seguiam os meliantes foi na direcção da Praça da OMM, mas a viagem não durou muito tempo, porque, quatro minutos depois, ou seja, por volta das 19h07, os ladrões registam a sua primeira paragem e levam consigo a câmara.
As imagens estão desfocadas, mas o áudio não. Tudo é feito às pressas. Os malfeitores são de poucas palavras e essas poucas, são faladas em Changana. Por exemplo, aqui, eles dizem onde é que a câmara deve ser guardada. Guardou-se por pouco tempo. A gravação feita pela câmara permite-nos perceber que os bandidos só ficaram no local por quatro minutos, ou seja, saíram depois das 19h10.

Ao que se pode entender, a primeira paragem era para preparar alguma coisa, que não apurámos, por isso, à saída, a primeira pergunta de um dos meliantes é: “Pessoal, já? Já?”

Por descuido ou não, há um nome que é mencionado. “Zeze, abram! Abram!” E prosseguiram para outro lugar. Algo que chama atenção é que, durante a viagem, falam pouco. Mas há um momento de chacota em que os meliantes falam do que acabam de fazer. Pelo que se pode notar, os que tinham ficado no interior do carro perguntam “Não vos perseguiram?” E o outro responde com uma pergunta retórica: “Como perseguir com arma?”

Daqui em diante, os malfeitores passam a falar mais, mas nada que se ouça… até que, quando são 19h19, se ouve a voz de Sheila Wilson, bem no início da live durante a qual foi detida.

Pois é, é isso mesmo. Os ladrões, que, supostamente, nada tinham a ver com a Polícia, tiveram interesse de ouvir a gravação da live feita pela jornalista sequestrada, Sheila Wilson. É evidente que os meliantes não estavam a acompanhar em directo. É que, como se vê numa captura de tela, a live de Sheila foi ao ar às 18h58. E, como dissemos, os ladrões só começaram a ouvir a live às 19h19. Ademais, iam vendo e recuando no vídeo. Das duas uma: ou estavam com o celular da profissional ou gravaram eles próprios nos seus dispositivos.

Bem, a viagem continuou. Agora um pouco mais descontraída. 22 minutos depois do roubo, quando eram 19h24, o motorista recebe uma ordem de um dos seus comparsas. “Bro, desculpa lá, podes parar aqui.”

Este foi o último ponto de paragem. A câmara voltou a ser mexida dois minutos depois da paragem, ou seja, quando eram cerca de 19h26. Depois disso, nenhum momento digno de realce teve lugar. O equipamento parou de gravar às 19h31.

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