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Bíblia Lounge de Leco Nkhulileko

“Bíblia Lounge”, este livro de poemas que temos entre mãos, assemelha-se a um lugar amplo, de retiro espiritual, para dentro do qual somos convidados a uma reflexão. Sem se tratar de um retiro de cariz religioso, com cultos canonizados, mas com a religiosidade que a poesia reclama para ser lida, escutada, percebida, interpretada, interiorizada, e decifrados os seus labirintos, que escondem nas suas dobras, um desfile de enigmas que se entrelaçam no binómio Utopia Vs. Realidade.

Esta obra de Nkhululeko é uma vigorosa expressão de labor poético que, trilhando nos novos caminhos resultantes do desbravamento que leva o visco do modernismo, permite que nos compenetremos numa evolução poética interessante que teve o seu Alfa com o livro “Há Gritos no Silêncio”, de 2011, que deveria merecer uma visita retrospectiva que nos permitiria compreender melhor esta evolução.

O retiro que nos é aqui proposto, neste “Bíblia Lounge”, não corre como um vão! Não é dúctil, no sentido de ausência de rompimento, que só vai fechar com a exposição do último poema: “Ressurreição”, do destino e das rezões que fizeram desaparecer, na percepção do sujeito poético, o poema que embrulhava “As tangerinas de Inhambane” e “O menino magro” com os seus balõezinhos, suplicando pela ressurreição do Mestre com os seus antídotos! Trata-se de uma reflexão espartilhada em três estações que tonalizam as nossas emoções, como o fazem a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno, que nomeiam as manifestações meteorológicas que exercem sobre nós a descontinuada sensibilidade do estado do tempo que vai escorrendo! São, apenas, três estações, mas com o mesmo toque sensitivo daquelas!

São três estações reflexivas que nos embalarão na nossa viagem espiritual poética!

“Bíblia Lounge”: o frontispício do espaço que se abre diante de nós, para a nossa reflexão;

“Muthimba”: a dança sugerida às nossas mentes, na busca profunda no imo do sujeito poético. Indicia-a o poema “Encenação?” que nos obriga a um rodopio mental necessário para a percepção das dobras do retiro que nos apela;

“Dumba Nengue”: um final expressivo, longe do escapismo, se nos ativermos na etimologia da expressão linguística empregue. Não uma fuga, no sentido literal, mas um apelo a um retorno às nossas lindas e ricas tradições, mesmo que utópicas, mas sempre revigorantes.

A apresentação deste livro não foi tão simples quanto poderia parecer! Pois, trata-se, não de surgimento, mas de continuidade da actividade literária de um jovem que procura os caminhos da consagração ou da identidade nesta área. Não foi fácil achar o que dizer!

Quando tudo começou, Leco Nkhululeko era, apenas, um debutante, um anónimo na literatura. Conhecemo-nos em 2009, já lá vão 10 anos, quando ele acabava de ganhar, com o poema “Sangue de Darfur” uma menção honrosa num concurso mundial de poesia, promovido pela República Italiana, denominado PRÉMIO NÓSSIDE, na sua XXV edição. Naquele prémio, concorriam poetas de 42 países localizados em todos os continentes. Cada concorrente usou a principal língua comunicacional do seu país. O poema premiado foi seleccionado para a antologia poética NÓSSIDE 2009, idealizada para eternizar aquele evento. Nkhululeko, trabalhava, já, na compilação de poemas seus, para publicá-los no que seria o seu primeiro livro.

O elo que nos ligou, foi o seu amigo Cláudio, meu filho. A nossa aproximação foi benéfica, para ambos: Ele ganhou alguma experiência; eu conheci um jovem de vontade e garra, que me fez estender a minha visão analítica a tantos outros jovens que se vão revelando na nossa literatura.

Como se pode depreender, Leco Nkhululeko, antes de entrar para o cânone nacional de literatura, já era reconhecido internacionalmente como poeta. O tal nosso paradoxo de reconhecimento literário vir de fora e só assim, os olhos domésticos nos vêm.

Não resisti ao seu convite para o assessorar na sua promissora carreira. Li os poemas já compilados, sob o título: “Há gritos no silêncio”. Dada a minha opinião, humilde e incondicional, o nosso poeta, então emergente, pôs-me a prefaciar esse livro e a apresenta-lo publicamente. Devo dizer, sem rodeios e com orgulho, que esse livro valeu-lhe o reconhecimento de muitos leitores, sobretudo dos seus amigos mais próximos, não apenas pelo acto de lançamento que aconteceu, mas, e sobretudo, pela capacidade que ele demonstrou ao levar o livro ao palco de um recital, coordenado com um elenco meticulosamente preparado, exibindo uma desusada performance no nosso meio literário! Tem feito vários recitais declamatórios, baseados na sua produção poética, o que constituiu uma garantia para a continuação, e hoje estamos aqui a testemunhar o nascimento do seu segundo trabalho poético em livro, sob o título: “Bíblia Lounge”.

Li o livro ainda em preparação. Confesso que fiquei impressionado com a evolução técnica e estética do labor poético, sobretudo a sua concentração sobre vários aspectos sociais que lhe deram uma rede vasta, sobre a qual trabalhou. Aprendi, com este acto, porque cada exercício destes é um aprendizado. O apresentador do livro, elaborará com mais profundidade e precisão sobre os vários aspectos do mesmo.

Agora, nós, Leco Nkhululeko!

Endereço-te um veemente pedido, para que não embandeires em arco ainda, porque a procissão ainda vai no adro; ainda não é tempo de te julgares uma obra acabada no seio da classe literária! As tuas costas ainda vão ser dardejadas pelos raios fortes do sol literário; ainda vais lavrar muito, esse árido mas fértil solo, para que dele brotem as sementes que fores lançando. Deves ser humilde, leitor e estudioso, não só de livros, mas também dos sinais que a sociedade em que estás inserido te vai dando; deves-te apurar continuamente e, quando chegar o momento, ninguém te vai proclamar, tu sentirás dentro de ti, que já és poeta! Ninguém está autorizado a proclamar poetas e escritores, nem existe, para já, autoridade definida para o efeito, porque, a própria literatura ainda não está definida universalmente. A actividade literária é subjectiva, cada um se avisa a si próprio do movimento das marés! A verve e o verbo nascem, apuram-se e se erguem dentro de nós, depois de largo tempo de trabalho aturado. Os que nos galardoam, deve ser por rendição ante o nosso trabalho. Eles não o devem fazer de forma paternalista. E quando não nos galardoam, não nos devemos inferiorizar, não devemos ficar complexados, aliás, isso deve constituir motivo para trabalharmos com mais afinco, elevar o nosso ânimo. A humildade que aqui te sugiro, não é passividade, não é submissão, é respeito: primeiro, por ti próprio e no que fazes, e, depois, no que te rodeia: pessoas, fenómenos e coisas.

Não corras atrás de aplausos, de louros, de forma gananciosa. Tudo isso se ganha com suor. Trabalha, e cada vez mais; não te distraias com falsas adulações; não te guies pela bajulação. Sentirás, no teu íntimo, chegado o momento, que, afinal, és poeta! Não te autoproclames, mesmo assim! Trabalha.

Isto vale para todos os jovens que decidiram abraçar esta nobre arte de cantar a alma da sua sociedade, neste caso, da sociedade moçambicana!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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