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“Body shaming” ataca grande parte das mulheres no país

Várias mulheres no país sofrem de um distúrbio chamado “Body Shaming”, que significa, em Português, vergonha do próprio corpo. Algumas delas chegam até a mutilar-se em busca de conforto.

Body shaming, que significa vergonha do próprio corpo, é um distúrbio que resulta de comentários ofensivos que as pessoas fazem, consciente ou inconscientemente, de forma directa ou indirecta.
Um comentário, aparentemente simples, como “és muito magra” ou “precisas de perder alguns quilos” pode ter um eco eterno na vida da pessoa que o ouve.
Alice, nome fictício de uma adolescente de 16 anos, que sofre do distúrbio, esconde-se por trás de roupas largas, por ter vergonha das suas nádegas, que as considera muito grandes. Desenvolveu a perturbação em casa, com os comentários que a sua mãe fazia do seu corpo, algo como “és muito crescida para a sua idade”.
“Isso já fez com que eu fosse à escola com camisolas de um tamanho maior que o que eu deveria usar. Mesmo em dias de muito calor, eu não as tirava, para evitar comentários. Em casa, uso capulanas e poucas vezes visto saias. Evito sair de casa, evito roupas apertadas, tenho que evitar mostrar”, revelou.
Alice não sofre sozinha, Neyma de Jesus, de 23 anos, já chegou a vestir cinco peças de roupa, para se sentir mais gorda.
“Eu amarrava camisola na cintura, para as pessoas não verem. Porque o facto de eu não ter nádegas salientes afectava-me muito… o facto de eles falarem sobre isso, falarem sobre o meu corpo. Eu optava por usar roupas com camisolas muito cumpridas ou então calças muito largas.
Na família, em grupos de amigos, na escola, o fenómeno Body Shaming acontece por todo o lado e com consequências variadas.
“Acontece, muitas vezes, na adolescência e juventude, porque as pessoas vão ser, muitas vezes, comparadas por familiares e amigos e esse bullying acontece não só fora de casa, mas também, e principalmente, no meio da família”, explica a psicóloga Celma Ricardo.
As redes sociais, na internet, são um campo fértil para o Bullying que origina a vergonha do corpo.
“O bullying é isto: eu começo, tu imitas e o outro vai seguindo. E isso acontece muito nas redes sociais”, elucida a psicóloga.
Alice não consegue publicar uma foto de corpo inteiro em nenhuma das suas contas na Internet.
“Não costumo postar foto de todo o corpo. Geralmente, quando posto, oculto as partes de que não gosto ou cubro-as com roupas largas”, disse.
As mulheres são as maiores vítimas do distúrbio, uma vez que lhes é exigida a perfeição a todo o momento.
Um comentário que a princípio parece simples e sem intenção de magoar pode causar cicatrizes que da adolescência se perpetuam na vida adulta.
O “O País” ouviu seis mulheres, numa das mais movimentadas avenidas da capital moçambicana, a Avenida Guerra Popular. Das revelações feitas, foi possível perceber que quase todas tinham sido criticadas por conta de seu corpo. Elas revelaram, também, que sentem vergonha de pelo menos uma parte do corpo.
“Eu não gosto do meu nariz, acho que é grande”.
“Falaram da cor da minha pele, por ser escura”.
“As pessoas diziam coisas como ‘por que usas calças apertadas sendo magra?’”
Toda a mulher já sofreu Body Shaming. Algumas já até já praticaram o bullying que leva ao distúrbio.
Ao pacote das críticas acrescentam-se a cor da pele, cicatrizes ou qualquer outro item que não agrada ao praticante.
Vilma Mafuiata, outra mulher, também já passou pela reprovação social por conta de seu corpo. Um incidente que teve aos 11 anos deixou-lhe com uma deficiência nos olhos, o que chama atenção e resulta em provocações.
“Chamavam-me ‘zarolha’, faziam todo o tipo de gozo com a situação”, disse.
Para esconder as imperfeições, algumas mulheres recorrem a dietas, editam suas fotos ou vivem maquilhadas. Outras, por não aceitarem o seu corpo, chegam a se mutilar-se, isto é, cortar partes do seu corpo.
A psicóloga Celma Ricardo diz que “muitas delas entram em depressão, não querem ir à escola, quando o bullying acontece na escola. Acreditam que o seu corpo é diferente do dos outros e que isso é mau, e acabam por tomar atitudes prejudiciais à saúde”.
Ter vergonha do próprio corpo pode levar a doenças como ansiedade, distúrbios alimentares, como comer demais para engordar ou menos, para emagrecer.
Para muitas mulheres, é difícil perceber que as imperfeições são naturais do ser humano e que as diferenças fazem o mundo. Mas a sociedade tem um papel importante no bem-estar das pessoas que se sentem descontáveis com sua fisionomia. O apoio da família é igualmente muito importante.
“Muitas pessoas que passaram por esta situação, de não aceitar o corpo acabaram por se suicidar. Então, vamos evitar fazer bullying, porque as pessoas acabam por tirar as suas vidas na tentativa de acabar com a sua dor, apelou Celma Ricardo.
Importa referir que Moçambique tem a mais alta taxa de suicídio do continente africano. Até 2020, as estatísticas indicavam que 18 pessoas, por dia, tentavam tirar-se a vida no país

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